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SEM GRATIFICAÇÃO
Em maio de 2007 Antônia Aparecida perdeu o cargo de chefia da agência da Receita em Mauá

No início da manhã da quarta-feira 21, a analista Antônia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva, lotada na Delegacia da Receita Federal em Santo André (SP), recebeu um telefonema de ISTOÉ e confirmou que é ela a funcionária que a Corregedoria da Receita aponta como suspeita de haver quebrado o sigilo do tucano Eduardo Jorge Caldas Pereira (leia quadro à pág. 48). Na tarde da mesma quarta-feira 21, o presidente do Sindireceita, Hélio Bernardes, recebeu uma ligação de Antônia. “Não me lembro de ter acessado a declaração de renda desse Eduardo Jorge”, afirmou ela ao sindicalista. Bernardes estranhou não ter sido procurado há mais tempo por Antônia; afinal, ela sabia da investigação desde o final de junho. Assim que o nome de Antônia foi identificado pela área de informática da Receita, ela foi afastada de suas funções e saiu de férias para responder o processo fora da repartição. Ainda no mês passado, a Receita instaurou sindicância e encontrou indícios de crime. De cinco acessos à declaração de Eduardo Jorge, o dela teria sido o único “imotivado”, ou seja, sem justificativa de fiscalização. A Receita, então, instaurou no dia 1º um processo administrativo disciplinar para investigá-la.

Analista de carreira da Receita, até abril de 2007, Antônia tinha o cargo de chefe da agência do órgão em Mauá (SP), jurisdicionada à Delegacia da Receita em Santo André. Em maio daquele ano, ela perdeu a função gratificada por causa de uma mudança de comando no órgão. No mesmo mês, foi alijada de outro posto: a de secretária-geral do Sindireceita na jurisdição de Santo André e São Bernardo, posição que ocupou entre 2005 e 2007. A chapa da qual ela fazia parte perdeu as eleições internas, o que gerou uma dança de cadeiras no sindicato. Antônia era responsável, entre outras tarefas, por todas as atas de reuniões da diretoria do Sindireceita na região. Mesmo perdendo os cargos e as gratificações, ela manteve o padrão de vida de classe média que levava até então. No ano passado, se mudou com o marido para o oitavo andar de um prédio em São Caetano do Sul, no Bairro Fundação, próximo da avenida do Estado. Ela também é dona de um Corsa Classic Life 2008, registrado em endereço no Jardim Figueira, extremo leste da capital. Embora não conheça a servidora pessoalmente, o vice-presidente do Sindireceita nacional, João Jacques Silveira, preferiu não fazer prejulgamento, mas antecipou que o sindicato defende controle rígido sobre os dados da Receita. “Defendemos punição para quem quebra sigilo”, diz Silveira. “Se a pessoa for culpada, tem que pagar pelo erro, mesmo que implique na perda do cargo.”

O fato de a analista tributária ser investigada não quer dizer que ela seja culpada. Existe a hipótese de que outra pessoa tenha usado a senha pessoal de Antônia. “Não digo que possa ter alguém da direção envolvida nisso, mas estão tentando pegar o baixo clero para pagar a fatura ao investigar só a Antônia”, supõe Hélio Bernardes, presidente do Sindireceita. Ele acha que a Receita errou ao não investigar os outros quatro servidores que tiveram acesso “motivado” às declarações de Eduardo Jorge, pois estes também poderiam ter vazado os dados sigilosos: “Não podemos misturar o acesso imotivado com o vazamento. São dois crimes diferentes.” O problema da versão do sindicalista é que os dados que vazaram, segundo apurou ISTOÉ junto à Corregedoria, não foram acessados pelos demais funcionários e apenas por Antônia. Também pesa contra a servidora suspeita o fato de que só a senha não basta para acessar os dados violados. É preciso uma segunda senha e um cartão magnético exclusivo do servidor, o que torna mais improvável o uso por terceiros.

Antes mesmo de a investigação ser concluída, o caso ganhou contornos políticos. O PSDB atribui o vazamento a “aloprados petistas” que estariam elaborando um dossiê contra tucanos. “Não tenho dúvida de que minha declaração de renda vazou pelo comitê eleitoral do PT. Precisamos saber quem e com que finalidade cometeu o crime na Receita”, afirma Eduardo Jorge, vice-presidente nacional do PSDB. O presidenciável José Serra também aproveitou a situação: “Quebrar sigilo, usar a máquina pública para disputar a eleição é erradíssimo e é um crime contra a Constituição”, afirmou.

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É evidente que a violação dos dados fiscais de Eduardo Jorge se configura num crime que atenta contra a cidadania. No entanto, é precipitada a tentativa de envolver a candidata Dilma Rousseff nessa história. Os arapongas flagrados ainda na pré-campanha e que dispunham dos dados do vice-presidente tucano foram sumariamente demitidos pela candidata. “Qualquer vazamento precisa ser apurado e os responsáveis, punidos”, defende Dilma. O presidente Lula também cobrou esclarecimentos do Fisco. “A Receita é intocável para todos, para o presidente da República, inclusive. Se eu pedir declaração do meu pior inimigo, a Receita tem que me denunciar”, afirmou Lula.

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Até agora, também se desconhece qualquer vinculação do nome da servidora Antônia com partidos políticos. A Justiça Eleitoral já informou oficialmente à Receita que Antônia não é filiada a nenhuma legenda. Também entre os sindicalistas, todos desconhecem o envolvimento da servidora com políticos. Na Corregedoria, a investigação caminha ainda sem se preocupar em saber a quem serviu o vazamento. O corregedor quer saber de Antônia por que ela acessou a declaração de Eduardo Jorge para depois apurar como é que os dados do tucano foram parar nas mãos dos arapongas demitidos por Dilma. O que causa estranheza é o silêncio de Antônia. “Em nome da cidadania, a investigação tem que ser transparente”, diz o deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE). Ele vai sugerir aos partidos que criem uma comissão para acompanhar o episódio e cobrar providências do poder público. “Tentaremos convocar Antônia para depor no Congresso”, afirma Jungmann. Procuradores da República também pretendem enviar ofício à Justiça pedindo acesso a todo o processo administrativo.
Colaborou Solange Azevedo