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O mundo esperava uma entrada triunfal. Diante do ambiente de suspeita sobre o setor bancário americano – que ainda persiste devido à intoxicação do sistema com títulos podres -, era grande a expectativa sobre o pacote de socorro de US$ 2 trilhões, divulgado na terça-feira 10. Afinal de contas, era a primeira ação pontual do governo Barack Obama no epicentro da crise financeira mundial. Mas o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, reprisou um filme conhecido dos brasileiros. Aquele em que o ministro da Fazenda, no momento de anunciar seu plano, ansiosamente esperado, falha nas explicações, omite detalhes e só faz aumentar o clima de incerteza, maior inimiga da estabilidade. Nem mesmo a aprovação pelo Senado do pacote de estímulo econômico, de US$ 838 milhões, conteve a decepção geral – aliás, iniciada depois da adoção de medidas protecionistas (leia artigo na pág. 114).

A maior falha de Geithner foi deixar sem resposta a pergunta fundamental da crise. Como avaliar os derivativos tóxicos em poder do mercado? Eles eram trilhões de dólares na fase da ficção financeira. Hoje, ninguém sabe se valem alguma coisa, pois as milagrosas hipotecas dificilmente serão pagas pelos valores que foram contabilizados nos balanços dos bancos. Vale lembrar: o governo Bush tropeçou justamente ao dar este passo e decidiu injetar diretamente dinheiro nos bancos – o país já usou US$ 350 bilhões dos US$ 700 bilhões do pacote de setembro. O pior para o governo Obama é que, depois do escorregão de Geithner, ficou no ar a desconfiança de que os democratas estão perdidos. "A crise está fora de controle", sentenciou o economista Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia em 2008.

No dia seguinte ao anúncio, o próprio Geithner admitiu no Senado que o plano poderia ser modificado à mercê da repercussão. "Nós estamos explorando uma variedade estruturas para este programa e procuraremos contribuições dos agentes do mercado e do público para formatá-lo. Nós acreditamos que esse programa deverá, no fim das contas, ampliar a capacidade financeira do sistema em US$ 1 trilhão, mas nós planejamos começar com US$ 500 bilhões e ir aumentando conforme ele funcione", disse Geithner. Esses recursos serão utilizados para compra dos ativos tóxicos, isto é, logo que o governo descobrir quanto eles valem. Um dos pontos do pacote do Tesouro que provocaram mais reação foi a exigência de os bancos passarem por avaliações cuidadosas (stress test) para ter acesso ao socorro do governo. Há ainda a liberação de US$ 1 trilhão, pelo Fed (Banco Central), para recuperação do crédito ao consumidor e mais US$ 50 bilhões em fundos de resgate para abrandar a execução de hipotecas e amortecer o impacto da crise imobiliária.

"Os Estados Unidos têm uma capacidade ilimitada de expandir
o gasto público para conter a recessão"

Marcos Antônio Macedo Cintra,
da Unicamp

A interpretação do mercado, que reagiu derrubando índices das bolsas mundo afora, foi a de que os democratas teriam, agora, que dar o passo mais difícil: a nacionalização dos bancos. Seria a única maneira de apressar a concessão de crédito e financiamento. "A grande questão continua sendo a resistência dos Estados Unidos em fazer o que os ingleses fizeram, estatizar temporariamente os bancos em dificuldade até que a crise de confiança passe", afirma o economista Antônio Corrêa de Lacerda (PUC-SP). Segundo um dos maiores especialistas brasileiros no sistema financeiro americano, o professor Marcos Antônio Macedo Cintra (Unicamp), os Estados Unidos estão com dificuldade em encontrar "um desenho institucional" para enfrentar o processo. Geithner deu sinais de que pretende criar um fundo de investimento, alimentado por dinheiro público, mas com possibilidade de receber recursos privados para comprar ativos podres. "O setor privado poderá participar de forma marginal em algumas operações de menor risco", acredita Cintra.

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Sem obter êxito em reanimar o setor bancário – além de inúmeros problemas em sua equipe -, resta ao governo Obama atuar na política fiscal. O programa de estímulo econômico aprovado pelo Senado, depois de longa negociação, prevê uma redução de Imposto de Renda das famílias e investimentos em energia limpa, com a meta de criar de três a quatro milhões de empregos. Para Krugman, a redução de impostos é uma medidaa tímida e demorada. Apenas os gastos públicos poderiam aquecer a economia de forma mais imediata. A preferência mundial pelos ativos em dólar em meio à crise fortalece a tese de Krugman.

"Os Estados Unidos têm uma capacidade ilimitada de expandir o gasto público para conter a recessão", afirma Cintra, sublinhando a palavra "ilimitada". "Durante a Segunda Grande Guerra, eles explodiram a dívida pública e o déficit. A guerra foi financiada com déficit e emissão de moeda. Depois da Guerra ajustaram; devem tentar algo semelhante", explica o professor da Unicamp. Nos próximos três anos, a previsão é de o déficit público bater os US$ 2,9 trilhões. Parece muito. Mas depende de quem é o devedor.