A tradução literal seria “Eu ponho minha fé em Deus”, mas, dependendo do contexto, pode indicar varia-dos estados de espírito. Na noite de 31 de outubro, a caixa-preta do vôo 990 da Egyptair registrou a voz do piloto reserva Gamil al-Batouti, 59 anos, proferindo esta sentença de fé. Mas ninguém sabe ao certo o exato significante. Apenas tem-se a certeza de que essas palavras anteciparam o maior desastre da história da aeronáutica egípcia, no qual morreram 217 a bordo do vôo que saiu de Nova York com destino ao Cairo e caiu há 85 quilômetros em Nantucket. Os investigadores americanos acreditam que a tragédia seja decorrência do suicídio de Gamil – por motivos ignorados: particulares ou terroristas. O Egito protesta, alegando que na pressa de resolver o mistério os americanos estariam incorrendo em preconceito religioso e racial, culpando o piloto reserva. Uma prece que transformou-se em um incidente diplomático.

“A frase é usada em todas as oca-siões. É força do hábito. Ela jamais indicou suicídio”, diz Nasser Rabbat, da cátedra de Islamismo do Massachu-setts Institute of Technology. “É a pressa de condenar. O caso não é de polícia, mas sim para a Agência Federal de Aviação dos EUA”, disse a Istoé o porta-voz do governo egípcio, Nabil Osman. “Existe uma misteriosa armadilha aérea na Costa Leste, uma espécie de triângulo das Bermudas. De que outra forma explicar outros acidentes na região, como o da TWA e de John Kennedy Jr.?”, diz Osman. As teorias conspiracionistas proliferam não só no Egito, mas no mundo árabe e entre os americanos. Há quem fale em mísseis disparados pelas Forças Armadas dos EUA.

Por tudo isso, o FBI. não assumiu o comando das investigações, como foi cogitado. O National Transportation Safety Board e a Federal Aviation Agency tentam desvendar o acidente. Em caso de atividade criminal, o FBI chefiaria os trabalhos. Mas as dúvidas egípcias fizeram com que o governo americano retardasse essa mudança. Isso até que se prove a intenção criminosa do co-piloto aos dois enviados especiais do governo egípcio – o general Mamdouh Heshman, do Ministério dos Transportes do Egito, e Mohsne el-Missiri, chefe das investigações egípcias.

E as evidências encontradas pelos americanos são inequívocas. As gravações mostram que Gamil teria dito: “Eu me decidi agora.” Isso demonstra a consciência do piloto reserva. Naquele momento ele estava sozinho no cockpit, pois o piloto e o segundo-oficial estavam no banheiro. Imediatamente depois da frase fatídica, o piloto automático do avião foi desligado e o elevador da cauda (que controla a altitude do nariz da aeronave) foi baixado. Soou um alarme na cabine e o piloto voltou desesperado para sua posição. Na gravação, ele diz: “O que aconteceu? Me ajude aqui!” Logo depois, o Boeing 767 ganhou altitude. Os indicadores da outra caixa-preta – que registra ocorrências na estrutura do avião – mostraram que os elevadores da cauda estavam em posições opostas: aquele controlado pelo piloto apontava para cima, enquanto o controlado por Gamil estava para baixo. Seria esta a prova maior de que havia um antagonismo de intenções no cockpit: alguém querendo levantar o aparelho, e outra pessoa desejando jogá-lo ao mar. Infelizmente, venceu o suicida.