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Mulheres de quatro gerações de uma mesma família contam as suas histórias sobre sexo e anticoncepcional. Confira os depoimentos

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"Parei de tomar e engravidei", mãe reconhece descuido. "Minhas amigas tomam pílula do dia seguinte", diz filha. Assista ao segundo bloco da reportagem

 

 

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QUATRO GERAÇÕES
Aline, 19 anos, Alice, 63, Doralice, 85, e Adriana, 39: as mulheres da família Moraes
são o retrato das mudanças provocadas pelos anticoncepcionais

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Ao se casar, com toda pompa e circunstância, aos 19 anos, no longínquo ano de 1944, Doralice Meirelles de Moraes tinha apenas uma certeza: ter quantos filhos Deus quisesse. Temendo que a vontade divina fosse demasiada, ela e o marido adotaram o preservativo entre uma gravidez e outra. Mesmo assim, nasceram cinco filhos, sendo quatro mulheres. Para suas meninas, a dona de casa ensinou o melhor método contraceptivo que conhecia. “Cuidem de suas ‘caixinhas’”, repetia, a cada saída da prole. Alice, hoje com 63, seguiu o conselho da mãe à risca. Em 1969, aos 22 anos, cruzou virgem a nave da igreja, de véu e grinalda. E voltou da lua de mel grávida. Tudo dentro dos conformes. Mais tarde, adotou o anticoncepcional oral. Com Adriana, 39, a filha gerada na viagem pós-nupcial, foi diferente. Ela começou a usar pílula aos 16, em 1986, para dar início à vida sexual com o primeiro namorado. Aos 20, num descuido na ingestão dos comprimidos, engravidou de Aline. Um ano depois, já casada, outro lapso e outra gestação. Mesmo assim, ela não desistiu do método, que adota até hoje. Aline, 19, não teve uma boa experiência com a pílula, que usou em 2008, aos 17 anos. Ela garante que, por menor que seja a dosagem hormonal, ataca sua gastrite. Portanto, quando tiver um relacionamento fixo, diz que vai optar pelos métodos não orais, como o implante ou o adesivo.

A avó Alice, a mãe Adriana e a neta Aline representam as três gerações da pílula anticoncepcional, que completa 50 anos em maio. No auge de sua maturidade, ela se consolida como um ícone da libertação da mulher, tem quase 100 milhões de usuárias no mundo e virou parte da realidade feminina. Durante cada ano de sua história, o medicamento foi sendo aperfeiçoado e trouxe mais qualidade de vida para quem o utiliza, além de melhorar significativamente a qualidade das relações entre os sexos. Pois, afinal, os homens também foram diretamente atingidos pelo comprimido milagroso que, da mesma forma que impede uma gravidez indesejada, deixa as mulheres livres para exercitar sua sexualidade. No entanto, o método ainda gera dúvidas, inseguranças e polêmicas. Para muitas pessoas, não é o caminho ideal, embora seja considerado o mais seguro. Cientes de que ainda há muito a ser feito, cientistas e laboratórios do mundo todo se debruçam em pesquisas com o intuito de tornar o contraceptivo cada vez mais natural. E no ano de seu cinquentenário, a pergunta que surge é: como será a pílula que a filha de Aline usará?

Os especialistas apostam que a quarta geração terá à disposição produtos bem diferentes dos que hoje estão disponíveis no mercado. As meninas que estão nascendo agora poderão vivenciar a contracepção ecológica e compartilhada (há vários estudos para o desenvolvimento da pílula masculina). Cada vez menos químicas, as pílulas atuais, com 12 vezes menos hormônios que as pioneiras, não são tão agressivas ao organismo humano como eram no início. E, em breve, passarão também a ser menos prejudiciais ao meio ambiente. Sim, o futuro da pílula traz embutida em sua composição a preocupação com o impacto ecológico – ao longo da última década surgiu vasta literatura científica sobre os malefícios dos hormônios descartados através da urina nas espécies que vivem nos rios. Um estudo feito pela Brunel University, na Inglaterra, em 2009, provou que os produtos químicos usados para sintetizar o estrogênio, o hormônio produzido pela mulher em idade fértil, estão diretamente ligados à infertilidade dos peixes machos de alguns rios ingleses.

A “pílula verde” já é uma realidade nas prateleiras europeias, com o lançamento da Qlaira, novo produto dos laboratórios Bayer Schering Pharma. O medicamento, que deve chegar ao Brasil ainda neste ano, é o primeiro da história a ter em sua composição o estrogênio natural – o próprio estradiol produzido pelo corpo da mulher, e não mais sua versão sintética. “Ainda não dá para saber se a Qlaira e outras do gênero que certamente surgirão não vão causar impacto ambiental, mas, em tese, elas serão menos nocivas”, diz o ginecologista Eliezer Berenstein, que acompanha as mudanças do anticoncepcional e das mulheres há 38 anos. Além das pílulas ecológicas, métodos que não passam pela via oral tendem a ganhar cada vez mais espaço, pois não são sintetizados pelo fígado e expelidos pela urina. A onda da contracepção verde ganha força por pressão das próprias mulheres, afinal as novas gerações estão cada vez mais afinadas com os problemas ambientais, em especial com o futuro da água.

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 “A anticoncepção ecológica é o futuro da pílula: menos
nociva ao corpo e ao meio ambiente”
Eliezer Berenstein, ginecologista

A influência da pílula na libido feminina também está sendo objeto de estudo. Uma pesquisa feita pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) com 500 mulheres entre 15 e 45 anos mostrou que uma em cada três entrevistadas afirma que o uso da pílula melhora a satisfação sexual – 11% delas acham que até aumenta o desejo. Mas também não há nada provado nesse sentido. “É o fato de não ter medo de engravidar que as liberta para uma relação mais tranquila”, comenta o ginecologista e especialista em sexologia da Febrasgo, Gerson Lopes. “De qualquer forma, é hora de começar a falar sobre a relação do uso da pílula com a sexualidade dentro dos consultórios, o que praticamente não acontece.” Um medicamento que, além de funcionar como contraceptivo, estimule o desejo sexual também está em pauta nas linhas de pesquisa atuais.

Outra exigência feminina que começa a aparecer é a da contracepção compartilhada – mas não mais a dupla “ela com pílula, ele com camisinha” que se prega hoje. A aposta é que uma pílula masculina seja desenvolvida ainda nos próximos dez anos. Está em desenvolvimento, por exemplo, uma à base de progesterona, combinada com implantes de testosterona. Também há uma experiência com a substância gossipol, extraída da semente de algodão, que inibiria a ação dos espermatozoides. Uma das razões para tal investimento é o fato de as rédeas da contracepção estarem historicamente nas mãos das mulheres. E, cada vez mais, por um período mais prolongado, já que a primeira gravidez tem sido postergada. Um estudo ainda inédito realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) no começo do ano, com mais de três mil mulheres, revela que, entre as usuárias, 35% tomam pílula há mais de dez anos. Nos consultórios, elas costumam ouvir de seus médicos que o longo uso não é um problema. O drama da infertilidade seria muito mais em decorrência da gravidez tardia que do uso contínuo da pílula, embora haja uma corrente de ginecologistas mais cautelosos que não sustentam tantas certezas assim.

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Apesar das investidas para que os homens sejam incluídos na contracepção, essas iniciativas ainda são exercício de futurismo para a estudante Aline, que, aos 19 anos, está acostumada a tomar todo o cuidado sozinha. Segundo a jovem, em seu círculo social são as meninas que tomam o comprimido e exigem a camisinha. E, quando tudo dá errado, tomam a pílula do dia seguinte – prática que cresce a cada dia entre as mais novas. “Os meninos se preocupam sim com uma gravidez indesejada, esse é o grande medo deles”, conta. “Mas a preocupação deles se resume a perguntar se a gente está tomando alguma coisa.” Um dos grandes méritos da pílula foi pôr o controle da natalidade nas mãos das mulheres. Com os relacionamentos cada vez mais igualitários, no entanto, a tendência é que elas queiram compartilhar esse cuidado.

PARTE 2