Em 2003 a Polícia Federal deu uma batida na empresa dos empresários Alexandre Martins e Reinaldo Pitta, procuradores de uma penca de jogadores de futebol, entre eles Ronaldinho. A dupla foi processada por sonegação e suspeita de lavar dinheiro do esquema comandado por Rodrigo Silveirinha na Secretaria de Receita do Rio de Janeiro que envolvia extorsão em troca de anistias fiscais. O esquema enviou ilegalmente para o Exterior mais de US$ 33 milhões até a denúncia de ISTOÉ. No escritório onde funcionavam a Gortin Promoções e a Passabra Turismo, a PF apreendeu uma agenda do funcionário. Nela, uma anotação chamou a atenção dos federais: “Merchants Bank New York, C/C 9002934. Nome ATT Carolina, ABA 026006790, Bradner Fin”. Nos interrogatórios, os dois não explicaram as anotações e negaram conhecer Carolina Nolasco, uma portuguesa naturalizada americana presa nos EUA por lavar dinheiro sujo quando era executiva do Merchants Bank. Carolina foi investigada no Brasil por ser a doleira do ex-tesoureiro de Collor, Paulo César Farias.

Agora a polícia já pode rastrear o dinheiro da dupla enviado para fora. As autoridades americanas enviaram ao Brasil uma megabase de dados que abriga 200 mil transações bancárias de brasileiros em 46 contas no Merchants Bank de Nova York entre 1998 e 2002. Na conta com o nome de “Bradner Finantial” está o fio da meada da grana movimentada pela dupla Martins-Pitta. Nela há três depósitos realizados entre janeiro e abril de 1999 no valor total de US$ 3,2 milhões em nome da Gortin Corporation, o braço internacional da Gortin Promoções, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas. Os registros bancários do Merchants conferem perfeitamente com as anotações da agenda apreendida: o nome da conta (Bradner), o número de identificação do banco de onde veio o dinheiro e o nome da responsável, Carolina Nolasco. Mas não é só. A PF também conta com uma outra base em que o esquema surge com volume ainda maior. No MTB Bank de Nova York, uma extensão do esquema Banestado, passaram outros US$ 21 milhões em nome da Gortin Corporation. A maior parte dos milhões foi depositada na conta da Depolo Corporation, controlada por doleiros brasileiros.

Pelas contas do Merchants circularam US$ 18 bilhões. Quase todas as offshores que operavam no esquema Banestado-MTB também estão no Merchants. Por isso, os especialistas que investigam a usina de evasão acreditam que o Merchants pode ser um dos últimos elos da ciranda do dinheiro. A nova base de dados reúne centenas de empresários, operadores do mercado financeiro, casas de câmbio, falsas agências de viagens, advogados de bancos e políticos. Um deles é o suplente de senador Fernando de Sousa Flexa Ribeiro (PSDB-PA), que tem a posse marcada para o começo do ano no lugar do prefeito eleito de Belém, Duciomar Costa (PTB-PA). Às voltas com denúncias de corrupção em licitações em Roraima (AP), Flexa Ribeiro chegou a ser preso pela PF há duas semanas. Sua dor de cabeça vai aumentar. Nos registros da lavanderia de Carolina constam cinco depósitos feitos em seu nome, no valor de US$ 180 mil, entre junho de 2000 e junho de 2001. Tem mais: em novembro de 2003, ele faz outras três movimentações milionárias usando o esquema do MTB, no total de US$ 700 mil. Tudo somado, Flexa Ribeiro manipulou no Exterior nada menos que US$ 880 mil usando doleiros.

Outros nomes chamam a atenção dos investigadores, entre eles o do ex-braço direito do senador Antônio Carlos Magalhães, Rubens Gallerani.
O lobista de ACM teria feito 14 depósitos na conta 9006708, em nome da offshore Beverly Hills, entre janeiro de 2000 e junho de 2001, no valor total de US$ 225 mil. Gallerani negou através de seu advogado Leo David que tenha a conta no Merchants. Já o senador Flexa Ribeiro foi contatado através do assessor Paulo Vítor e não retornou a ligação até o fechamento da edição.

Além da parceria entre offshores e doleiros, outro vínculo comprova a associação entre os esquemas Banestado-MTB-Merchants Bank: Gabriel Nunes Pires Neto. O ex-diretor de operações internacionais do Banestado também se servia do esquema no Merchants. Denunciado pelo Ministério Público no ano passado, Gabriel fez oito depósitos no Merchants entre fevereiro e novembro de 2000. Em apenas oito meses, quando ainda trabalhava no Banestado, ele amealhou um pé-de-meia de US$ 364 mil. Nos registros do Merchants está ainda o trambiqueiro internacional Taniel Oliveira Marcolino, que ficou conhecido no Brasil no escândalo montado para vender títulos brasileiros falsos no Exterior. Marcolino fez 12 depósitos na conta 9007532 em nome da Goldrate Corporation, no total de US$ 33 mil. Ao que parece, até os doleiros gostavam do atendimento prestado por Carolina. Também figuram na base de dados operações dos doleiros Toninho da Barcelona, que atuava em São Paulo, e Samuel Benzecry, manda-chuva das verdinhas da região Norte. Fora os nomes famosos, o banco de dados do Merchants traz milhares de operações entre empresas brasileiras e estrangeiras dos mais variados ramos. Além de madeireiras, estão lá, por exemplo, transações de caixa 2 envolvendo laboratórios farmacêuticos, escritórios de advocacia e duas casas de câmbio do Rio, com fachada de agência de viagens: a Granrio Turismo e a Singa Brasil Agencia de Viagens. As duas remetiam recursos para uma coleção de offshores obscuras no Merchants. Foram rastreadas remessas de US$ 51 milhões feitas pela Singa entre janeiro e outubro de 2000. No mesmo ano, a Granrio remeteu US$ 13 milhões para bancos estrangeiros. Nos EUA, as contas gerenciadas por Carolina foram bloqueadas. É esperar o resultado daqui.