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LIBERDADE
Após sete anos presos, dissidentes cubanos chegam à Espanha

Dedos em “V”, sorriso tímido nos lábios, discursos breves e diplomáticos. Foi assim que se apresentaram os sete primeiros prisioneiros políticos libertados pelo regime comandado por Raúl Castro. Resgatados de Cuba, eles chegaram à Espanha na terça-feira 13. Acompanhados de funcionários do Ministério das Relações Exteriores e protegidos por um esquema de segurança, os dissidentes puderam, pela primeira vez em sete anos, respirar fora do cárcere. Eles conseguiram vistos de residência e garantia de trabalho graças a um diálogo mediado pela Igreja Católica e por Miguel Angel Moratinos, ministro das Relações Exteriores da Espanha. “A decisão abre nova etapa e aproxima o país de uma solução definitiva”, acredita o chanceler espanhol. O acordo, anunciado em 7 de julho e que prevê a libertação gradual de 52 presos, no entanto, dividiu opiniões na ilha e fora dela.

Os Estados Unidos, que impõem embargo comercial a Cuba desde 1962, receberam com frieza a decisão do governo cubano. A secretária de Estado, Hillary Clinton, limitou-se a qualificar como “um sinal positivo” a decisão de Havana. “É tardio, mas é bem-vindo”, completou Hillary, sem comentar o embargo. O que foi sinalizado é que o governo americano estaria disposto a conceder asilo aos presos libertados que o solicitarem. Mas para Sarah Stevens, do Center for Democracy in the Americas, de Washington, o cumprimento desse acordo terminará aumentando a pressão para que os EUA passem a estabelecer relações comerciais com a ilha. “É uma lição de que o engajamento hoje está dando mais resultados do que o embargo deu em 50 anos”.

O otimismo de Sarah não parece ser compartilhado em Cuba pelos opositores da ditadura de Castro. Oswaldo Payá, conhecido e respeitado dissidente, demonstra ceticismo: “Essa não passa de mais uma manobra do governo para limpar sua imagem e ganhar tempo”, diz ele. Sua posição é compartilhada pela blogueira Yoani Sanchez que julga ser “imoral” que se force a imigração aos libertados. É inegável, porém, que decisões atuais representam um episódio único na história do regime castrista. Pela primeira vez, segundo analistas políticos, a libertação de presos políticos se dá em um cenário de diálogo com atores tanto internos quanto externos – no caso atual, a Igreja Católica cubana, personificada na imagem do arcebispo Jaime Ortega, e a Espanha, falando em nome da União Europeia.

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APARIÇÃO
Depois de quatro anos, Fidel Castro volta à tevê e dá sinal de que seu poder permanece

O religioso brasileiro Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, um histórico entusiasta da ilha de Fidel, vai mais longe que os demais analistas e diz acreditar que Cuba está disposta a avançar na questão dos direitos humanos, aposta que quase ninguém mais faz. “A sociedade cubana tem se democratizado cada vez mais nos últimos anos, no intuito de aprimorar o próprio socialismo”, prega Frei Beto. “Não interessa ao governo de Cuba manter encarceradas pessoas que não cometeram delitos de sangue ou atos terroristas.” Frei Betto participou da aproximação da Igreja Católica com o regime de Fidel intermediando a negociação que culminou com a visita do papa João Paulo II a Cuba em 1998.

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Libertado em decorrência de problemas de saúde em 2008, Héctor Palácios, membro do Grupo dos 75, como são conhecidos os dissidentes que foram presos na Primavera Negra de 2003, lidera uma importante plataforma oposicionista no país. Ele também está otimista e acredita que este é o passo mais sério que o governo deu nos últimos 50 anos. “Isto pode abrir uma nova etapa na luta pela concórdia nacional”, diz ele. Ricardo Gonzaléz, Omar Ruiz, José Luis Paneque, Léster González, Antonio Vilarreal, Pablo Pacheco e Julio Gálvez, os sete primeiros libertados, também se dizem esperançosos. “Somos parte de um caminho que pode representar o começo de uma mudança no país. Para nós, o exílio é a prolongação de uma luta”, declarou Ricardo González em entrevista coletiva no aeroporto de Barajas, em Madri.

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A libertação dos presos foi o primeiro ato conciliador de Raúl Castro aos Estados Unidos desde que assumiu o comando, em 2008, depois que Fidel deixou a liderança de Cuba por problemas de saúde. Mas, coincidência ou não, quatro dias após o anúncio de soltura dos presos, Fidel, que estava havia quatro anos sem aparecer na tevê, deu uma longa entrevista ao programa cubano “Mesa Redonda”, onde pareceu saudável e lúcido. Ainda é impossível afirmar que a libertação de presos é, de fato, o início de mudanças mais profundas no regime cubano. Também ainda é impossível descartar a ideia de que a aparição de Fidel, após longo hiato, foi um recado à cúpula de Havana e ao mundo: o poder continua onde sempre esteve.


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