i59507.jpgHá poucos dias, o ministro da Justiça, Tarso Genro, alertou os brasileiros de que todos os cidadãos precisam se acostumar com a idéia de estarem sendo grampeados ao falar ao telefone. “Estamos chegando num ponto em que temos de nos acostumar com o seguinte: falar ao telefone com a presunção de que alguém está escutando.” No geral, a premissa vale para todos. Porém, sabe-se agora, o conselho do ministro não é tão amplo assim. Fato é que existem ilhas de comunicações seguras. Explicase: numa das maiores operações da Polícia Federal deste ano, batizada de Operação João-de- Barro – uma ação que levou para trás das grades prefeitos, empresários e lobistas que desviavam dinheiro do Orçamento Federal –, a mesma PF chef iada por Genro deixou de fazer escutas solicitadas pelo Ministério Público Federal e autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal nos telefones de um alto dirigente do Partido dos Trabalhadores com o argumento simplista de “problemas técnicos”. O alvo da investigação era Romênio Pereira, militante petista que até a ultima semana ocupava o cargo de secretário nacional do PT, antes que ISTOÉ revelasse suas ligações com o lobista João Carlos de Carvalho, chefe de um suposto esquema criminoso que desviou mais de R$ 700 milhões dos cofres públicos, incluindo verbas do PAC.

Depois das revelações feitas por ISTOÉ, o secretário nacional do PT pediu afastamento do cargo por 60 dias e ameaçou “dar o troco”

Durante a operação, foram identificadas várias ligações telefônicas entre o lobista e o secretário nacional do PT, o que levou a própria PF a requerer ao STF a quebra do sigilo telefônico de Romênio, solicitação que de pronto foi autorizada pelo ministro do Supremo Cezar Peluso. Na página 138 do relatório 3.683 de autos apartados, revelado por ISTOÉ com exclusividade na última semana, Peluso deixa claro: “Foram, ademais, captados, nas interceptações, diálogos que comprovam o envolvimento, no esquema, de Romênio Pereira, sob a suspeita de que atuaria politicamente para viabilizar, perante os Ministérios e outros órgãos federais, a rápida assinatura de convênios e a destinação dos recursos aos municípios.” Diante de fortes indícios do envolvimento do petista com a suposta quadrilha, os policiais foram a campo e não trouxeram nenhum resultado dos aparelhos de Romênio, com a justificativa de que o secretário nacional do PT utilizava o telefone da sede do partido, que, com muitos ramais, inviabilizava tecnicamente a escuta. O problema é que, a partir dessa explicação, a PF não grampeou nenhum outro telefone de Romênio, o que parece bem estranho, já que a ordem de Peluso autorizava a interceptação de qualquer linha telefônica ou de fax, “onde haja”. Romênio tem quatro números de telefone registrados na lista telefônica.

A explicação da PF é no mínimo canhestra. Segundo ela, ao monitorar as ligações do lobista João Carlos de Carvalho, percebeu que ele nunca conversava nada de relevante com Romênio quando falava com ele pelo celular ou telefone residencial. O problema é que, segundo o inquérito da própria Polícia Federal, Romênio sempre pedia que a ligação fosse feita através do telefone do PT. Normalmente, a PF monitora todos os telefones possíveis e depois seleciona o que for relevante para a investigação. O fato é que o erro nas investigações ou a suposta blindagem ao secretário nacional do PT abriu uma crise dentro da PF, que, já dividida por disputas internas, terá que dar explicações mais razoáveis à questão. Nos próximos dias, o PSDB vai encaminhar questionamento formal ao procuradorgeral da República, Antonio Fernando de Souza, e ao ministro do STF Cezar Peluso para entender por que os telefones de Romênio Pereira não foram grampeados. O partido também enviará ofício à Brasil Telecom, dona da linha do PT, para saber se realmente há impedimento técnico para o monitoramento em ramais telefônicos. “É preciso investigar isso a fundo”, defende o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). “Além dessa postura de eficiência a toda prova da Polícia Federal, a verdade é que existem setores da PF que são visivelmente manipulados pelo governo. Nesse caso, parece ter havido uma clara manipulação. E isso é um fato dos mais graves. Não se pode generalizar porque a PF vem prestando um papel muito relevante no combate ao crime e à corrupção. Mas a PF não é una. É por isso que é preciso se apurar tudo, até para preservar a instituição.”

O erro ou proteção da PF pode ter evitado mais revelações sobre a atuação de Romênio. Mas não livrou o ex-dirigente de dissabores. No sábado 23, pouco tempo depois de ISTOÉ chegar às bancas de todo o País – revelando os documentos de uma investigação sigilosa conduzida pela polícia e pelo Ministério Público Federal sobre desvio de mais de R$ 700 milhões dos cofres públicos –, o secretário nacional do PT não conseguiu explicar a seus pares os diversos encontros secretos com o chefe do esquema criminoso, o lobista João Carlos de Carvalho. Romênio decidiu assim pedir licença do PT. Apontado pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, como elo entre lobistas, empresários, prefeitos e deputados que comercializavam emendas parlamentares, Romênio não deixou barato sua saída e prometeu dar o troco nas correntes do partido que pediram sua cabeça. Para a platéia, os dirigentes deram as costas para as ameaças de Pereira. Na quarta-feira 27, já anunciaram uma substituta, a vice-reitora da Universidade Federal de Rondônia, Ivonete Tamboril. Por enquanto, ela ainda é apenas interina, já que Romênio pediu uma licença de 60 dias. Na verdade, porém, ela não foi efetivada porque os líderes petistas estão preocupados. “O Romênio não é um Delúbio quando o assunto é agüentar pressões”, disse um dirigente que pediu anonimato. Ao se afastar do cargo, Romênio tratou logo de estabelecer um cordão de proteção dentro do PT. Ele disse ao presidente Ricardo Berzoini que ninguém da Executiva do partido que tenha se envolvido anteriormente com denúncias – Delúbio, José Genoino e Silvio Pereira – recebeu punição sumária. Disse mais: se houvesse investigação interna contra ele, sua tendência – Movimento PT – exigiria também apuração contra o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, acusado pela Operação Satiagraha de fazer tráfico de influência em favor do banqueiro Daniel Dantas.

O certo é que Rômenio decidiu pelo afastamento para abafar uma crise que poderia atingir a campanha eleitoral de estrelas petistas, principalmente Marta Suplicy, em São Paulo. Num telefonema a Berzoini, ele disse que não sabia que o empresário João Carlos de Carvalho era o que as investigações mostraram: “Eu não sabia que ele era lobista”, disse Romênio. Escaldado em escândalos pré-eleitorais, o presidente nacional aceitou o afastamento do secretário. Já desgastado politicamente dentro do PT por ser o único representante da executiva que dera apoio explícito à aliança com o PSDB em Belo Horizonte em favor do candidato do PSB à prefeitura, Márcio Lacerda, Romênio concluiu que não seria poupado. “Pede para sair, eles vão te degolar”, ele ouviu de um interlocutor. “Ele fez bem em se afastar”, comentou o secretário-geral do PT, deputado José Eduardo Cardozo (SP). No próximo mês, as conclusões do procurador-geral da República serão enviadas ao STF. Cogita-se que pode chegar a 200 o número de processos que serão abertos.

Se no PT o caso es tá parcialment e resolvido, na Câmara dos Deputados a denúncia deverá ter desdobramentos nos próximos dias. Na terça-feira 2, o corregedor- geral da Câmara, Inocêncio Oliveira (PR-PE), fará uma reunião para traçar os destinos dos parlamentares envolvidos no esquema. O que começa a preocupar Inocêncio é a hipótese de que o caso evolua para um novo escândalo do Orçamento, nos moldes do esquema dos anões, descoberto em 1993. “Qualquer denúncia que envolva parlamentares e a elaboração do Orçamento, que é a principal lei do País, é altamente preocupante”, diz ele. Tal preocupação foi tema de uma reunião na semana passada entre o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e os ministros do Tribunal de Contas da União. De acordo com o ministro Ubiratan Aguiar, uma idéia já deverá ser colocada em prática para coibir a corrupção: mesmo os contratos de obras que forem assinados por prefeitos ou governadores, se receberem dinheiro público, terão de ter a sua execução colocada no Sistema Integrado de Acompanhamento Financeiro (Siafi). “Assim, no momento em que se constatar ali algum problema, o repasse pode ser imediatamente suspenso”, defende Ubiratan. “O fato é que parece mesmo estar em curso um novo esquema do Orçamento”, admite

“Existem setores da PF que são manipulados pelo governo”
Senador Álvaro Dias (PSDB-PR)