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Imagine ter um menu feito só para você, composto por alimentos que atenderão especificamente às necessidades de seu organismo e de mais ninguém, e que, de quebra, reduzirão bastante sua chance de engordar. Enfim, a dieta ideal. Pode parecer um sonho, mas felizmente não é. Em breve estarão disponíveis regimes de alimentação elaborados sob medida, formulados a partir do perfil genético de cada pessoa. Isso será possível a partir dos conhecimentos gerados por duas recentes linhas de pesquisa da nutrição, a nutrigenômica e a nutrigenética. Ambas têm como objetivo estudar a interação entre os alimentos e os genes humanos. Mas fazem isso por ângulos diferentes. A primeira investiga como os nutrientes influenciam o funcionamento dos genes. A segunda estuda como esses mesmos genes podem afetar a forma pela qual o corpo aproveita a comida. O fato é que, combinadas, as respostas permitirão dizer quais os componentes que efetivamente fazem bem, por que e para quem eles funcionam.

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As investigações dessas áreas estão entre o que há de mais avançado na ciência da nutrição. Tanto é que têm se tornado tema de aulas e simpósios no mundo todo. Na próxima semana, por exemplo, serão assunto de destaque durante o 3o Congresso Brasileiro de Nutrição Esportiva Funcional, que acontecerá em São Paulo. "Tenho certeza de que os estudos irão revolucionar a maneira como encaramos a nutrição e o modo como escolhemos os alimentos", disse à ISTOÉ José Ordovas, da Tufts University, nos Estados Unidos, um dos pioneiros nesse tipo de pesquisa.

O desenvolvimento da nutrigenética e da nutrigenômica tomou fôlego a partir de 2001 com a divulgação dos primeiros resultados do projeto Genoma, que mapeou o DNA humano. Finalmente os cientistas tinham à disposição um vasto material sobre o conteúdo genético e sua associação com doenças, entre outros aspectos. Para a nutrição, faltava descobrir boa parte das razões dos benefícios proporcionados pelos alimentos, cujos efeitos eram observados clinicamente, mas ainda sem maiores explicações fisiológicas. A investigação sobre o papel que os genes poderiam exercer sobre os nutrientes – e vice-versa – pareceu um dos melhores caminhos para fornecer respostas. Os cientistas acertaram em cheio. Apesar do pouco tempo de vida, as duas linhas de estudo já apresentaram informações que estão ajudando a revelar os intricados mecanismos dessa relação.

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Muitas descobertas vêm da nutrigenômica. Uma das mais recentes foi divulgada na última semana por pesquisadores da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, envolvidos com estudos sobre alimentos e câncer. Em um experimento realizado em animais, eles descobriram que um pó extraído de frutas vermelho-escuro, como amoras, freiam o avanço do câncer de esôfago. A explicação para esse efeito é a atuação que nutrientes dessas frutas têm sobre os genes envolvidos no desencadeamento do tumor. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores expuseram as cobaias a uma substância cancerígena. Em uma semana, o composto alterou o funcionamento de mais de uma centena de genes, iniciando o processo que leva à doença. Mas o pó das frutas conseguiu restaurar a atividade normal de boa parcela deles. "Ficou claro que as frutas têm um importante papel na expressão de genes envolvidos com o desenvolvimento do câncer", afirmou Gary Stoner, coordenador do trabalho, publicado na revista científica Cancer Research.

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O vínculo entre o câncer e os alimentos é um dos mais explorados pela nutrigenômica. E as experiências têm demonstrado que essa relação passa mesmo pelos genes. Uma pesquisa conduzida na Universidade de São Paulo (USP) pelo cientista Fernando Moreno, por exemplo, mostra que uma substância extraída do espinafre, o geranilgeraniol, impede a ação de um gene importante para a proliferação de células tumorais. Outros trabalhos dão conta de que compostos presentes no chá verde teriam atuação sobre genes associados ao câncer de mama, enquanto a soja interfere no funcionamento de 123 deles envolvidos no tumor de próstata, contribuindo para barrar a expansão do tumor.

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O exemplo mais claro dessa verdade obtido até agora foi a descoberta da diferença de atuação dos ácidos ômega-3 e ômega-6. Presentes em nozes, óleos vegetais e peixes, como a sardinha, as substâncias têm sido saudadas como fortes aliadas da saúde cardiovascular. E de fato são. Porém, não para todos, como mostrou um estudo do pesquisador Ordovas. No trabalho, ele analisou as respostas de 755 homens e 822 mulheres ao consumo dos compostos. "Até este estudo, acreditava-se que todos que adotassem uma dieta rica em ômega-3 e 6 aumentariam os níveis do bom colesterol", afirma a bióloga Lucia Ribeiro, coordenadora da Rede Brasileira de Nutrigenômica. "Mas, depois dos resultados, viu-se que não é bem assim." De fato, Ordovas observou que mulheres portadoras de uma variação no gene APOA1 podem ter uma resposta oposta. Ou seja, nelas, em vez de o bom colesterol ser elevado com a ingestão dos ácidos, ele despenca.

No Instituto de Ciências Biomédicas da USP, em São Paulo, outro trabalho indica mais uma conclusão interessante a esse respeito. O grupo coordenado pelos cientistas Rui Curi e Renata Gorjão descobriu que o DHA e o EPA, dois ácidos graxos da família dos ômega-3, têm atuação diferente em relação à inflamação. "Nos experimentos, o EPA reduziu a expressão de proteínas associadas às respostas imunitárias e inflamatórias. O DHA, por sua vez, não teve o efeito esperado ou até elevou a ação dessas proteínas", diz Curi.

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Diante de constatações como essas, os pesquisadores ficam ainda mais certos da necessidade de se estabelecer cardápios individuais que respeitem as particularidades genéticas de cada um. A bióloga Lucia Ribeiro acredita que esse tipo de dieta estará disponível dentro de cinco anos. Mas é claro que o mercado, ávido por novidades, já se adiantou. A empresa americana Sciona está oferecendo uma dieta baseada nas informações do DNA do interessado. "Queremos que a pessoa fique saudável e escolha os melhores alimentos de acordo com seu perfil genético", disse à ISTOÉ Jan Strode, presidente da companhia. O apelo é que, além de saudável, o indivíduo também entra em forma, já que, em tese, comerá aquilo que não o engordará. A dieta sob medida custa US$ 299 (cerca de R$ 480). O comprador recebe em casa um kit com o qual coleta saliva. O material é enviado ao laboratório, na Califórnia, onde os técnicos avaliam 19 genes envolvidos na saúde dos ossos, do coração e processos inflamatórios, entre outros mecanismos. Com base nesses dados, formula-se o cardápio ideal, entregue um mês depois. Porém, a iniciativa é criticada. "As pesquisas estão indo bem. Mas tratando-se de ciência, é natural que ainda faltem mais informações para formular recomendações nutricionais de acordo com o DNA", afirma Thomas Ong, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. Além disso, pode ser que o cardápio do futuro venha temperado com outras descobertas, ainda mais recentes, que parecem influenciar a interação entre os alimentos e a saúde.

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" Características culturais e ambientais precisam ser onsideradas", explica o médico Hélio Vannuchi, da USP de Ribeirão Preto, em São Paulo.

Mas hoje já é possível contar com uma lista inicial dos alimentos mais indicados para os grandes grupos étnicos (leia quadros ao longo da reportagem preparados pela nutricionista e bioquímica Lucyanna Kalluf, professora de pós-graduação da VP Consultoria Nutricional). Está dado um passo e tanto para conservar a saúde.



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