Não bastasse o aumento da criminalidade, e consequente insegurança, o primeiro mês do ano chega ao fim com uma estatística apavorante no Rio de Janeiro de uma vítima de bala perdida por dia. Até a sexta-feira 30, a região metropolitana contabilizou 31 pessoas atingidas – cinco delas morreram. O termo bala perdida foi criado pela imprensa carioca e adotado pela estatística oficial em 2007, a partir de um pedido do atual secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame. Não à toa. O ano de 2007 se mantém com o pior índice, com 279 pessoas baleadas e 21 mortas. Em 2009, após a implementação da política das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), o número de mortos foi quase três vezes menor, à semelhança do que ocorreu com outros crimes. Mas o aumento das balas perdidas em 2015, somado ao volume maior de crimes violentos e ações policias desastradas, põe em xeque a própria UPP, um projeto de sucesso na fase de implantação, e expõe a crise por que passa a segurança pública no Estado. O segundo passo das UPPs, que seria ocupar os morros com o Estado – escolas, espaços culturais, postos de saúde –, não veio e a criminalidade está se reorganizando. “A situação é delicada, porque melhorar os procedimentos da polícia comunitária é muito difícil numa situação tensa”, diz a antropóloga Alba Zaluar, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos.

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INSEGURANÇA
Acima, os pais do estudante Alex Schomaker, Andrei e Mausy
– morto num assalto aos 23 anos – durante sua formatura póstuma
na segunda-feira 26. Abaixo, cariocas se protegem de tiroteio

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Para Alba, a grande quantidade de balas perdidas tem relação direta com o recrudescimento dos confrontos armados entre traficantes e policiais, em áreas com UPPs como a Favela da Rocinha, na zona sul, e o Complexo do Alemão, na zona norte, e em outras partes da metrópole sem ocupação. Em entrevista à IstoÉ, o secretário José Mariano Beltrame disse que, numa crise aguda como essa, a pressão toda recai sobre a polícia, mas há outras ações a serem feitas. Dois anos após a primeira e bem-sucedida UPP do Morro Santa Marta, na zona sul, a chamada UPP social, administrada pela Prefeitura do Rio, anunciou que faria um trabalho com os jovens, a fim de evitar que eles fossem novamente cooptados pelo tráfico de drogas. “Se você perguntar para a UPP Social e até para o governo federal, eles vão dizer que fizeram um trabalho nesse sentido, mas nada que tivesse surtido o efeito desejado”, diz Beltrame. Segundo o secretário, governo do Estado e prefeitura não tiveram celeridade para implementar serviços públicos nas áreas ocupadas. “Falta velocidade dos outros setores do poder público no Rio. Quando se leva segurança para essas áreas, é para se garantir o ir e vir também do caminhão do lixo, do médico da família, da assistente social”, diz o secretário.

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"Falta velocidade dos outros setores do poder público no Rio"
José Mariano Beltrame, secretário de Segurança

Os pais do estudante Alex Schomaker, assassinado aos 23 anos com quatro tiros no dia 8 de janeiro, numa tentativa de assalto em Botafogo, na zona sul do Rio, consideram que o Estado está ausente. “O Estado matou meu filho. O lugar onde ele foi morto está sempre mal iluminado, sem poda de árvores, e isso tem sido reivindicado há muito tempo. A UPP criou uma falsa ilusão de segurança no Rio”, disse a mãe, Mausy Schomaker. O casal foi à formatura do filho na segunda-feira 26, que se formaria em ciências biológicas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fizeram questão de sentar nas fileiras reservadas aos formandos, pegar o certificado de conclusão de curso de Alex e ler uma carta para ele. A cerimônia, no Instituto de Biologia, se transformou em uma homenagem ao jovem, com um painel de fotos dele ao fundo. Num dos momentos mais emocionantes, todos cantaram e disseram: “Eu sou Alex”. A cientista social Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, diz que a indignação com a violência mostra que a indiferença da sociedade está diminuindo.

Na visão do cientista político João Trajano, do Laboratório de Análise de Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o problema é que, nas UPPs, a lógica da política se sobrepõe à dos profissionais de segurança pública. “Em 2015, teremos 40 UPPs no Rio. Elas têm sido feitas de maneira intempestiva”, diz Trajano, ressaltando a hipótese de as UPPs promoverem a migração de bandidos para outras áreas da capital e da região metropolitana.

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Fotos: Alexandre Cassiano/Ag. O Globo; Vítor Silva/Futura Press