Os investigadores da Operação Lava Jato trabalham desde a semana passada em uma nova frente que pode abalar ainda mais a situação da presidente Dilma Rousseff na apuração de irregularidades em sua campanha para a reeleição. Debruçados em documentos obtidos pela quebra de sigilo bancário da agência de comunicação Pepper – apontada como instrumento de pagamentos ilegais do PT para quitação de dívidas da campanha de 2010, segundo relatos em delação premiada de executivos da construtora Andrade Gutierrez –, eles encontraram depósitos feitos por outra empreiteira, a OAS, à empresa, sem que tenha havido comprovação de serviços prestados. 

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Campanha na rua: A Pepper foi uma das agências mais próximas do comando petista
e trabalhou para o time de Dilma em 2010 e 2014, além de atuar para outros candidatos
do partido. Sua função era cuidar da comunicação nas redes sociais 
 
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Para a Lava Jato, esses depósitos comprovariam a manutenção do esquema de pagamentos ilegais na campanha de 2014, o que ameaçaria o atual mandato de Dilma. Os depósitos mostram que a OAS repassou à agência de comunicação R$ 717 mil entre 2014 e 2015. Foram três parcelas, no valor de R$ 239 mil cada, sendo duas em setembro e novembro, em datas bem próximas às eleições que reconduziram Dilma à Presidência. Na última corrida eleitoral, a Pepper prestou serviços às campanhas vitoriosas dos governadores Rui Costa (PT-BA) e Renan Filho (PMDB-AL). Na época, a empresa mantinha um contrato com o PT, no valor de R$ 530 mil por mês, para cuidar da comunicação do partido nas redes sociais. 
 
O contrato se estendeu até dezembro do ano passado. A movimentação financeira da Pepper mostra ainda a Queiroz Galvão, outra empreiteira na mira da Lava Jato, transferiu um total de R$ 159 mil à Pepper entre 2013 e 2014, em três pagamentos. Nas contas da agência de comunicação também apareceu a Egesa, que repassou uma soma de R$ 563 mil. Foram seis transferências em 2010, no mesmo período dos depósitos assumidos como ilegais pela Andrade Gutierrez. No acordo de delação premiada negociado com a Procuradoria-Geral da República, os executivos da Andrade afirmaram ter ajudado a quitar, em 2010, dívidas de campanha de Dilma. 
 
Uma das empresas integrantes do cartel que fraudou licitações da Petrobras, a empreiteira, segundo relataram seus dirigentes, contratou os serviços da Pepper de forma forjada, com o objetivo de justificar o repasse de recursos destinados a quitar papagaios da campanha petista. Os valores seriam, de acordo com os delatores, fruto da propina do Petrolão. A Pepper tem ligações antigas com o PT. Trabalhou na campanha que elegeu Dilma pela primeira vez, cuidando de redes sociais. Foi investigada pela Polícia Federal após ser acusada de patrocinar um bunker em Brasília destinado a bisbilhotar e produzir dossiês contra adversários dos petistas. 
 
Na semana passada, o conteúdo da colaboração dos representantes da Andrade Gutierrez começou a ser conhecido. Os depoimentos estão na mesa do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a quem compete investigar as suspeitas. A delação dos representantes da Andrade Gutierrez amplia as suspeitas relacionadas às contas eleitorais da presidente, sejam em relação a 2010 ou 2014. O caixa eleitoral da reeleição de Dilma é alvo de investigação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Adversários da petista a denunciaram por abuso de poder político e econômico. Informações da Lava Jato têm sido anexadas a essa apuração. 
 
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Financiadores A Andrade Gutierrez, de Otávio Azevedo (à esq.), foi a primeira a admitir o uso da Pepper para pagamentos
ilegais das dívidas de campanha petista. A PF tem documentos que associam a UTC, de Ricardo Pessoa (ao centro),
à transferência de R$ 7,5 milhões ao PT. Investigadores aguardam agora a delação de Leo Pinheiro, da OAS

 
Existe ainda um inquérito na Polícia Federal para esclarecer suspeitas envolvendo gráficas contratadas pela campanha. A defesa de Dilma no TSE nega as irregularidades. Ainda que comprovada, a grave acusação feita pelos dirigentes da Andrade Gutierrez não seria suficiente, porém, para repercutir sobre o atual mandato presidencial, uma vez que trata da campanha de 2010. Nesse sentido, as novas descobertas da Lava Jato, referentes a 2014, tem poder mais explosivo, o que aumenta a expectativa em torno da delação do presidente da OAS, Leo Pinheiro. O sigilo bancário da Pepper foi quebrado pela CPI do BNDES, encerrada no mês passado sem propor sequer um indiciamento. 
 
A agência de comunicação é alvo da Operação Acrônimo, da PF, que investiga suposto envolvimento do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, e sua mulher, Carolina de Oliveira, em irregularidades. O casal é suspeito de ter recebido propina de empresas que mantinham relações comerciais com o BNDES, subordinado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Pimentel comandou a pasta entre 2011 e 2014. A polícia reuniu evidências de que a Pepper foi usada para intermediar repasses de dinheiro do BNDES a Pimentel. Em junho do ano passado, a agência de comunicação foi alvo de busca e apreensão, na segunda fase da Acrônimo. 
 
No Congresso Nacional, um dos argumentos da oposição para aprovar a quebra de sigilo da Pepper foi a suspeita de que a mulher do governador mineiro seria sócia oculta da Pepper. Os dados bancários da empresa chegaram à CPI do BNDES, mas a comissão não conseguiu avançar nas investigações. O Planalto conseguiu blindar Pimentel da investigação parlamentar, numa negociação liberada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O pacote de poupados incluiu, além de Pimentel, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, suspeito de tráfico de influência no BNDES. A apuração contra o governador petista prossegue no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
 
Em outro flanco, a contabilidade eleitoral de Pimentel foi reprovada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Minas no mês passado, incluindo, entre as irregularidades, doação de valores sem identificação de origem para a campanha de Dilma. Há duas semanas os problemas para Dilma na seara eleitoral aumentaram significativamente. O marqueteiro João Santana foi preso na Operação Acarajé, a 23ª fase da Lava Jato, acusado de esconder das autoridades a offshore Shellbil Finance S.A., sediada no Panamá e titular de conta na Suíça. A conta secreta de Santana foi abastecida com dinheiro do Petrolão, segundo a força-tarefa que investiga a corrupção na Petrobras. 
 
Foram US$ 7 milhões depositados entre setembro de 2013 e novembro de 2014, sendo US$ 1,5 milhão em três parcelas no período em que o marqueteiro estava empenhado em reconduzir Dilma ao Palácio do Planalto. O dinheiro foi depositado por Zwi Skornicki, lobista considerado um forte elo entre a quadrilha que pilhava a estatal e a campanha de Dilma. Além disso, a PF recolheu uma planilha suspeita ao revistar as dependências da Odebrecht. Sob o título “Feira-evento 14”, o papel indica sete pagamentos efetuados em São Paulo num total de R$ 4 milhões. Feira, segundo os investigadores, é referência a Santana. 
 
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Sócia oculta: Carolina de Oliveira, mulher do governador Fernando Pimentel (MG)
foi investigada por suspeita de ter recebido propina através da Pepper

 
Estas transferências ocorreram entre outubro e novembro de 2014, ápice da campanha de Dilma. Ao determinar a prisão de Santana e de sua mulher e sócia, Mônica Moura, o juiz Sérgio Moro classificou como “fundada” a suspeita de que as transações efetuadas em favor da Shellbil representam pagamento de propina. “Na hipótese probatória mais provável tais valores destinar-se-iam a remunerar os serviços de publicidade prestados por João Santana e Mônica Regina ao Partido dos Trabalhadores, o que é bastante grave, pois também representa corrupção do sistema político partidário”, afirmou Moro. Santana e Mônica deram uma desculpa esfarrapada sobre o dinheiro lá fora. Tiveram a prisão renovada.
 
A estratégia dos adversários de Dilma é anexar às investigações do TSE as novidades que possam comprometer o mandato da petista. Essa providência vale para o material relacionado à Operação Acarajé e também para a delação dos executivos da Andrade Gutierrez. No caso da empreiteira, uma eventual proposta de compartilhamento terá que ser autorizada pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros do TSE já têm à disposição um robusto conjunto de informações para analisar. Existem documentos no TSE que mostram, por exemplo, como o empresário Ricardo Pessoa, da UTC Engenharia, discutiu doações eleitorais em 2014 com prepostos da presidente. 
 
Mensagens de Pessoa para Walmir Pinheiro, diretor financeiro da empreiteira, trazem detalhes sobre a transferência de R$ 7,5 milhões à campanha petista. A papelada associa as doações da UTC para a candidata à reeleição ao recebimento de valores desviados da Petrobras. Em depoimento à Justiça Federal, prestado no ano passado, Pessoa disse que foi persuadido a fazer essas doações sob pena de inviabilizar negócios milionários da empreiteira comandada por ele com a Petrobras. É farto o material no TSE. No mês de outubro do ano passado, o juiz Moro encaminhou ao tribunal uma série de ações penais da Lava Jato em tramitação na Justiça Federal do Paraná. 
 
O material foi anexado a um dos processos que corre contra a presidente. O magistrado chamou a atenção dos ministros para a confirmação de que dinheiro da Petrobras foi desviado e transferido para o PT na forma de doação partidária. Isso ficou comprovado num dos processos em que o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto foi condenado por organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro. Segundo a sentença assinada por Moro, empresa ligada ao Grupo Setal, do delator Augusto Mendonça, repassou, entre 2008 e 2012, R$ 4,25 milhões ao diretório nacional do PT, dos quais R$ 1,6 milhão entre janeiro e julho de 2010, ano em que Dilma foi eleita. Coordenador jurídico da campanha à reeleição de Dilma Rousseff, o advogado Flávio Caetano afirmou que não há no material enviado por Moro ao TSE a comprovação de recursos de origem ilícita na campanha presidencial.
 
 
As empreiteiras na conta da Pepper
 
Nos depósitos rastreados pela CPI do BNDES, a força tarefa da Lava Jato encontrou vários depósitos de empresas beneficiadas no Petrolão e que não têm comprovação de serviços prestados, indicando um pagamento ilegal vinculado a campanhas políticas. Além dos depósitos da Andrade Gutierrez em 2010, assumidos em delações premiadas dos dirigentes da empreiteiras, foram encontradas movimentações feitas pela OAS em 2014, durante a campanha de reeleição de Dilma, e 2015. Foram três parcelas de R$ 239 mil cada, as duas primeiras em datas bem próximas à votação.
 
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Créditos das fotos nesta matéria: Andre Coelho /Ag. O Globo; Ciete Silverio/Folhapress; Paulo Lisboa/BRAZIL PHOTO PRESS/AE; Rafael Arbex/Estadão; Omar Freire/Imprensa MG