Quando o Exército de Saddam Hussein invadiu o Kuait, em 2 de agosto de 1990, o rei Fahd ibn Abdul al Saud, da Arábia Saudita, demorou quase uma semana para tomar uma posição. Ele mal podia acreditar no que estava acontecendo; afinal, nos últimos anos o reino saudita, o maior produtor de petróleo do mundo, dera ao ditador iraquiano nada menos que US$ 26 bilhões para ajudá-lo em sua guerra contra o Irã. Agora, as hordas ingratas de Bagdá ameaçavam os sauditas. Quando saiu de seu estado catatônico, Fahd ofereceu aos Estados Unidos o território saudita como base para que tropas americanas defendessem o país e obrigassem Saddam a sair do Kuait. Depois que a coalizão liderada por Washington botou os iraquianos para correr, em fevereiro de 1991, a Arábia Saudita ainda teve que arcar com outros US$ 28 bilhões para ajudar a custear a operação militar. Mas essa não seria a conseqüência mais onerosa para o reino. A continuação da presença dos “rapazes” de Tio Sam em solo sagrado – as cidades de Meca e Medina são consideradas berços do islamismo – provocou a radicalização de grupos políticos até então ligados à família real saudita. O principal expoente desses grupos era um jovem milionário chamado Osama Bin Laden, que nos anos 80 lutara contra os Exércitos da União Soviética no Afeganistão.

Fahd morreu na segunda-feira 1º, aos 84 anos, 23 anos depois de subir ao trono e dez depois de sofrer um derrame cerebral. Ele foi substituído pelo príncipe herdeiro, seu meio-irmão Abdulá bin Abdul Aziz, 81 anos, que praticamente já detinha as rédeas do poder desde que o soberano ficou doente. Os obituários de muitos veículos da mídia ocidental descreveram o falecido monarca como um paladino de uma modernização econômica conservadora. Lembrou-se também o fato de que, nos últimos anos, o soberano enfrentou a mesma ameaça terrorista que paira sobre o Ocidente, principalmente depois do 11 de setembro. Mas ao mesmo tempo esqueceu-se que o regime saudita é a mais antiga teocracia islâmica do mundo e, como tal, fonte de inspiração para os defensores da Jihad (guerra santa). A aliança da família Saud com o wahabismo – um ramo ultrapuritano do Islã nascido no século XVIII – forjou nos anos 20 um Estado que até hoje permanece sem Constituição, sem partidos políticos, governado unicamente pela sh’aria, a lei islâmica, em que as mulheres não têm nenhum direito e as prescrições ditadas pelos ulemás, como a proibição ao álcool, ao jogo e à “imoralidade”, são monitoradas pela muthawa, a polícia de costumes. Barbaridades como açoitamento, mutilação e enforcamento públicos continuam sendo práticas comuns. Quase não se diz que a ditadura religiosa saudita é muito mais fechada do que o Irã dos aiatolás, tido como paradigma de fundamentalismo. E que devotos como Bin Laden alimentaram seu ódio ao Ocidente com o leite envenenado do wahabismo. Mas os ocupantes da Casa Branca, democratas ou republicanos, sempre prontos a denunciar violações de direitos humanos por governos inimigos, costumam minimizar denúncias contra os padrões medievais do Estado teocrático saudita.

Como seus três antecessores, Fahd era um dos filhos de Abdul Aziz ibn
Abdul Rahman al Saud (1879-1953), o fundador e primeiro monarca da Arábia Saudita, que teve 17 esposas, 45 filhos e 215 filhas. Nascido em 1921, Fahd ascendeu politicamente durante o governo de seu irmão mais velho, o rei Faiçal (1964-1975), quando a Arábia Saudita conheceu a bonança advinda do aumento
dos preços do petróleo.

Açodamento – Ao assumir, o rei Fahd buscou aperfeiçoar as relações privilegiadas de Riad com Washington. Mas a maneira açodada como conduziu essa questão, delicada no mundo árabe e muçulmano, fez dele um dos parteiros da rede terrorista Al-Qaeda. “Foram Fahd e os paquistaneses que, em nome dos EUA, ajudaram a armar as milícias afegãs contra os soviéticos. Depois, desgostosos com as disputas entre os vitoriosos, apoiaram o exército wahabita de clérigos camponeses farisaicos liderados pelo mulá Omar, o Taleban. Também sob a égide de Fahd, a Arábia Saudita despejou milhões de dólares nas madrassas (escolas religiosas radicais) do Paquistão”, escreveu o renomado jornalista Robert Fisk, do The Independent. O resultado trágico foram os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos, em que 15 dos 19 terroristas eram sauditas, liderados por Bin Laden. Agora, o terrorismo islâmico volta-se contra o próprio regime que lhe deu origem e guarida. Certamente a monarquia saudita jamais ouviu falar daquele ditado espanhol: “Cría cuervos que ellos te sacarán los ojos (crie corvos que eles te comerão os olhos).”