Comportamento

Os instantes finais
Por que o deputado Eduardo da Fonte conseguiu escapar da morte pelo mesmo motivo que levou à queda o avião em que viajava

Luciano Suassuna

 osfinais2.jpg

 

Quando o King Air modelo B200, prefixo PT-OSR, finalmente parou na rua Imbituba, no bairro de San Martin, na zona oeste do Recife, o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), 36 anos, continuava preso ao assento pelo cinto de segurança. O encosto do banco, no entanto, virara para o chão de areia, suas pernas pendiam soltas em direção ao espaço e ele estava olhando para o céu – não pela janela como seria o certo em uma aterrissagem normal, mas pelo enorme rasgo na carenagem aberto justamente onde o deputado viajava. Um ferimento de cinco pontos na testa e outro de dois no lado direito da cabeça restarão como as cicatrizes físicas da manhã do domingo 23 de novembro de 2008. Mas a viagem de Dudu da Fonte até o dramático momento em que a sorte dobrou o inesperado começou 48 horas antes, ao final de uma semana de trabalho em Brasília.

Na sexta-feira, embarquei num vôo da Gol direto para Teresina, onde tinha o aniversário de 40 anos do Ciro Nogueira (do mesmo partido do deputado e candidato à presidência da Câmara). Aí no dia seguinte tinha um show de aniversário dos Armazéns Paraíba, que você dava três quilos de alimento e assistia Banda Calypso, Daniel e Zezé Di Camargo. Fui porque tinha um amigo meu do Recife, o Luiz Augusto, do Chevrolet Hall, que me convidou.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Antes de sair de Brasília, Dudu da Fonte, como é conhecido o presidente do Partido Progressista em Pernambuco, tinha uma reserva no vôo da TAM que partiria às 11h30 do domingo 23 com destino a Fortaleza. Lá, ele esperaria uma conexão da Gol que decolaria às 15h40 para o Recife. Mas no show os planos mudaram.

O Luiz Augusto falou assim: “Vamos com a gente. Tem um lugar no avião.” Se fosse pegar o vôo da TAM e a conexão da Gol só chegaria no Recife depois das quatro da tarde. Com a carona, a gente sairia às 9 horas de Teresina e às 11 já estaria no Recife. Esse modelo do King Air é dos mais seguros. Fui o último a entrar no avião e só tinha um lugar, a segunda cadeira atrás do co-piloto. Era uma cadeira diferente das outras porque você viaja sentado de lado, com o encosto do assento virado para a janela e você olhando para o corredor.

O King Air estava registrado em nome do músico Chimbinha, compositor e guitarrista da Calypso, que o havia arrendado oito meses antes à empresa Exclusive Fly. O vôo foi comandado pelo piloto Eurico Pedrosa Neto, 47 anos. Atrás dele sentou o produtor da banda, José Gilberto da Silva, 46 anos. Os outros passageiros eram o co-piloto Bruno Carvalho Carneiro e os empresários da Calypso Rogério Paes e Luiz Augusto Nóbrega, que estava acompanhado da mulher, Helena Lúcia Ferreira. E ain da o superintendente do Metrô do Recife, Davisson de Almeida, o médico Eduardo do Ó, dono de uma rede hospitalar, e o empresário Valmir João de Oliveira.

A viagem foi tranqüila. Ficamos falando de política, do resultado das eleições, da disputa de 2010. Tava todo mundo se divertindo. Quando a gente já estava perto do Recife, a mulher do Luiz Augusto falou:
– Morro de medo de viajar de avião. Só viajo para ficar um pouco mais com meu marido, senão nem vejo ele direito.
– O Chimbinha também morre de medo de avião. Se pudesse, ele não viajava nunca – o Gilberto disse.
– Que é isso! Avião é mais seguro do que carro – eu até comentei.
A gente estava nessa conversa quando o trem de pouso abriu. Uns três minutos depois, senti uma sacudida muito forte e os alarmes começaram a tocar. O certo era parar logo depois, mas, como eles continuaram apitando, eu perguntei para o co-piloto:
– O que houve?
– Bote o cinto e abaixe a cabeça que a gente vai fazer um pouso de emergência.
Quando ele disse isso, dava para avistar a pista do aeroporto ao longe. Mas quando terminei de colocar o cinto, já vi as casas se aproximando. Todo mundo ficou tenso, mas não houve pânico. Eu ainda falei:
– Calma gente que todo mundo vai sobreviver.

 i78624.jpg

Pelo procedimento normal deveriam faltar menos de dez minutos para o pouso no Aeroporto Gilberto Freyre. O King Air, porém, perdeu altitude rapidamente. Nessa descida, Dudu da Fonte chegou a avistar um campo de futebol que poderia ser o local do pou so. Mas, como havia gente jogando, o piloto direcionou o avião para o meio de uma rua que estava deserta num bairro próximo ao aeroporto.

A asa direita bateu no primeiro andar de uma casa e o charuto do avião se arrastou pelo chão. Não percorreu mais que 50 metros. Quando vi, estava preso ao cinto, virado para o céu. O avião abriu um buraco bem do meu lado. Minha primeira reação foi ver se não havia quebrado nada. Um morador apareceu e me deu a mão. Saí andando da aeronave. Mas na mesma hora me lembrei dos meus amigos e pedi para as pessoas ajudarem eles a sair do avião. Depois consegui um celular, porque o meu ficou perdido com o acidente, e liguei para minha mãe para contar o que tinha acontecido e tranqüilizá-la.

O relatório com a causa da queda do PT-OSR deve levar até 90 dias para ficar pronto. Mas é bem provável que o deputado só esteja vivo pelo mesmo motivo que gerou o desastre. Suspeita-se de uma pane seca – por alguma razão, a gasolina acabou antes do pouso no Aeroporto Gilberto Freyre – e graças a isso o avião não explodiu. Sete casas foram interditadas pelo Corpo de Bombeiros, uma deverá ser demolida. Três, dos 16 moradores que estavam nas casas, foram levemente feridos por estilhaços de telhas.

O Samu chegou rapidamente e Dudu da Fonte foi sentado na ambulância até o Hospital Santa Joana onde recebeu os pontos na testa e na cabeça, fez uma tomografia para ver se havia algum coágulo e permaneceu internado por 36 horas. A cada ano, o deputado faz entre 200 e 400 pousos e decolagens nos seus deslocamentos para Brasília, pelo interior de Pernambuco e Estados vizinhos. Seu amigo Luiz Augusto quebrou uma perna e a mulher dele teve apenas arranhões. Rogério Paes passou por uma cirurgia na mão. O médico Eduardo do Ó teve um coágulo, mas não corre risco de vida. Davisson de Almeida, do Metrorec, quebrou sete costelas e perfurou um pulmão. O outro empresário, Valmir de Oliveira, permanecia até o final da semana sob cuidados na UTI por conta do traumatismo craniano e uma lesão no pulmão. O co-piloto fraturou superficialmente a coluna e teve cortes nas pernas. O produtor da banda Calypso morreu, assim como o piloto Eurico Pedrosa Neto.

 


O piloto mostrou sangue-frio. Na hora do impacto, colocou o lado dele para que batesse primeiro no chão. Foi um herói. Acredito muito em Deus e sei que Ele operou um milagre na minha vida.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias