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Desembarcou nas livrarias de todo o País no sábado 24 um dicionário que é tão imprescindível a quem quer escrever bem e certo, enriquecer o vocabulário e formar opinião sobre os mais diversos assuntos quanto é a Bíblia na casa de qualquer religioso que leva as suas preces a sério. Trata-se do “Grande Dicionário Sacconi da Língua Portuguesa” (Editora Nova Geração), com 2.088 páginas e 200 mil verbetes atualizados. Impressa em papel-bíblia, a obra que pesa 2,4 quilos se diferencia dos demais dicionários pela apresentação gráfica, que torna as consultas mais fáceis e rápidas, e, principalmente, pelo seu conteúdo, totalmente finalizado sob as regras da nova ortografia portuguesa. Resultado de quatro décadas de pesquisas, o novo dicionário não se limita a informar o significado ou a categoria gramatical dos verbetes.

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“Os dicionários têm de acompanhar os tempos. Mesmo não gostando de palavras
desta época politicamente correta, acho que eles devem registrar as novas expressões”

Zeca Baleiro, cantor e compositor

Em suas páginas, as palavras ganham também um significado contextualizado, tanto a partir de opiniões do próprio autor quanto a partir de referências históricas e literárias respaldadas nas obras mais conceituadas do País. Outra característica que faz do dicionário recém-lançado mais do que um tradutor de palavras é a incorporação, sem preconceitos, de termos usados na linguagem cotidiana, que vão desde as gírias faladas em bares, estádios de futebol e nos corredores do Congresso Nacional até aqueles que são provenientes das mais recentes áreas do conhecimento, como a informática e a tecnologia em geral. Há inclusive verbetes que remetem o leitor aos heróis das histórias em quadrinhos. Apenas como exemplo, é o único dicionário disponível no País que define tucano não somente como um pássaro da fauna brasileira, mas também como um militante do PSDB. “Um dicionário é mais do que um manual de consulta.

É um instrumento de formação”, diz a especialista em livros didáticos Maria da Graça Krieger, professora da Universidade do Vale do Rio
dos Sinos, no Rio Grande do Sul.

Nesses tempos de reforma ortográfica, em que estudantes, escritores eventuais e até profissionais ainda se perdem entre o que mudou na nossa língua escrita, a obra de Luiz Antônio Sacconi traz a vantagem de seguir rigorosamente as regras estabelecidas para a nova ortografia. É um dicionário que supre carências e lacunas dos anteriores. “Estar sintonizado com a atualidade é obrigatório para um bom dicionário”, afirma Maria da Graça. “E hoje em dia essa atualização tem de ser cada vez melhor e maior.” Outra atualidade que coloca a obra na linha de frente é a substantiva quantidade de novos termos, vindos de áreas mais recentes do conhecimento humano. Já estão registradas no Sacconi centenas de expressões como photoshop, plug-in, spam, roaming, firewall, blogosfera e password, a famosa senha, bem melhor que o anglicismo usado em Portugal: palavra-passe.

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Ao construir assim essa obra que é a menina de seus olhos, e à qual dedicou 42 anos de sua vida (ele conta tudo sobre palavras, mas não conta a idade), Sacconi aponta para o futuro da língua e garante a longevidade da obra por meio de uma concepção moderna e pouco acadêmica. “Os dicionários têm de acompanhar os tempos. Mesmo não gostando de palavras desta época politicamente correta, acho que os dicionários têm de registrar esse fenômeno”, diz o cantor, compositor e articulista Zeca Baleiro, ele próprio um habitual usuário do popularmente chamado pai dos burros. “Quanto mais amplo o vocabulário de uma pessoa, mais rica ela é interiormente. Por isso, quanto mais incorporar novas expressões, mais úteis os dicionários serão”, diz o poeta carioca Eucanaã Ferraz. Segundo o filólogo Domício Proença Filho, primeiro-secretário da Academia Brasileira de Letras, há a estimativa de que uma pessoa com nível médio de escolaridade tenha um vocabulário entre três mil e cinco mil palavras que são utilizadas cotidianamente. Se tal número for somado ao chamado vocabulário passivo (aquele do qual raramente se lança mão), temos um total de cerca de 20 mil expressões. De acordo com Proença Filho, Machado de Assis, um dos mais geniais escritores brasileiros, valeu-se de aproximadamente 16 mil vocábulos para escrever seus livros – um número insignificante se comparado às 500 mil palavras que se supõem totalizar o léxico atualmente.

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“Estar sintonizado com a atualidade é obrigatório para um bom dicionário”
Maria da Graça Krieger, professora da Unisinos

Se o grande desafio que se coloca aos dicionaristas é a adição de novos termos, o “Grande Dicionário Sacconi da Língua Portuguesa” sai-se muito bem. Uma língua não para de incorporar novas expressões, devido, principalmente, a um fenômeno da linguística chamado neologia. Ele ocorre quando uma palavra ganha uma acepção nova, criada pelo seu uso cotidiano. Eis um exemplo recente e que a obra agora lançada já traz em suas páginas: mensalão, conceituado como “mesada paga a parlamentares, por membros do governo, em troca de votos a favor do governo”. Ao definir neologismo, um dos pontos fortes de seu trabalho, o próprio Sacconi se mostra abertamente favorável a essa incorporação de novos significados. Segundo ele, as sucessivas conquistas da tecnologia moderna obrigam-nos a isso num frenético ritmo: “Palavras como acessar e formatar, por exemplo, são correntes e absolutamente necessárias, não devendo ser evitadas em nome de um purismo empoeirado, já sem nenhum sentido”.

O escritor e jornalista Humberto Werneck, autor do best seller intitulado “O Pai dos Burros” (compilação de frases feitas) e compulsivo consulente de dicionários, defende a mesma tese: “Um bom dicionário tem de ter aquilo de que se servem seus usuários, sejam eles eruditos ou não. Deve incorporar neologismos que resistam minimamente à moda.”

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“Quanto mais incorporar novas expressões, mais úteis os dicionários serão”
Eucanaã Ferraz, poeta

É justamente isso que faz Sacconi, numa demonstração de que está à frente de seu tempo. Além de “tucano” e “mensalão” , ele buscou termos como modelito, chocólatra, canetar, teimosinha e ousou dicionarizar até a questionável palavra popozuda. Ao conduzir com arrojo metodológico o seu trabalho, segue o exemplo dos autores do elogiado dicionário inglês Oxford, que apresenta um verbete equivalente a esse termo brasileiro: “bootylicious”, inventado pela cantora Beyoncé. “Se determinada palavra existe, se tem curso na sociedade, embora politicamente incorreta ou mesmo chula, ela tem de estar registrada em dicionário”, diz Sacconi.

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“Por meio de um dicionário se redescobrem as palavras.
Um termo usado com exatidão emociona”

Adriana Falcão, escritora

Coordenadora há 17 anos de uma pesquisa inédita sobre neologismos na Universidade de São Paulo, a professora Ieda Maria Alves crava que 12% dos estrangeirismos que saltaram do inglês para o português têm origem na música pop, enquanto aqueles relacionados à tecnologia respondem apenas por 8%. Segundo Ieda, para dar conta dessa agilidade cada vez maior da linguagem, o dicionarista não deve se prender somente às referências literárias, como se operava no passado, mas abarcar também o jornalismo, a internet e a língua falada nas ruas, como faz Sacconi em seu dicionário. E é ele próprio, o autor, quem ensina: “Todo bom dicionarista tem de ter o espírito de garimpeiro das palavras. Se não for assim, a sua obra já nasce defasada.” Estudos franceses mostram que somente 30% das gírias e neologismos entram para o léxico e essa é mais uma dificuldade que o dicionário Sacconi supera: se escolher o que dicionarizar é o grande dilema, como afirma a professora gaúcha Maria da Graça, “porque muitas palavras novas não pegam”, o segredo é colocar na obra o que pelo menos se intui que vai pegar.

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Se o “Grande Dicionário Sacconi da Língua Portuguesa” faz a diferença através da apresentação da ortografia já reformada e do número de neologismos acrescidos na obra, torna-se também um “livro de cabeceira”, por ousar e oferecer mais do que o significado de uma palavra. Ele tem a ousadia de editorializar e contextualizar alguns sinônimos, permitindo que se forme uma opinião. É o caso, por exemplo, dos verbetes “impunidade” e “Abolição da Escravatura”. O primeiro ele define como “falta da devida punição ou penalidade”. O segundo é traduzido como “ato conhecido como Lei Áurea assinado pela princesa Isabel (…)”. E vai além, agora interpretando e colocando o dedo na ferida: “a impunidade é um dos grandes males que afligem o Brasil na atualidade (…) o indivíduo mata e logo em seguida é solto (…)”.

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“O dicionarista inova quando não se prende somente
às referências literárias, como se fazia no passado”

Ieda Maria Alves, professora da USP

Quanto à abolição, ele opina na seguinte direção: “Quando foi assinada a Lei Áurea havia setecentos mil escravos no Brasil, que de repente se viram sem abrigo, sem comida, sem trabalho, sem dinheiro, sem preparo ou instrução e até mesmo sem nome de família. Sem nada.” Pesquisador preciosista e compulsivo, o autor chegou ao recorde de 104 acepções para o verbo “fazer”, quase o dobro das que são oferecidas por outros dicionários bastante famosos. “O trabalho de pesquisa é o que mais ocupava o meu tempo”, diz Sacconi. “Redigir o verbete era mera consequência. Havia dias em que eu finalizava 20 deles, mas também aconteceu de passar 20 dias somente estudando.”

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“Um bom dicionário deve incorporar neologismos que resistam à moda”
Humberto Werneck, jornalista e escritor

Tanto apuro levou àquilo que a escritora e autora de programas de televisão Adriana Falcão, uma usuária fanática de dicionários, define como “a emoção de uma palavra explicada com exatidão”. Para alcançar todo o seu objetivo, o autor, à base de muita transpiração e não somente inspiração, trabalhou em média 15 horas por dia, isso quando se muniu de um computador e abandonou o seu velho hábito de escrever à mão ou à máquina. “Labutei da letra A à Z, mas com retornos incontáveis.

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Ninguém elabora um dicionário até o Z e, ao cabo dessa letra, encerra a obra.” O dicionário chega ao público a um custo de R$ 248,50 e tem todos os ingredientes para satisfazer os mais exigentes. Já Sacconi não se dá por satisfeito: “Sou perfeccionista sem todavia ter alcançado a perfeição. Se eu reler o meu trabalho, vou sempre querer aprimorar algumas definições que dei.” Foi assim que ele atravessou quatro décadas preparando o mais moderno, preciso e atualizado dicionário já editado no Brasil.

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