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A seleção da Coreia do Norte, contra quem o Brasil estreia na Copa na terça-feira 15, faz da sua estadia na África do Sul uma extensão do regime severo que comanda o país com mão de ferro há mais de 50 anos. No local onde o time treina, em Tembisa, modesto distrito entre Johannesburgo e Pretória, arames farpados tornam os altos muros do Makhulong Stadium ainda mais intransponíveis. Policiais fortemente armados estão sempre a postos e já se valeram da força para expulsar jornalistas. O time e a comissão técnica chegam para o trabalho no mais absoluto silêncio, muito bem acomodados em um ônibus luxuoso e com as cortinas das janelas sempre fechadas. O ditador Kim Jong-il, que governa os norte-coreanos com pulso firme, deve estar orgulhoso com esse procedimento adotado pelos seus soldados do esporte. Entre eles, no entanto, há um jogador ousado e irreverente que tem levantado a cortina de ferro que envolve a seleção asiática. Seu nome é Jong Tae Se. Seu apelido, “Wayne Rooney do Povo” – suas principais características são o apurado faro de gol, velocidade e movimentação semelhantes às do astro da seleção inglesa.

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ISOLAMENTO
Até arame farpado vale para manter todos longe

Aos 26 anos, 15 gols e 22 jogos pela seleção da Coreia do Norte, ele é o dono da camisa 9 do time. Joga no Japão, fala inglês, arranha no português e não tem medo de dar entrevistas. Nelas, faz o tipo falastrão, sempre exibindo o penteado moicano à David Beckham. “Prometo marcar um gol por jogo na Copa”, atreveu-se em uma delas. Com a popularidade de quem teve o nome gritado por 80 mil fãs em uma partida em Pyongyang, capital norte-coreana, Tae Se já se arriscou a criticar em público até mesmo colegas de equipe por falta de dedicação em campo. Nos últimos dois jogos da Coreia do Norte antes da estreia no Mundial, contra a Grécia e Nigéria, o atacante marcou três gols. Sua atuação contra o time africano, em partida realizada no estádio de Tembisa, empolgou a torcida adversária. Num claro sinal de reconhecimento do talento diferenciado de Tae Se em comparação com os demais companheiros norte-coreanos, os nigerianos espalhados pela arquibancada gritavam: “Passem para o número 9!” De fato, o asiático não é bobo de bola. “Ele se mexe bastante. Não fica parado no ataque, é brigador e chuta forte”, diz o ex-jogador Tostão, que assistiu a esses dois jogos. É muito raro encontrar um jogador asiático com esse pacote de habilidades. Sem um atleta com essas características, em sua única participação em Mundiais, em 1966, a Coreia do Norte venceu a Itália e só foi eliminada nas quartas-de-final em um jogo emocionante vencido pelos portugueses do craque Eusébio por 5×3.

“Cresci com as imagens de 1966”, diz Tae Se, que, fora dos campos, teve de driblar a burocracia para defender a Coreia comunista. Filho de sul-coreanos e nascido no Japão, ele foi educado em escolas japonesas subsidiadas pelo governo norte-coreano. Aos 18 anos, conta, simpatizou-se pelo ideal de esquerda de Pyongyang e requereu o passaporte norte-coreano. Como seus ancestrais, na divisão das Coreias em 1948, deixaram a península do sul, Tae Se é considerado também cidadão da Coreia do Sul, que não reconhece nem legitima a soberania da irmã do Norte. Foi preciso, então, a intervenção de algumas associações para que seu passaporte norte-coreano fosse aprovado, o que ocorreu em 2007. “Eu poderia obter a nacionalidade japonesa e atuar pelo Japão, mas jamais me imaginei defendendo as cores do país onde nasci”, explica.

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O Rooney asiático cresceu em Tóquio. Lá, convivendo com dekasseguis brasileiros nos anos 90, aprendeu a falar português, principalmente os palavrões. “Aprendi para sobreviver e fazer parte do grupo de amigos”, lembra ele. Por morar no Japão e não sofrer proibições do comunismo norte-coreano, Tae Se lembra que, em certa oportunidade, seus colegas de seleção arregalaram os apertados olhos para seu aparelho celular. O ditador Kim Jong-il não permite o uso do aparelho entre os cidadãos. “O meu celular passou de mão em mão. Permiti que meus companheiros fizessem ligações para matar a curiosidade”, afirma. Esse é o cara, que prefere o marfinense Drogba a Rooney e sonha em jogar na Inglaterra, que deve manter a defesa brasileira de olhos bem abertos. Fora de campo, ele não tem medo de dizer o que pensa. Dentro, não se assusta com cara feia de zagueiro.

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