11/06/2010 - 21:00
"Inventar coisas que as pessoas nem sabem que precisam." Transformada em uma espécie de mantra, essa frase, durante décadas, estimulou os funcionários da fabricante americana de eletrônicos Apple a criar produtos que revolucionaram mercados e se tornaram sucessos comerciais indiscutíveis, como o tocador de música iPod e o computador portátil iPad. Em uma atitude rara em sua história, porém, na semana passada a empresa liderada pelo mítico Steve Jobs seguiu em outra direção para chegar ao mesmo lugar. Lançado na segunda-feira 7 em San Francisco, na Califórnia, o novo celular da Apple, o iPhone 4, nasce sem esse apelo desnorteante, mas pode ter dado início a uma nova era na forma com que as pessoas se comunicam. Desta vez, o usuário sabe exatamente por que precisa do aparelho. No caso, falar ao telefone enquanto vê o interlocutor e é visto por ele. Em vez de inventar uma necessidade, a empresa de Jobs se empenhou em trazer à luz um equipamento que dá vários passos fundamentais para viabilizar e popularizar o velho sonho da humanidade de ter um videofone privado, funcional e, sobretudo, portátil. “Cresci vendo os comunicadores dos “Jetsons” e de “Jornada nas Estrelas” na tevê, sonhando com videochamadas. E isso é real agora”, afirmou Jobs durante a apresentação do aparelho.
STEVE JOBS
“Cresci sonhando com a videochamada”
Tanto na ficção quanto na vida real, os consumidores ávidos por novidades tecnológicas salivam por um lançamento desse tipo desde 1927. Naquele ano, chegou ao cinema o filme “Metropolis”, que, apesar de mudo, trazia cenas em que personagens usavam um aparelho que fundia telefone e transmissor e receptor de vídeo em tempo real. Foi também em 1927 que um secretário de Estado americano fez a primeira ligação com um ancestral do videofone, de Washington a Nova York. De lá para cá, várias empresas, inventores e até cidades se lançaram na aventura de tentar fornecer produtos e serviços que tornassem corriqueira essa promessa tecnológica quase centenária. Nenhum plano ou produto vingou. O caso mais longevo aconteceu na cidade francesa de Biarritz, onde nos anos 80 os moradores passaram uma década conversando com a imagem do interlocutor em uma tela. A falta de adesão deu um fim a esse serviço, que mais parecia com as ligações em vídeo por Skype e com webcam, já corriqueiros nos dias de hoje, mas que, por dependerem de computadores para fazer a conexão, ainda não cabem no bolso. Ter muitos usuários também não resolve a questão. Bons de venda, modelos recentes de celular capazes de operar o milagre da troca de sons e imagens – caso do Nokia N900 e do HTC EVO – não tiveram força suficiente para anunciar uma nova era com videofones espalhados pelos cinco continentes. Então, por que pode dar certo agora? E por que com o aparelho da Apple?
“Quando o aparelho chegar, certamente eu serei o primeiro a comprá-lo”
José Otávio Marfará, diretor-presidente da Reebok Academy
As respostas que valem muitos bilhões de dólares estão no dom de Steve Jobs de criar mercados a partir de seus produtos. Em sua estratégia, a empresa aposta num campeão de vendas – neste mês a Apple comemora a comercialização de 100 milhões de unidades das versões anteriores do iPhone – como veículo para a popularização da nova tecnologia. Mais que isso, bolou um esquema que permite ao consumidor utilizar esse tipo de aparelho sem deixar uma fortuna todos os meses na operadora de celular – afinal, transmitir imagens num sistema em que a conta é baseada em pacotes de dados restringiria o uso do videofone a meia dúzia de milionários. Pelo sistema utilizado atualmente nos Estados Unidos – com a chamada tecnologia 3G –, ao fazer suas videoligações, o usuário de um plano básico da operadora AT&T, que tem o monopólio dos serviços com iPhone no País, gastaria em uma hora cerca de 84% dos dados a que teria direito ao longo de 30 dias. Isso porque a transmissão de imagens exige muito mais das redes de telecomunicações do que a de voz. A questão custo é tão importante que a primeira reação da própria AT&T foi cancelar os pacotes de dados ilimitados, temendo que as videochamadas sobrecarregassem suas redes e gerassem prejuízos. Para driblar problemas como esse, o iPhone 4 só fará ligações com imagens em ambientes que contam com sistema wi-fi, de internet sem fio, nos quais a cobrança não tem como base o volume de dados transmitidos.
Além disso, as chamadas com vídeo só são possíveis de iPhone para iPhone. Manter sistemas incompatíveis com as demais marcas é uma característica recorrente em novidades da Apple. Poderia ser um problema que inibiria a disseminação da tecnologia. Só que a prática tem mostrado que, para satisfazer seus consumidores, a concorrência acaba tendo de ir atrás e oferecer produtos semelhantes. Aconteceu com o iPod, com o sistema de telas sensíveis ao toque do iPhone e, mais recentemente, com a geração de computadores portáteis iPad. Se ocorrer novamente agora, foi dada a largada para a corrida do videofone. “Todas as vezes que a Apple aparece com essas novidades, obriga as outras a se mexer”, diz Rogério Coelho, especialista em desenvolvimento de mídia móvel da Predicta, consultoria paulista especializada no gerenciamento de marketing online. “As operadoras trabalham para deixar a tecnologia 3G mais barata e eficiente. Até lá, o videofone vai funcionar muito bem com o sistema desenvolvido pelo time de Jobs. Principalmente nos países mais desenvolvidos, onde há conexão do tipo wi-fi em quase todos os lugares.”