O advogado Marcelo Coelho de Aguiar, que até o mês passado despachava numa sala do quinto andar da Secretaria de Comunicação Social, é a nova sombra que amedronta o Palácio do Planalto. É que documentos entregues pelo Ministério Público Federal à CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) dos Bingos mostram que a MM Consultoria Ltda. – empresa aberta pelo advogado em Belo Horizonte (MG) – recebeu R$ 2.098.050 da Gtech do Brasil, de dezembro de 2002 a junho de 2003. A Gtech, uma multinacional de base americana, renovou, em março de 2003, um polêmico contrato de R$ 260 milhões anuais com a Caixa Econômica Federal para gerenciar o sistema de informática e de tecnologia das loterias federais. Em julho de 2003, ISTOÉ revelou que Waldomiro Diniz, então assessor do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, mantivera secretas reuniões com diretores da Gtech visando à renovação do milionário contrato. No final do governo de Fernando Henrique Cardoso, a Gtech chegou a oferecer um desconto de 28% para que o contrato fosse renovado, mas não houve entendimento. No terceiro mês do governo Lula, com um desconto de apenas 15%, o negócio foi feito.

Os membros da CPMI admitem que os depósitos feitos na conta da empresa do advogado Aguiar correspondem a uma parte da contrapartida dada pela Gtech para a renovação do contrato com a Caixa. As suspeitas da CPMI se devem principalmente ao fato de as transferências bancárias terem sido realizadas justamente nas datas dos principais episódios já descobertos pelo Ministério Público e pela Polícia Federal nas investigações sobre o envolvimento da Gtech com Waldomiro Diniz e demais membros do governo.

Cronologia suspeita – O primeiro depósito, no valor de R$ 177,3 mil,
foi feito em 27 de dezembro de 2002, quando Waldomiro Diniz, na condição
de membro do governo de transição,
teria iniciado os contatos com os dirigentes da multinacional. “Tudo
indica que esse valor foi o sinal da negociação”, afirma um membro da CPMI. O dinheiro saiu de uma conta da Gtech no Banco Itaú, em São Paulo, para a conta número 8028-4, aberta pela MM Consultoria na agência do Bradesco localizada na avenida Barbacena em Belo Horizonte. O segundo repasse, no valor de R$ 246.250, depositado em 20 de fevereiro de 2003 na mesma conta, foi transferido para a conta da MM Consultoria às vésperas da renovação do contrato. Nesse período, segundo revelaram à Polícia Federal alguns diretores da Gtech, Waldomiro Diniz teria pedido R$ 20 milhões para que a empresa tivesse a negociação facilitada. Marcelo Rovai, diretor de marketing da multinacional, disse que a proposta de Waldomiro foi feita em uma reunião no hotel Blue Tree, em Brasília. Rovai nega que a empresa tenha pago a propina. Na avaliação do Ministério Público Federal, porém, toda a dinheirama acabou sendo distribuída em contas da MM Consultoria e de outras empresas laranjas, cujas contas ainda estão sendo rastreadas.

A última e maior parcela, de R$ 1,64 milhão, foi depositada na conta da MM Consultoria em 26 de junho de 2003. Logo após o pagamento, o advogado Aguiar, que até então ocupava um cargo de nível médio numa empreiteira que presta serviços ao Ministério da Justiça, foi presenteado com um salário de R$ 5 mil mensais na Secretaria de Comunicação, no Palácio do Planalto. Ele foi nomeado assessor especial do subsecretário de Publicações e Patrocínio e Normas, Jafete Abrahão. No governo, Aguiar é conhecido como afilhado político do secretário executivo da Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto, Marcos Flora.

Patrimônio acanhado – Apesar de ter recebido mais de R$ 2 milhões da Gtech, no ano passado Aguiar declarou à Receita um patrimônio avaliado em apenas R$ 28 mil. Também a empresa de consultoria aberta em 1994 – em sociedade com o advogado Walter Santos Neto –, não tem como justificar as remessas de dinheiro da Gtech. Fora o dinheiro repassado pela Gtech, a conta da MM Consultoria no Banco Bradesco recebeu aportes de recursos insignificantes nos últimos anos. De acordo com documentos da Junta Comercial de Belo Horizonte e da Receita Federal, a empresa de Aguiar funciona até hoje no 14º. andar de um edifício no bairro Belvedere, onde Santos Neto divide uma sala de advocacia com outros três advogados. No entanto, nem mesmo os sócios de Santos Neto no escritório de advocacia sabem da existência da empresa de consultoria. “Nunca ouvi falar dessa empresa MM. Para mim, ela não existe”, disse a ISTOÉ o advogado Fernando Lyra, um dos sócios do escritório.

Laranjas – Além das movimentações financeiras, o balanço contábil da empresa mostra que Aguiar e a MM Consultoria foram utilizados como laranjas na transação. Para os membros do Ministério Público e analistas da CPMI dos Bingos, a prova disso é que toda a dinheirama não foi integralizada como forma de capital nem distribuída para o sócio Aguiar como lucro ou pró-labore. Em 2003, Aguiar teve como rendimentos seus salários na Secretaria de Comunicação e na empresa Conservo Brasília Serviços Técnicos, que presta serviços ao Ministério da Justiça. Nenhum tostão proveniente da MM Consultoria. Até 2002, Aguiar respondia como sócio responsável pela empresa e somente se desligou da função burocrática ao assumir o cargo público em 2003, quando passou a gerência da empresa para o sócio. Para complicar ainda mais a situação do advogado, dados do Sistema de Acompanhamento Financeiro do governo federal (Siaf) apontam que em maio de 2004 a MM consultoria recebeu R$ 7.588 do governo federal. Nessa época, Aguiar já trabalhava para o governo.

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Os membros da CPMI dos Bingos acreditam que os verdadeiros beneficiados do dinheiro da Gtech serão conhecidos somente após a quebra do sigilo bancário da MM Consultoria e de Marcelo Aguiar, o que deverá acontecer nos próximos dias.


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