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A ISTOÉ saiu às ruas de São Paulo para saber qual é a principal culpa que assombra as pessoas numa das maiores cidades do mundo

 

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Você tem dado atenção suficiente aos seus filhos? Cuida da saúde? Consegue cumprir todas as metas no trabalho? Leva uma vida sustentável? Faz algum tipo de trabalho voluntário? Tem investido na sua capacitação profissional? São poucas as pessoas que conseguem responder a todas essas questões com um sonoro e convincente sim. Entre as que dizem não, muitas se sentem invadidas por uma sensação de decepção consigo mesmas. E do incômodo inicial nasce um sentimento mais perene, profundo e complexo: a culpa. Culpa por não ficar com os filhos, por não fazer atividade física nem se alimentar direito, ou por deixar para depois aquela pós-gradução ou curso de línguas que iria impulsionar a carreira. A culpa é uma incômoda companheira da contemporaneidade.

“Temos a impressão de que somos permissivos, o que, em tese, reduziria as expectativas e diminuiria a sensação geral de culpa”, diz Oswaldo Giacóia Júnior, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (Unicamp). “Mas essa permissividade é só fachada.” Sob o manto dessa suposta liberdade crescem expectativas cada vez mais numerosas e subjetivas, como a do corpo perfeito, do sucesso profissional e da família da propaganda de margarina, que funcionam como grandes forças geradoras de ansiedade. “Vivemos numa época em que a culpa é mais mortal do que nunca”, argumenta Giacóia. Para ele, hoje os parâmetros de excelência se multiplicaram e acompanhá-los virou uma tortura. Estamos num tempo da cobrança insistente por um ideal que muitas vezes não sabemos nem qual é.

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Destrinchar as fontes de culpa tem sido um desafio dos especialistas em comportamento. Aprender a lidar com elas seria o próximo passo. Todo método que pretende ajudar a encarar as manifestações do sentimento parte de sua origem. De maneira geral, a semente está no desejo da perfeição – física, profissional, pessoal ou espiritual –, que, por ser inatingível, leva à frustração, mas no processo nos força a ultrapassar nossos limites. São muitos os exemplos que mostram quão distantes estamos de abandonar metas impossíveis. O aumento de casos da chamada síndrome burnout, uma espécie de esgotamento intelectual e físico, é um deles. Embora não haja estatísticas consolidadas sobre o tema, sabe-se que entre 1998 e 2008 o número de trabalhos acadêmicos sobre o assunto subiu de 231 para 390, segundo a TransInsight, entidade que cataloga documentos científicos. E nos consultórios também cresceu a procura por tratamento. “Não é só o diagnóstico que ficou mais fácil, o número de casos também vem aumentando”, explica Duílio Camargo, da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt).

As vítimas do burnout geralmente chegam ao médico submersas em responsabilidades e metas impossíveis. Insônia, dores de cabeça crônicas e distúrbios gastrointestinais são alguns dos sintomas. “Embora o diagnóstico surja à luz do esgotamento profissional, é muito comum identificar o stress generalizado em quem sofre do mal”, afirma Camargo. Faz sentido, visto que os sintomas afetam a vida como um todo. “O mundo moderno exige super-homens e supermulheres”, diz ele. E superespécimes humanos. A exigência de beleza física é outro lado da busca pela perfeição. A evolução das cirurgias plásticas estéticas no Brasil mostra isso. Segundo pesquisa da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, entre 2007 e 2008 foram feitos 629 mil procedimentos no País, 72,7% dos quais intervenções estéticas. Vale tudo na busca pelo ideal de beleza, que, quando não é atingido, deixa latente o sentimento de culpa.

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CULTURAL
O inglês Paul Morgan quer aprender português, mas não tem disciplina

Essa sensação também cria uma fantasia de controle sobre o caos que é a vida. “É comum as pessoas dizerem que algo deu errado porque elas não agiram de determinada maneira”, explica o psiquiatra Júlio César Walz, do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Como se dependesse somente delas o sucesso ou o fracasso de um negócio ou relacionamento. “É existencialmente desagradável perceber que as coisas não estão tão condicionadas ao que se faz a respeito delas”, afirma Paulo Sergio Rosa Guedes, psiquiatra e coautor com Walz do livro “O Sentimento de Culpa” (Ed. Walz, 2009). Mas isso não significa que devemos desistir de combater as manifestações incômodas desse sentimento. Sob as questões existenciais habita a praticidade da vida diária, com culpas que dominam nossa rotina de maneira desproporcional. E, para alguns, lidar com elas é mais difícil do que para outros.

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Karla Sabah passa semanas fora.
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PARTE 2