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SAUDADE DA BAHIA
Ao contrário do que se imagina, não foi numa rede ou numa praia ensolarada que Vinicius compôs
“Tarde em Itapoã”, uma de suas músicas mais populares. Foi num apartamento de Buenos Aires

O poeta e compositor Vinicius de Moraes (1913-1980) sempre foi reconhecido como o letrista modernizador da música popular brasileira. Em países como a Argentina e o Uruguai, no entanto, ele carregava esse título e outro mais pomposo: era o Buda da bossa nova, justamente o nome de um capítulo do livro “Nuestro Vinicius”, da argentina Liana Wenner, recém-lançado em seu país e que trata do período em que o brasileiro tornou-se assíduo entre Buenos Aires e Montevidéu. Com seu jeito generoso, sua inclinação natural para fazer amigos, sua postura hedonista e seu don-juanismo incorrigível (casou-se oito vezes e colecionou sabe-se lá quantas paixões paralelas), Vinicius conquistou em cheio as plateias do Cone Sul, que viam nele uma válvula de escape para o conservadorismo local. Quando as ditaduras se instalaram na região, aí o conquistador e bebedor inveterado se tornou um mito. Seus livros se tornaram best sellers, seus discos concorriam com os de artistas locais e os seus shows lotavam a ponto de ter sessões extras.

No onda de popularidade (ele chegava até a participar de especiais de fim de ano da tevê), Vinicius começou a convidar astros da MPB para dividir o palco. Para uma temporada em Mar del Plata, levou Maria Bethânia. A jornalista Helena Goñi, de Buenos Aires, deu um depoimento no livro sobre a cantora: “Vinicius nos apresentou. ‘Prazer’, disse Bethânia, apertando a mão como se fosse um homem. E acrescentou: ‘Minha mulher’, apontando para Lena Crespi” (a atriz brasileira Leina Crespi). Helena ficou escandalizada. Outro episódio com Bethânia relatado no livro envolveu a cantora Maysa. Antes de cantar “Se Todos Fossem Iguais a Você”, ela disse que estava no local quem melhor a interpreta (Maysa). “Então canto eu”, surge uma cambaleante Maysa, que tomou-lhe o microfone. Procurada pela reportagem, Bethânia não quis comentar os fatos, segundo sua assessoria.

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AMOR PORTENHO
Vinicius e Marta, que viajou ao Uruguai para conhecer o ídolo

Foi na casa que Vinicius ocupava nesse balneário argentino que Chico Buarque compôs “Atrás da Porta”.
De acordo com o cantor argentino Horacio Molina, ele decidiu mostrar a música aos amigos brasileiros em um restaurante. Estava bêbado e subiu numa cadeira, onde começou a tirar a camisa à medida que imitava os gestos da mulher desesperada diante da separação do amado. Quase foi expulso do local. A juventude portenha, que sonhava com o sol da praia de Itapoã, adorava tudo e tentava entrar no clima. Foi o caso da poeta e estudante de direito Marta Rodríguez Santamaría, 23 anos na época. Sabendo que Vinicius estaria se apresentando em Punta del Leste, no Uruguai, ela atravessou o rio da Prata com a ideia fixa: conhecer o artista, 40 anos mais velho. Durante uma semana frequentou o restaurante El Mejillón, que nunca fechava as portas e, por isso, era destino certo de Vinicius nas madrugadas. Ao avistá-lo se apresentou e o fisgou com sua graça: tornou-se a sétima mulher do poeta. Vinicius gostava que ela se vestisse com “as cores de Iansã”, o vermelho e o branco. Nessa época, ele já era adepto do candomblé, que adotou ao casar-se com a atriz baiana Gesse Gessy, anterior a Marta e motivo de comentários na Argentina. Segundo o livro, ela costumava se apresentar aos amigos do marido com a seguinte saudação: “Muito prazer, a senhora fulana de tal” (“o fulana de tal” era a expressão chula para o órgão genital feminino).

A essa altura, contudo, Vinicius já havia sido adotado pela elite artística de Buenos Aires e colecionava amigos como o escritor Ernesto Sábato e o músico Astor Piazolla, com quem queria fazer um musical, “Exilados do Cruzeiro do Sul”. Um desses expatriados era o poeta Ferreira Gullar, cujo “Poema Sujo” foi trazido ao Brasil por Vinicius, é sabido. O que não se sabia é que ele passou para o colega uma encomenda de textos para um livro de fotos sobre o Rio de Janeiro, o que foi providencial para a estada de Gullar na cidade. Vinicius frequentou a ponte aérea Rio-Buenos Aires-Montevidéu de 1968 a 1976 e só interrompeu esse namoro após o desaparecimento de seu pianista, Tenório Jr., sequestrado pelas forças da repressão argentina. Desesperado, chegou a contratar os serviços de uma vidente para descobrir o paradeiro do amigo. Tudo em vão. Era o fim de sua festa portenha.

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