Depois da crise na área da Segurança Pública, o governador do Rio, Anthony Garotinho (PDT), está às voltas com outro vespeiro. A construção de 100 mil casas populares, que deveria ser um dos trunfos da sua gestão – projeto para o qual reservou R$ 350 milhões –, acabou se transformando nas últimas semanas num festival de denúncias de licitações irregulares e contratos com empresas fantasmas. No olho do furacão está o presidente da Companhia Estadual de Habitação (Cehab), Eduardo Cunha, que foi secretário da Executiva do PRN e presidente da Telerj no governo de Fernando Collor. Cunha identifica nas denúncias uma motivação política. “Querem atingir o governador Garotinho e estão me usando para isso”, afirma. Na maioria dos casos, porém, há questionamentos puramente técnicos. As principais dúvidas são relacionadas à empresa paranaense Grande Piso, que em poucos meses se transformou de microempresa em construtora para vencer quatro concorrências da ordem de R$ 34 milhões no Estado do Rio.

Nas licitações vencidas pela empresa Grande Piso, pelo menos uma irregularidade já foi confirmada e há muitos fatos estranhos sendo apurados. O próprio presidente da Cehab admite que errou ao aprovar os editais das concorrências sem submetê-los ao Tribunal de Contas do Estado. “Me baseei num parecer da Procuradoria Geral do Estado, mas depois descobrimos que o TCE realmente deveria analisar os contratos”, explica Cunha. A trajetória da Grande Piso é meteórica. Até agosto, não passava de uma microempresa de revestimentos, com capital social de R$ 490 mil. Em dezembro, transformou-se em construtora, com capital de R$ 2,58 milhões. Contratou engenheiros pouco tempo antes de inscrever-se nas concorrências que a Cehab começaria a realizar no mês seguinte. Curiosamente, acabou levando a maior fatia das obras, num total de R$ 34 milhões. Numa construção no bairro de Acari, zona norte, já se passaram dois meses e a Grande Piso não colocou um só tijolo das 800 unidades que têm de ficar prontas em julho. No conjunto Nova Sepetiba, começou a construir sem licença ambiental.

Ligações perigosas – Em outra licitação, a firma vencedora usou a ajuda do argentino Jorge La Salvia, antigo conhecido de Cunha e ex-procurador de PC Farias. La Salvia assessorou a Central de Administração de Créditos Imobiliários (Caci) na concorrência que a empresa venceu para fazer a auditagem de contratos imobiliários da Cehab, um negócio de R$ 570 mil. A licitação foi homologada no dia 23 de novembro do ano passado, mas ISTOÉ teve acesso a uma cópia do contrato dessa concorrência – autenticada em cartório – assinada com data de 1º de novembro de 1999. Ou seja: o contrato entre a Cehab e a Caci teria sido assinado antes mesmo da realização da licitação. Em sua defesa, Cunha exibe o contrato que tem arquivado, onde aparece a data de 1º de dezembro do ano passado. “Estou sendo vítima de uma campanha difamatória, entregaram à revista uma cópia adulterada”, afirma. O presidente da Cehab dá pouca importância ao fato de o documento ter autenticação do 23º Ofício de Notas, o que comprovaria que foi conferido com o original. “Esses cartórios autenticam qualquer coisa”, reclama.

Não é difícil achar irregularidades em empresas contratadas pela Cehab. A Ilanes Consultoria – que prestou serviços de digitação – e a Louca Car Bangu – que assinou contrato como locadora de automóveis – aparecem no cadastro com endereços residenciais. Ao se cadastrarem no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, as duas empresas usaram as mesmas pessoas para assinarem como testemunha e contadora. Depois de denunciada a farsa, Cunha decidiu agir. “Achei que havia muitos problemas com essas empresas e resolvi anular a licitação”, afirma. Tantas complicações chamaram a atenção da Assembléia Legislativa. “Cunha já deveria estar fora do cargo há muito tempo”, reclama o deputado estadual Paulo Melo (PSDB). Cunha está desde o início no governo do pedetista Garotinho, apesar de filiado ao PPB de Maluf. Primeiro atuou como subsecretário de Habitação, na gestão do secretário Francisco Silva, atualmente no PST, seu parceiro político, e desde outubro é presidente da Cehab. O currículo desse economista de 41 anos é polêmico. Quando esteve à frente da Telerj no governo Collor também foi alvo de denúncias. Numa delas, foi questionado quanto a um suposto favorecimento à NEC, com quem a Telerj teria feito uma compra de US$ 4 milhões, sem licitação. Mais recentemente, chegou a ser investigado pela Polícia Federal no caso do grampo do BNDES, que derrubou o ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros e o então presidente do BNDES, André Lara Rezende.“Tanto Silva como Cunha não têm identidade ideológica com o PDT”, afirma o ex-governador Leonel Brizola.

Articulação – A ligação com seu passado collorido é outro ponto que embaraça o presidente da Cehab. Além de Jorge La Salvia, outro personagem é Roberto Sass, dono da empresa Grande Piso, que é filiado ao PRN. Por fim, Cunha tem como chefe de gabinete o advogado Lemoel Granjeiro de Carvalho. “Esse homem representava uma empresa que usou os serviços de César Arrieta, um lobista argentino que se servia da influência de PC Farias para apagar dívidas de empresas junto à Previdência”, acusa a deputada estadual Cidinha Campos (PDT), que presidiu a CPI do INSS, quando era deputada federal. Lemoel diz que nunca teve negócios com Arrieta.

O governador Garotinho finge não dar importância às ligações de seu subordinado com a turma de Collor. “Francisco Gros e Pedro Malan também trabalharam com Collor. Onde estão agora?”, rebate. Mas o currículo collorido de Cunha e as seguidas denúncias envolvendo concorrências da autarquia estão dando dor de cabeça ao presidente da Cehab. “Não tenho feito outra coisa senão me defender de acusações”, reclama. Ele não tem dúvida da motivação política dos ataques e dá nome aos bois. “Essa campanha é movida pelo ex-governador Moreira Franco, por orientação do Planalto. O objetivo é minar uma futura candidatura do governador Garotinho à Presidência.” Moreira descarta essa hipótese: “Ele está delirando e se dando muita importância. Quer dar às denúncias conteúdo político, como se ele fizesse parte das preocupações políticas do Planalto.”