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50 milhões de fiéis já visitaram o Santuário de
Nossa Senhora de Medjugorje, na Bósnia

Depois do dia 24 de junho de 1981 a pobre cidade bósnia de Medjugorje, no Leste Europeu, nunca mais foi a mesma. Foi nesse dia, uma quarta-feira, que dois de seus cidadãos começaram a ter visões de Nossa Senhora, mãe de Jesus, na forma de Rainha da Paz. No dia seguinte, outras quatro pessoas, também da pequena cidade de cerca de quatro mil habitantes, afirmaram ter passado por experiência quase idêntica. Desde então, os seis têm tido visões regulares da Virgem e a história das aparições de Nossa Senhora de Medjugorje ganhou notoriedade internacional. A fama logo chamou a atenção da Igreja.

Mas em duas comissões nos anos 1980, uma diocesana e outra dos bispos da então Iugoslávia, a hierarquia local estabeleceu, para espanto da população, que não houve nada de extraordinário em Medjugorje. As mensagens da aparição que começavam com um caloroso “queridas crianças” e terminava com um sincero “obrigado por responder ao meu chamado” seriam um delírio, uma fantasia. Os pedidos de conversão dos pecadores, os alertas para os perigos de Satanás, a exaltação do Deus dos Evangelhos e a solidariedade com a vida camponesa dos bósnios, que trouxeram tanto conforto ao sofrido país, seriam puro devaneio. Segundo documentos da Diocese de Mostar-Duvno, onde fica Medjugorje, em 1988 até o cardeal Joseph Ratzinger, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e atual papa, chegou a chamar o fenômeno de invenção. Nada, porém, parou o fluxo de fiéis, estimado em 50 milhões nos últimos 29 anos. Todos queriam ouvir as histórias dos videntes bósnios e os recados da Virgem.

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O caso foi retomado pelo bispado local no final da década de 1980, mas a instabilidade política da região dificultou investigações mais extensas. Agora, porém, o Vaticano finalmente anunciou a criação da Comissão Internacional de Investigação sobre Medjugorje, mais ampla e definitiva que suas antecessoras. Desde março, um grupo está debruçado sobre o caso para pôr fim à polêmica das visões. “Bispos e fiéis do mundo todo escrevem constantemente à Congregação para a Doutrina da Fé perguntando se podem acreditar ou não no que ocorre em Medjugorje”, afirma dom Murilo Krieger, arcebispo de Florianópolis. Um time de cardeais, bispos, mariólogos, teólogos, antropólogos e psicólogos apontados pelo Vaticano se encarregará de dar uma resposta. As investigações, que correrão em sigilo absoluto, girarão em torno dos quatro pilares usados pela Igreja para atestar a validade de uma aparição (leia quadro). “A comprovação autoriza a construção de um templo no local da aparição, a criação de um nome para identificar o fenômeno e a confecção de iconografia baseada nas características físicas da aparição descrita pelos videntes”, explica Afonso Murad, professor de teologia da Faculdade dos Jesuítas de Belo Horizonte e autor do livro “Visões e Aparições” (Ed. Vozes, 2007).

A Igreja parece ignorar que, independentemente do parecer, tudo isso já foi feito pelos fiéis de Medjugorje. Eles se apoiam, por exemplo, em relatos como o de Vicka Ivankovic, hoje com 45 anos, que tinha 16 quando se tornou uma das seis escolhidas. Nos anos seguintes à primeira aparição, ela recebeu da Virgem a missão específica de orar pelos doentes. A santa também confiou nove segredos a Vicka e pediu que ela anotasse orientações misteriosas que preencheram dois cadernos. A publicação em livro só ocorrerá quando a santa, que ainda fala com ela regularmente, autorizar. Hoje casada e mãe de duas filhas, ela diz compartilhar o privilégio de ter as visões com suas crianças. “Antes das aparições, eu rezava por hábito, hoje, quando rezo, me sinto imersa na oração”, diz Vicka. O mesmo sentimento é compartilhado por Marija Pavlovic, que desde os 15 anos vê a santa diariamente, até quando viaja para fora de Medjugorje e da Bósnia.

Mesmo que a aparição acabe reconhecida como autêntica pelo Vaticano, a crença nela não é obrigatória aos fiéis. Só acredita quem quer, já que as aparições não acrescentam dados novos à Revelação de Deus, passada aos fiéis integralmente por Jesus e seus 12 apóstolos. A visão, no máximo, atualiza, explica ou manifesta com nova intensidade o que já foi revelado. Nesse sentido, para ter reconhecimento da Igreja, as aparições e suas mensagens precisam ser conhecidas integralmente, ou seja, o fenômeno precisa ter chegado ao fim. Foi assim nos casos de Lourdes, na França, e Fátima, em Portugal (leia quadro), que duraram cinco e seis meses, respectivamente, e depois então foram validadas pelo Vaticano.

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Em Medjugorje a situação é diferente, pois até hoje chegam mensagens aos seis videntes. Alguns, inclusive, recebem mais de uma por dia. Um cálculo feito pela Diocese de Mostar-Duvno mostrou que, até 2007, 37.238 mensagens teriam sido passadas pela Virgem a eles. Esse número continuou a crescer desde então. “Como é que a Igreja vai dar um parecer favorável ao que não chegou ao fim?”, questiona Murad. Faz sentido. Afinal, validar um discurso que ainda não terminou é como assinar um contrato que ainda não foi redigido. Por isso, o Vaticano não tem pressa. Processos como esse, de reconhecimento oficioso de aparições, podem demorar 300 anos. Até lá, a fé em Nossa Senhora de Medjugorje pode aumentar ou diminuir. “Normalmente o juízo da Igreja é mais urgente quando são difundidos erros nas mensagens dos videntes”, diz dom Murilo, de Florianópolis. “Quando não há erros, a Igreja costuma deixar o tempo passar.” Já se passaram 29 anos. Muito para alguns, mas pouquíssimo para uma Igreja milenar como a católica. Resta esperar.