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VÁRIAS REFERÊNCIAS As bebês Stellaluna (atrás) e Violeta Luz nasceram em casa e são criadas pela comunidade que vive na Morada da Floresta

Eles são engajados, mas não querem saber de partidos políticos. Envolvem-se em causas humanitárias, sociais e ecológicas, mas acham que as organizações não governamentais (ONGs) estão fora da realidade. Rejeitam líderes e, para se organizar, usam a internet, numa rede que os liga a grupos semelhantes na mesma cidade, ou outros países. Os novos ativistas atuam à margem da estrutura política tradicional e fazem de suas convicções uma forma de viver.

Na Morada da Floresta, residência comunitária em São Paulo, isso é bem evidente. Lá, vivem duas famílias e um amigo que dão cursos, palestras e vendem produtos ligados ao ecofeminismo.

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ANIMAIS LIVRES Organizando-se pela internet, o grupo Libertação Animal reúne cerca de 300 manifestantes em protestos contra rodeios e circos

"Nossa proposta está ligada ao parto natural, com parteira, em casa", explica Ana Paula Silva, 25 anos. É um retorno às origens. Eles defendem o uso de absorventes e fraldas de pano e de acessórios que aproximam os pais do bebê, como os slings – faixas que permitem transportar a criança colada ao corpo da mãe ou do pai.

Diferentemente do feminismo da década de 60, a ecologia feminina defende a harmonia com o masculino.

"A participação do pai nos cuidados com o filho desabrocha virtudes nos homens, como o companheirismo e a sensibilidade", diz Ana Paula. Todos os moradores da casa participam da educação das crianças, que devem crescer com várias referências adultas.

Eles também têm preocupações ecológicas. Cultivam horta no quintal, reciclam lixo orgânico numa composteira e coletam água da chuva.

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DUPLO ATIVISMO Luísa Pereira e Diogo Camacho são veganos e usam bicicleta como meio de transporte

No novo ativismo, o meio ambiente está no centro das preocupações. "Transcende os interesses de classe social ou grupo político", diz José Guilherme Magnani, professor do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo. Esta é a base dos jardineiros de guerrilha. Carregados de "bombas" de sementes, mudas de árvores e armados de pás e enxadas, eles silenciosamente repovoam de verde espaços de terra abandonados, como praças ou terrenos. "A ideia surgiu como uma forma de fazer algo contra a ditadura do asfalto", explica Sandro Muniz do Nascimento, 27 anos.

Jardim é um nome simbólico. Pode ser o plantio de uma única flor ou a recuperação de áreas degradadas com espécies nativas. Nos blogs dedicados à jardinagem libertária (outro nome para a prática) há dicas de como fazer as "bombas" de argila, adubo e sementes e sobre qual espécie é adequada para cada lugar. A preocupação não é apenas ambiental. "É um retorno ao viver em sociedade, falar com o vizinho, cuidar juntos da planta que está na porta dos dois", diz Sandro. Portugal, Bélgica, Inglaterra e Itália são alguns países onde grupos de guerrilha de jardim também trocam informações em blogs. "A globalização é uma característica das novas formas de ativismo", diz Caroline de Mello Freitas, professora de antropologia social da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP).

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De modo geral, os ativistas do século XXI desconfiam do capitalismo e das instituições. Segundo Magnani, da USP, isso ocorre porque por trás de uma corporação há sempre a ideia de lucro, o que contraria a utopia que move os grupos. "Além de não ser transparente,simboliza os interesses privados, mes quinhos, pequenos", diz o professor, que estuda os jovens nas metrópoles e lançou um livro sobre o assunto.

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JARDINS A CÉU ABERTO Sandro Nascimento planta árvores em espaços vazios

Neste contexto, até as ONGs são vistas com reserva. "O foco é abstrato, é preservar uma onça-pintada a mil quilômetros de distância", diz o estudante João Paulo Amaral. "Você pode oferecer voluntariado e doações, mas é muito superficial." Quando decidiu se mobilizar, ele se juntou ao Coletivo Ecologia Urbana. Os coletivos são versões modernas das velhas assembleias. Lá, pessoas com interesses e objetivos parecidos se reúnem, sem hierarquia, para decidir como pôr ideias em prática.

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Na zona mais radical situam-se grupos anarquistas como os freegans, que rejeitam toda forma de controle. O termo vem de "free", livre ou gratuito em inglês, e prega que é possível viver do que outras pessoas descartam. "Ser freegan significa buscar alternativas ao modo de vida baseado em mercadorias, uso do dinheiro e domesticação", afirma o artista plástico Eduardo Manzini, 27 anos, que passou quatro anos sem residência fixa, morando em casas ocupadas e vivendo de doações. "Essa experiência muda sua relação com a existência e com o capital. Você acaba tendo uma vida mais livre e, ao mesmo tempo, mais completa." A crítica à cultura do desperdício é tema de uma das ações do coletivo Ativismo ABC, em Santo André, na grande São Paulo. Na sede do grupo, batizada de Casa da Lagartixa Preta, toda sexta-feira há almoços freegan, abertos ao público, preparados com verduras, legumes e frutas dos restos de feira.

Por ter vários ideais, há os que adotam mais de uma causa. Luísa Pereira, 23 anos, e Diego Camacho, 26, são veganos e cicloativistas. Eles participam da Bicicletada, passeata de bicicletas que ocorre uma vez por mês em São Paulo, usam a bike como meio de transporte e não consomem produtos de origem animal ou testados em cobaias. "Faço ativismo sem impor de forma agressiva minhas opiniões", diz Luísa, que transformou o ideal em trabalho. Ela vende adesivos, camisetas com mensagens veganas e sabonetes produzidos sem insumos animais.

Outros grupos lançam mão de ações mais contundentes. O Ativismo – Libertação Animal reúne até 300 pessoas a cada manifestação. "Defendemos a ação direta", afirma o designer Leandro Ferro, 21 anos. "Incendiar um matadouro ou destruir equipamentos de laboratório é válido, desde que não atinja a integridade física de um ser humano." O principal foco é o fechamento de rodeios e circos, mas o grupo também oferece assistência jurídica se alguém é preso. Eles se apoiam na rede para divulgar a causa.

"As alternativas de participação política revelam o quanto a sociedade se transformou", diz a professora Caroline, da Fesp. O novo ativismo é uma tendência que veio para ficar.

"Os partidos e as formas tradicionais de representação não abrem espaço para a criatividade e o entusiasmo desses grupos", diz o antropólogo Magnani. E eles nem querem esta formalidade. Acreditam que, com suas ações coletivas, podem transformar a sociedade.


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