Espanhol de Valência, Francisco Serrador Carbonell aportou em Santos, enriqueceu vendendo peixe em Curitiba e ganhou fama no Rio de Janeiro, onde ajudou a construir no início do século passado o mito da Cinelândia. Sua memória ficou eternizada no arranha-céu inaugurado em 1944, três anos após sua morte. Batizado de Edifício Francisco Serrador, sede de um hotel do mesmo nome, o prédio de 22 andares viveu sua glória até a década de 60, hospedando políticos e atraindo celebridades para sua boate Night and Day. Depreciado pelo abandono e pela desvalorização da própria área, o velho prédio tornou-se nos últimos tempos o centro de uma série de estranhos negócios. Antiga sede da Petros, o poderoso fundo de previdência privada da Petrobras, o Serrador foi vendido em 2003 por R$ 23 milhões para o espanhol José Oreiro Campos, o Pepe, dono de bingos e hotéis no Rio. Dois anos depois, é agora objeto de desejo da Eletrobrás, que quer comprá-lo por astronômicos R$ 120 milhões. O empenho para que a venda tenha um desfecho feliz chamou a atenção da Polícia Federal.

Interesses – A Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários no Rio acompanha a desmedida mobilização dessa estatal, de fundos de pensão, de grupos espanhóis e de pessoas ligadas ao PT em torno do prédio. Espera a conclusão do negócio para dar o bote. Tudo é observado a distância pela procuradora do dono do Serrador, Gabriela Lobato. Talvez porque seu sobrenome evoque ligações com o PT, especialmente com um político afinado com o setor elétrico e os fundos de pensão, o deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ). Gabriela é filha de Antonio Carlos Lobato, ex-sócio da construtora Atlântica Residencial. A empresa, em fase de desativação, contribuiu com R$ 30 mil para a eleição de Bittar à Câmara. Dois anos depois, um dos donos da Atlântica despejou outros R$ 30 mil na corrida de Bittar à Prefeitura do Rio. Amigo íntimo do petista, o espanhol Francisco Abenza Martinez, o Paquito, foi sócio de Lobato na Atlântica e no negócio anterior da família, a AC Lobato. A construtora participou da venda do Serrador pela Petros.

Pela Atlântica, Paquito construiu casas populares no governo Benedita da Silva
(PT) no Rio e fechou parcerias iguais com a Prefeitura de Niterói, do petista Godofredo Pinto. “Na época, falei (com Lobato) que era um bom negócio. Ele comprou barato”, reconhece. Paquito admite ter sido consultado sobre o negócio. Seu amigo, Bittar, nega qualquer interesse no assunto, mas não se escusa de comentá-lo. “Não tenho parâmetros para dizer se R$ 120 milhões é muito alto
para um imóvel desse tipo. Se esse valor inclui a reforma do prédio, pode ser que
se justifique”, comentou o deputado.

Desde fevereiro do ano passado, quando seu edifício-sede pegou fogo, a Eletrobrás procura casa nova. Esse processo é coordenado pelo diretor administrativo da estatal, Rogério da Silva, parceiro do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e do secretário-geral do partido, Silvio Pereira – investigados pela CPI dos Correios. Rogério tentou primeiro costurar um pool de fundos de pensão para arrematar o imóvel e arrendá-lo à Eletrobrás. Não deu certo . Membro do Conselho Deliberativo da Petros, o engenheiro Fernando Siqueira alertou os colegas. “Eu já tinha denunciado a venda do prédio pela Petros. Esses fundos me procuraram e eu desaconselhei o negócio. O preço, que antes era muito baixo, passaria a ser alto demais”, conta Siqueira.

A Eletrobrás decidiu atalhar e consumar a compra diretamente. A negociação com os espanhóis, que corria tranqüila, só esbarrou no Conselho de Administração da estatal. Pelo menos uma integrante do conselho, a economista Maria da Conceição Tavares, teria questionado a compra do Serrador e pedido novos laudos de avaliação. Coincidentemente, todos os que surgiram até agora cravam um valor perto de R$ 120 milhões. A Eletrobrás informa que o Serrador é um dos sete prédios analisados para ser sua nova sede, pelos critérios de localização, preço e espaço para seus 950 funcionários. A decisão tende a favor do Serrador.

Garagem – A Petros vendeu
barato o prédio alegando que ali
não havia garagem. Quase ao mesmo tempo, no entanto, associou-se ao grupo madrilenho TAU (Tecnica de Aparcamientos Urbanos) para
construir no subsolo em frente ao
hotel justamente uma grande garagem – os Estacionamentos Cinelândia. Se a Eletrobrás comprar o Serrador, terá
direito, por contrato, a 400 vagas. Mas teria que pagar 80% do aluguel de cada uma delas. O negócio seria um maná para dois grupos espanhóis: o Windsor ganharia bom dinheiro com a venda do edifício e a TAU teria cliente cativo
para centenas de vagas. Apesar da controvérsia, as negociações seguiam
céleres. Segundo Emanuel Torres, diretor da Associação dos Empregados da Eletrobrás (AEEL), o diretor Rogério da Silva já adiantara que a compra do
Serrador estava certa. Há dois meses, pediu que a associação parasse de fazer estardalhaço. “O Rogério disse que quanto mais a gente falava mais o preço do prédio subia”, lembra Emanuel.

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O dono do Serrador é uma figura controvertida. Oreiro, o Pepe, espanhol natural da Galícia, esteve à frente da boate Help, sinônimo de turismo sexual em Copacabana, e hoje comanda um império de hotéis e bingos. Até recentemente, tinha relações com um homem cuja proximidade de empresários dos jogos já é lendária: o ex-presidente da Loterj e ex-assessor da Casa Civil da Presidência Waldomiro Diniz. Mantém boas relações com outros espanhóis que construíram fortunas no Rio e é conselheiro da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih).


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