Ficamos com medo e ansiosos na hora de partir de Beirute. O nosso ônibus saiu às 8h05 e desde 7h30 os israelenses estavam bombardeando a capital libanesa. Um ataque poderia acontecer a qualquer hora, em qualquer lugar. A polícia libanesa saiu na frente nos escoltando. Uma bandeira brasileira enorme foi colocada no ônibus. A bandeira verde-amarela impõe respeito”. Foi com essas palavras, emocionada e ainda temerosa, que a comerciante brasileira Joheina Maskara descreveu a ISTOÉ sua partida às pressas do Líbano, sob intenso bombardeio de Israel desde a quarta-feira 12. Joheina estava com suas filhas Tamara, 19 anos, e Aline, 17. Com ela, outros 84 brasileiros foram resgatados de uma base americana em Adana, na Turquia, pelo velho Boeing 707 da Força Aérea Brasileira, conhecido como “Sucatão”. Assim como muitos de seus compatriotas, Joheina deixou para trás parte de sua família – o marido só deverá retornar ao Brasil nos próximos meses. A comerciante, que estava em férias com a família em Trípoli, também no Líbano, conta que só voltou para salvar suas duas filhas. “Estávamos na casa da montanha quando ficamos sabendo que o Itamaraty retirava brasileiros. Havia muita desinformação, mas soubemos que um ônibus partiria logo cedo de Beirute. Quando chegamos, as pessoas corriam para garantir um assento. No ônibus, três moças com filhos pequenos, com idade em escadinha. Havia mulheres com bebês também. Não sei como elas conseguiram atravessar com as crianças nesse clima de tensão”.

De Beirute partiram para a fronteira da Síria com a Turquia. “Pediram os nossos passaportes e ficamos esperando. A polícia da Turquia fiscalizou tudo. Houve uma certa apreensão. Na fronteira, gente de diversas nacionalidades, a maioria franceses e italianos. O Líbano é um país turístico. Quando chegamos ao aeroporto de Adana, o avião já estava ligado, esperando para que embarcássemos”, diz Joheina. A comerciante conheceu o marido no Líbano em 1982, ano em que o país foi invadido pelo Exército de Israel: “Eu já tinha visto isso antes, mas desta vez fiquei mais abalada.” Hiba Chawa, 37 anos, que foi ao Líbano mostrar aos avós a filha mais nova, Dana, oito meses, também estava entre os brasileiros resgatados. Ela viajou com outros dois filhos, Homar, cinco anos, e Nur, sete. Quando os bombardeios começaram, ela não deixou os filhos olharem pelas janelas do apartamento em Beirute, de onde ouviam o som dos aviões e das bombas. Inventou para as crianças a história de que os barulhos provinham de fogos em comemoração à Copa do Mundo. “Que culpa têm as crianças?”, diz. Hiba, Joheina e outros 83 brasileiros, cinco argentinos e oito libaneses tiveram a sorte de escapar. O Sucatão pousou no Recife na terça-feira 18 para depois aterrissar no Rio de Janeiro e em São Paulo. Mas não tiveram o mesmo destino os brasileiros Basel Imad Termos, sete anos, e os comerciantes Dib Barakat, 62, e Rodrigo Aiman Daher, 35. Na semana passada, uma família brasileira já havia morrido sob os bombardeios na cidade de Srifa, no sul do Líbano: Akil e Ahlam Merhi e seus dois filhos. Até agora, a invasão de Israel já provocou a morte de 300 pessoas no Líbano, a maioria civis.

Natural de Foz do Iguaçu (PR), o menino Basel estava em Taloussa, cidade a 12 quilômetros de Beirute. Na terça-feira 18, ele tomava o café da manhã com a mãe, Manal, 24 anos, e o irmão Samih, quatro, e outros parentes quando três mísseis israelenses atingiram a casa onde estavam. Também morreram o tio de Basel, Ali, 17 anos, e a tia Bahige, 70, ambos libaneses. O comerciante Dib Barakat era libanês naturalizado brasileiro que morou 20 anos em São Bernardo do Campo e foi subprefeito de Riacho Grande. Ele vivia com a mulher e os filhos há dez anos no Vale do Bekaa, no norte do Líbano, região onde moram muitos brasileiros. Barakat morreu na quarta-feira 19, quando sua fábrica de móveis foi bombardeada. Como se não bastasse, durante o seu enterro houve um ataque israelense a 50 metros do cemitério. Já o libanês naturalizado brasileiro Rodrigo Aiman Daher foi atingido quando estava num café na cidade de Sur, a 100 quilômetros de Beirute.

Muitos brasileiros que ainda não conseguiram sair do Líbano estão com medo e têm pouca informação sobre as providências que o governo brasileiro está tomando para retirá-los. “Está todo mundo apavorado”, diz o cônsul-adjunto Fernando Vidal. Segundo o Itamaraty, existem oito mil brasileiros matriculados no consulado, mas muitos não estão registrados. Até agora, 122 brasileiros foram resgatados do Líbano e outros 500 desejam sair do país. Nos próximos dias, o Itamaraty inaugura o Escritório Temporário de Atendimento a Brasileiros em Adana, na Turquia, um consulado temporário para emissão de passaportes, telefones e informações.