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Especial
Henrique Meirelles
O presidente do banco Central, Henrique Meirelles, colhe os frutos da defesa inflexível do cumprimento das metas inflacionárias e dos fundamentos econômicos e assegura que em 2009 o brasil continuará a crescer acima da média mundial

Por Octávio Costa
 

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Brasil tem uma dívida impagável com o goiano Henrique de Campos Meirelles. Graças à obstinação do presidente do Banco Central, o País está conseguindo passar sem maior sacrifício pela crise financeira internacional. Nos recentes anos de abundância, Meirelles combateu a tentação desenvolvimentista e fincou pé em defesa da solidez dos fundamentos econômicos e das metas inflacionárias. O Brasil comportou-se como a formiga da fábula de La Fontaine e agora, em meio à recessão mundial, colhe o que plantou. Segundo Meirelles, o Banco Central tem sido citado como exemplo pelo mundo afora. "Em todas as reuniões a que vou, os colegas de outros bancos centrais e banqueiros privados fazem fila para elogiar a ação do BC brasileiro", conta ele. A menção é sempre a mesma: o BC soube agir com firmeza, precisão e na hora certa.
Meirelles aposta que, em 2009, o Brasil vai crescer acima da média mundial e, em 2010, a economia retomará a velocidade de cruzeiro. "Minha prioridade hoje é assegurar que isso aconteça", afirma. Ele reconhece, porém, que o BC não vive dias de normalidade. São tempos difíceis que exigem sangue, acuidade e dinamismo. Normalmente, a atividade do BC é voltada para o longo prazo. Na política monetária, por exemplo, há uma grande defasagem entre a adoção das medidas e os seus efeitos. "Mas num momento como esse o que existe é uma atividade de gestão da crise. Mudam o ritmo, o horizonte de planejamento e a velocidade de reação. Trabalha-se com defasagem de horas, e não mais de meses", explica o presidente do BC.
i79765.jpgAos 63 anos, a jornada diária de trabalho de Meirelles é em média de 14 horas. Mas ficou mais elétrica, mais intensa. Ao dar um exemplo, ele faz um relato à ISTOÉ que entra para os anais da economia brasileira: "Na sexta-feira 10 de outubro, eu me encontrava em Washington com o pessoal do Fed e cheguei à conclusão de que a restrição de crédito internacional se agravou ainda mais em decorrência da quebra do banco Lehman Brothers. Nosso mercado também não sabia dimensionar as perdas das empresas nacionais com derivativos. Havia sintomas de pânico. Previ que a segunda-feira no Brasil poderia ser muito perigosa. Tomei a decisão de voltar no sábado à noite. Pousei em São Paulo no domingo e convoquei uma reunião da diretoria para o próprio domingo, que terminou à meia-noite. Voltamos a nos reunir às sete horas da manhã da segunda-feira 13. Os americanos tinham tomado algumas medidas e as bolsas na Ásia abriram melhor. Pensei: o momento de intervir é já. Tínhamos de atirar pesado e decidimos liberar R$ 100 bilhões de depósitos compulsórios. Neste dia, o mercado se acomodou completamente."
Houve outros momentos decisivos. Meirelles cita o dia em que o dólar se aproximou da faixa dos R$ 2,50. "Anunciamos que estávamos preparados para vender US$ 50 bilhões. O BC tinha US$ 23 bilhões de posição no mercado futuro e poderia vender mais US$ 27 bilhões. O mercado cedeu." Outra munição pesada foi a operação de swap de US$ 30 bilhões com o Fed, para reforçar as reservas brasileiras. A pessoa chave nessa negociação foi o presidente do Fed de Nova York, Timothy Geithner. "Timo é meu amigo pessoal e nos ajudou muito", conta Meirelles. A amizade vem de longe. Os dois se conheceram na década de 90, quando Geithner era subsecretário do Tesouro americano e Meirelles presidia o BankBoston. "Assumi a presidência do banco nos Estados Unidos em 1996 e trabalhei muito nas gestões das crises internacionais da Ásia, em 1997, da Rússia, em 1998, e do Brasil no fim daquele ano. E mantinha contato permanente com o Timo. Depois que ele foi nomeado presidente do Fed de NY nos aproximamos ainda mais", conta.

i79766.jpgDesde os anos 90, o presidente do BC é amigo de Timothy Geithner, futuro secretário do Tesouro americano

Tanto Meirelles quanto Geithner – que será o novo secretário do Tesouro no governo Barack Obama – têm vasta experiência em gestão de crise. "Nessa situação, não se fazem pacotes. O momento exige rapidez, precisão e flexibilidade. Você não pode ficar preso a uma maneira de pensar, a um modelo teórico. Precisa ser executivo e atuar em cima da hora, rapidamente. Muitas vezes a agenda muda da noite para o dia", ensina. E garante que ele e o amigo Timothy são escolados no assunto.

Meirelles explica que fez um curso na Harvard Business School, criado durante a Segunda Guerra Mundial, para preparar os executivos a lidar com a economia de guerra. Trata-se do Advanced Management Program (AMP), que, nos dias de paz, prepara quem vai assumir a presidência de grandes corporações. É um curso intensivo, de quatro meses, que tem foco na gestão de crise. Meirelles foi para Harvard em janeiro de 1984, por indicação de um membro do conselho do BankBoston, que previu que o primeiro vice-presidente do banco no Brasil poderia ocupar uma função mais importante no futuro. Quando voltou ao País, em junho, já tinha sido nomeado presidente da filial brasileira. E aprendera que, nas crises, "é preciso separar as ondas de superfície das correntes profundas". Segundo ele, a crise atual tem componentes importantíssimos de onda profunda, como a desalavancagem mundial. "Por isso, é mais grave e mais séria. Se você ficar na superfície, não resolve os problemas. Pode tomar decisões erradas e dar um tiro no pé", destaca.
Por causa das aulas de estratégia militar em Harvard, nutre até hoje uma grande admiração pelo marechalde- campo Montgomery, que derrotou os alemães na batalha de El Alamein, no Egito, em 1942, e obrigou as forças do general Rommel a se retirar do norte da África. Na estratégia empresarial, Meirelles ficou impressionado com o sistema japonês de defeito zero. "Fazia-se o controle de qualidade no fim da linha de montagem. Os japoneses perceberam que, assim, perdiam-se peças e tempo. Concluíram que o melhor controlador da qualidade é quem comete o erro. Cabe a ele acusar e corrigir o erro imediatamente. Esse é o controle de qualidade perfeito, que passei a adotar na minha vida profissional", revela Meirelles, que visitou o Japão para conhecer o modelo in loco.

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i79767.jpgEntre os homens de negócios, ele buscou inspiração em Jack Welch, o famoso presidente da GE, que, entre 1981 e 2001, elevou o valor de mercado da empresa de US$ 14 bilhões para US$ 400 bilhões. Também respeita o megainvestidor Warren Buffett, apesar de ressalvar que o americano, recentemente, deu um passo em falso ao colocar US$ 5 bilhões na Goldman Sachs quando as ações estavam cotadas a mais de US$ 100. "Pode ser que ele ainda ganhe", prevê. Ainda no meio empresarial, Meirelles destaca o que considera um clássico: Harold Geneen, lendário CEO da ITT, de 1959 a 1972, e um grande consolidador de companhias. Meirelles conta que Geneen tinha uma maneira muito especial para avaliar uma empresa. Ele entrava no andar da diretoria e examinava com atenção a atitude e a expressão facial das secretárias. "Para Geneen, se as secretárias eram atentas, rápidas, interessadas e prestativas, a empresa estava caminhando na direção certa", completa Meirelles, sem conseguir esconder que tem o hábito de usar o mesmo critério.
Bons exemplos e experiência não faltam ao presidente do BC, que passou quase 30 anos de sua vida profissional no BankBoston no Brasil e depois nos EUA. Mas, como jamais enfrentou uma turbulência de tamanha magnitude, ele admite que a gestão da crise impôs limites à sua vida pessoal. "Hoje, minha concentração no trabalho é absoluta. Normalmente, eu fazia Pilates quase diariamente e também procurava caminhar. O problema fundamental é a falta de tempo." Leitor compulsivo, gosta de livros de psicologia e história. Mas atualmente só lê textos sobre a economia mundial. "Na noite passada, em casa, li, até dormir, trabalhos sobre macroeconomia apresentados em Jackson Hole, no simpósio anual promovido pelo Fed americano", contou. Meirelles confessa que a pressão é tanta que muitas vezes perde o sono. " Acordo às três da manhã, pego meu BlackBerry, despacho por uma hora e meia e mando e-mails para todo mundo. Solto as tarefas do dia. Quando a turma acorda pela manhã, já tem toda a pauta. Aí eu me acalmo e volto a dormir até as sete horas. O BlackBerry é melhor do que um Lexotan."
Exigente e perfeccionista, Meirelles não deve dar descanso à diretoria do BC, pois tem dois BlackBerrys, um oficial do BC e outro privado, além de três celulares convencionais. Ele faz uma confidência: "Muitos amigos meus, ao me encontrar, exclamam: ‘Nunca te vi tão bem’. É verdade. Não que eu goste de crise, mas me sinto melhor num ritmo de trabalho intenso e rápido." Para encerrar a conversa, como vão os planos de sair candidato ao governo de Goiás em 2010? "No momento, não penso nisso. Sou um homem de foco e agora meu foco está no curto prazo."

"Na gestão da crise, não se fazem pacotes. O momento exige rapidez, precisão e flexibilidade"

Henrique Meirelles


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