chamada.jpg
O PALCO
Cerimônia no estádio Soccer City: simples e emocionante

selo.jpg

Faltavam poucos minutos para as duas da tarde da fria e ensolarada sexta-feira 11 quando um barulho ensurdecedor fez as 85 mil pessoas presentes no Estádio Soccer City lembrarem-se que estavam a poucos momentos de ver a história ser escrita. Enfim um país do continente mais pobre do mundo, marcado por tragédias e injustiças ao longo das últimas centenas de anos, estava prestes a realizar o maior evento esportivo do planeta.

Dois modernos jatos da Força Aérea sul-africana, que por alguns segundos calaram as incansáveis vuvuzelas, rasgaram o céu azul de Johannesburgo com um só objetivo: mostrar ao mundo que, sim, um país africano era capaz de sediar a 19ª edição da Copa do Mundo de Futebol. Os caças de combate foram a única demonstração de força da África do Sul na simples, mas animada e colorida cerimônia de abertura do Mundial. Em vez de demonstrações de grandiosidade tecnológica, danças típicas, música e a quase obsessão em se mostrar, antes de tudo, uma nação africana. “Esta é a Copa do Mundo africana, o momento da África enfim chegou”, disse o presidente Jacob Zuma, ao abrir oficialmente o Mundial. A grande ausência na festa foi o líder Nelson Mandela, que, mesmo com a saúde debilitada, aos 91 anos, fazia questão de comparecer à cerimônia. No entanto, na madrugada da sexta-feira 11, sua bisneta mais velha, Zenani Mandela, 13 anos, morreu em um acidente de carro após sair do show que antecedeu a abertura do Mundial, na quinta-feira 10. “Os jogos devem começar e vocês devem aproveitá-los”, afirmou Mandela, por meio de Jacob Zuma.

img3.jpg
AS CORES DO POVO
Danças típicas marcaram a festa de abertura, assim como a ausência do líder Nelson Mandela

Para a África do Sul, a Copa começou com um empate contra o México. Se o 1 x 1 não foi o placar dos sonhos, também não foi nenhuma tragédia para os Bafana Bafana. Apesar da confiança ufanista, que veio num crescendo durante a semana, os sul-africanos sabem que dificilmente sua seleção conseguirá chegar às finais. Com participações tímidas em apenas dois Mundiais, os Bafana Bafana estão longe de figurar entre os favoritos, como Argentina, Brasil, Espanha, Holanda e Inglaterra. Isso não importa. A verdade que se vê nas ruas é que, para a África do Sul, o futebol é apenas um coadjuvante de luxo neste torneio. Para os quase 50 milhões de sul-africanos, o que está em jogo não é uma campanha histórica no Mundial, jogos épicos como o Brasil e Itália de 1982 ou, quiçá, a sonhada taça da Fifa. O grande prêmio para esta nação, que começa a sair de uma puberdade conturbada, é ver se tornar real a esperança de que a África do Sul se transforme em um país mais igualitário socialmente, menos violento, mais desenvolvido e, principalmente, menos dividido racialmente. No inconsciente coletivo dessa nação repleta de histórias brutais de injustiças e covardias, a Copa do Mundo é como um rito de passagem da adolescência para a idade adulta feito especialmente para o mundo inteiro assistir ao vivo.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

img.jpg

Repete-se, assim, o que ocorreu em 1995, quando Nelson Mandela fez história numa tarde ensolarada e fria de um mesmo mês de junho. Ali, no primeiro ano dessa nova África do Sul, Mandela conseguiu aplacar as crescentes tensões raciais causadas pela abrupta mudança de poder e impedir que uma guerra civil revanchista tomasse conta do País. Foi ao demonstrar publicamente seu apoio à seleção sul-africana de rúgbi, um esporte quase exclusivo dos brancos, durante a Copa do Mundo de 1995, que ele conseguiu criar um sentimento de união jamais imaginado por boa parte dos sul-africanos. No entanto, as promessas de construção de uma nação em arco-íris, onde todas as raças, todas as etnias, todos os credos teriam oportunidades iguais, acabaram se perdendo no longo e tortuoso caminho da construção de um novo país.

img1.jpg

Hoje, a África do Sul ainda é um país dividido, seja economicamente, seja racialmente. Um breve passeio por Johannesburgo deixa isso muito claro. Não se veem brancos nas ruas do centro da cidade, e poucos, pouquíssimos negros podem ser encontrados dando suas tacadas no Randpark Golf Club, o local onde a Seleção Brasileira está concentrada. A fila de caddies negros esperando para carregar os tacos dos jogadores brancos torna impossível tentar esquecer que há exatos 20 anos esse país vivia sob um regime de segregação racial absoluta.

O reverendo Christor Zwane, pastor da Igreja Metodista de Soweto, palco de grandes manifestações do bairro que se tornou o símbolo da luta contra o apartheid, jamais se esquecerá daqueles anos duros. Com 72 anos de idade, ele viu e viveu toda a opressão do regime branco contra os negros. Mas, como a maioria quase absoluta dos sul-africanos, Zwane acredita que a Copa do Mundo é o catalisador que faltava para transformar em realidade a esperança de um país unido. “Estamos esperando há muito tempo por esse momento, há seis anos estamos rezando para que esse momento chegue e transforme esse país”, diz ele logo após o culto matinal do domingo que antecede a abertura do Mundial. “A Copa do Mundo não vai unir apenas a África do Sul, vai unir todo o continente. Mostraremos ao mundo o que somos capaz de fazer.”

img4.jpg
PARA O ABRAÇO
O atacante Tshabalala corre para festejar o gol contra o México

Zwane está orgulhoso do que a África do Sul fez até agora. Construiu ou reformou dez estádios de alto padrão – um deles, o Soccer City, vizinho à igreja na qual o reverendo presta seus serviços religiosos –, construiu estradas e modernizou seus aeroportos dentro do prazo, ao contrário do que a própria Fifa temia. E orgulhosos estão todos os sul-africanos. “Estamos mostrando ao mundo que podemos sim realizar um evento desse tamanho, que temos capacidade de organizar uma Copa do Mundo”, diz Leon Lance, um autêntico africâner que pouco entende de futebol e tem como grande paixão o rúgbi. “Cada pessoa desse país quer uma África do Sul melhor, quer mais desenvolvimento, menos violência, e todos estão trabalhando para que a Copa do Mundo seja capaz de fazer isso.” Lance é dono de uma pequena pousada a 45 minutos ao sul de Johannesburgo. Na sexta-feira 11 liberou seus 15 funcionários para assistir à partida contra o México. “Se vencermos, esse jogo será mais importante que a final de rúgbi de 1995. Acredite em mim, não haverá mais cores nesse país.”
Na semana que antecedeu o início da Copa os sul-africanos deram demonstrações eloquentes da expectativa que têm com o Mundial. Os Bafana Bafana, como é chamada a seleção nacional de futebol, são os depositários de toda essa esperança e esse orgulho que tomaram conta do país. Na quarta-feira 9, mais de 200 mil deles saíram às ruas do bairro nobre de Sandton, em Johannesburgo, para saudar a seleção dirigida pelo técnico Carlos Alberto Parreira, que desfilou em carro aberto. Foi um absoluto show de cores e sons. Vuvuzelas, a grande e ensurdecedora corneta de plástico que se tornou o símbolo dessa Copa, e makaraka, um capacete de minerador com cornetas adaptadas, soaram incessantemente por horas, como querendo fazer o mundo ouvir que na ponta do continente mais pobre do mundo, onde guerras e tragédias humanitárias tornaram-se rotineiras, há um país pronto para livrar-se de uma vez por todas de seu obscuro passado e surgir como uma nação igualitária e desenvolvida. Assim como nas partidas de futebol, os resultados são imprevisíveis. Mas uma coisa, no entanto, é certa: a torcida será o 12° jogador desse time, na maior de todas as partidas de sua história, que começa exatamente quando soar o apito final do último jogo desta Copa do Mundo, às 10h30 do dia 11 de julho.

img2.jpg

 

Confira a cobertura completa aqui


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias