i97538.jpg

OCUPAÇÃO Béria Lima passa até seis horas por dia corrigindo erros do site

Quando a chuva alaga a rua onde mora, em São Paulo, a universitária Béria Lima, 23 anos, arruma a desculpa perfeita para pas sar horas em frente ao computador, fazendo o que alguns amigos e familiares consideram uma maluquice: corrigir os erros da Wikipédia. Trabalho não falta. Criada em 2001, a enciclopédia eletrônica é igual a um livro aberto no qual qualquer um pode escrever. No caso dos verbetes online, o leitor pode editar um dos mais de dez milhões existentes (quase 500 mil deles em português). Intencionalmente ou não, muitos usuários acrescentam informações erradas aos artigos. Cabe a voluntários como a estudante paulistana identificar e corrigir esses erros. Mas é como enxugar gelo porque nada impede que outros voltem a inserir informações equivocadas. Ou seja, o site que se propõe a facilitar o acesso ao conhecimento muitas vezes desinforma seus leitores.

O escritor Fernando Sabino, morto em 2004, já apareceu como participante da Conjuração Baiana, que aconteceu no século XVII. O Brasil teve diferentes datas de des cobrimento, entre elas 25 de março de 1935. Celebridades e políticos são alguns dos principais alvos. O verbete dedicado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva era um dos mais atacados até ser bloqueado. O do presidente americano Barack Obama também foi muito visado. A página do São Paulo Futebol Clube é outra que só pode ser alterada por usuários cadastrados. Tudo para evitar erros e críticas ao conteúdo da Wikipédia – que já foi até proibida na Universidade de Middlebury, nos Estados Unidos, depois que alunos de um curso de história japonesa usaram informação errada do site em uma prova.

Com tanta informação disponível a um clique de distância, é tentador para os estudantes utilizá-la como fonte de informação. Por isso, em vez de simplesmente proibir a consulta, alguns professores encontraram formas criativas de lidar com a situação. Depois de perceber que parte de seus alunos usava a Wikipédia ao fazer pesquisa para trabalhos do curso de direito internacional econômico, a professora Michelle Ratton, da Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo, decidiu mudar o método de avaliação. Pediu aos estudantes que incluíssem ou editassem um verbete da enciclopédia eletrônica.

O objetivo, explica, era não só testar o conhecimento dos estudantes, mas ensiná-los a utilizar a ferramenta. "Além de erros, os artigos às vezes trazem opiniões. É importante que o usuário não veja o site como neutro só porque é uma enciclopédia", diz. Depois, alguns artigos criados pelos alunos sofreram modificações. Outros foram até excluídos.

Cabe a um grupo de colaboradores assíduos, chamados de administradores, manter as informações fidedignas e tentar evitar os erros. No Brasil, são cerca de 70 pessoas que passam parte do dia acessando as mudanças mais recentes nos artigos, como Béria, que dedica até seis horas diárias ao site. Durante esse tempo, faz entre 50 e 100 correções, dependendo do tipo de alteração. "O site detecta automaticamente palavras ofensivas e repetições, assim como textos em primeira pessoa, mas muitos artigos precisam da nossa revisão", diz ela. Erros de português são fáceis de corrigir.

i97539.jpg

"Além de erros, os artigos às vezes trazem opiniões. É importante que o usuário não veja o site como neutro
só porque é uma enciclopédia"

Michelle Ratton, professora da FGV

Às vezes, porém, as informações incluídas se referem a assuntos que ela não conhece, e, para confirmar a veracidade de tudo, a universitária precisa pesquisar. Por isso mesmo, erros passam despercebidos. Só os administradores podem excluir um verbete, após votação. Isso acontece quando o conteúdo do artigo é considerado controverso, por conter, por exemplo, a opinião de quem o escreveu. Mas os editores também podem bloquear usuários que cometem vandalismo (ou seja, que acrescentam informações erradas ou insultos) e proteger as páginas mais procuradas.

Diretor acadêmico da Cidade do Conhecimento, grupo de pesquisa ligado ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), o professor Gilson Schwartz explica que a busca de informações na Wikipédia não deve ser abolida. O conteúdo do site pode até ser útil em alguns casos, afirma, mas os usuários precisam saber quando ele pode ou não ser utilizado. "A confiabilidade da informação depende da importância que ela tem para você.

Na universidade e na escola é a mesma coisa", diz. "Uma enciclopédia é para uma consulta inicial, nunca a base de um trabalho", acrescenta Schwartz, que proíbe a citação do site nos trabalhos de seus alunos. Mesmo diante das críticas e das evidências, o fundador da Wikipédia não cogita limitar a liberdade dos usuários. "A qualidade da Wikipédia deu um salto em comparação há cinco, dois ou até um ano. Os colaboradores são comprometidos com o nosso conceito de qualidade. Não há por que mexer", disse à ISTOÉ o americano Jimmy Wales. A questão é justamente essa: tem gente demais mexendo.