"Aprendi tudo com João Havelange, foi meu grande professor"
Ricardo Teixeira, presidente da CBF

 

Dias atrás, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, foi interpelado pela filha caçula, Antônia: “Pai, eu vou ter 14 anos na Copa no Brasil. Vou querer levar todos os meus amigos, você me arranja ingressos, né?” Teixeira sorriu para a filha de sete anos, uma entre os milhões de brasileiros empolgados com a realização do mundial no País em 2014. Afinal, será a chance de, 64 anos depois, enterrar de vez aquele triste 16 de julho de 1950, quando um gol de Ghiggia, do Uruguai, calou um Maracanã lotado, e realizar o sonho de vencer o mundial em casa. Ricardo Teixeira será um dos protagonistas deste espetáculo. Trazer a Copa do Mundo para o Brasil foi a conquista do ano desse hábil mineiro, de sorriso contido e forte sotaque de carioca. “Nossa grande vitória foi manter o rodízio de continentes até 2014”, diz ele, sobre as articulações na Fifa, entidade máxima do futebol. O maior evento esportivo do planeta é gigante em números: poderá custar US$ 5 bilhões ao País, mas significará muito mais em investimentos na infra- estrutura, atrairá algo como 500 mil turistas estrangeiros (10% do que recebemos anualmente) e impulsionará a economia – países-sedes ganham, em média, um ponto percentual no PIB no ano da Copa.

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

Na fazenda Ricardo, a mulher, Ana Carolina, e a filha caçula, Antônia: é no campo que ele recarrega as baterias

Há 18 anos no comando da CBF, Teixeira, 61, entrou no mundo da cartolagem pelas mãos do ex-sogro, João Havelange. “Aprendi tudo com ele, foi meu grande professor”, afirma. Coincidência ou não, o fato é que nas cinco vezes em que o Brasil ganhou a Copa (58, 62, 70, 94, 2002) um dos dois estava à frente da CBF. “Meus filhos podem dizer que a taça está na família”, brinca Teixeira, pai de quatro filhos, três do primeiro casamento, e avô de três netos. Depois de comandar a confederação brasileira, Havelange tornou-se, em 1974, presidente da Fifa e lhe deu a estatura que a entidade tem hoje, com inúmeros campeonatos masculinos e femininos, beach soccer e futsal.

Infância Ele cresceu jogando bente altas, que se parece com beisebol, e futebol com bola de meia. “Era ruim no futebol”, diz Teixeira

Flamenguista, freqüentador do Maracanã, Teixeira virou presidente da CBF depois de uma hábil costura. Nas eleições de 1983 e 1986 os candidatos apoiados por Havelange – e conseqüentemente por ele – perderam. Em 1989, Teixeira era o candidato da oposição. “Eram 26 federações. Quando faltavam dois meses para as eleições eu já tinha comido uns 18 votos”, conta. Inimigo de Nabi Abi Chedid, então vice-presidente da CBF, Teixeira terminou a campanha como candidato único, sendo apoiado inclusive por Nabi, que virou seu vice. “Ele foi um amigo de uma vida inteira, de uma lealdade absurda”, diz ele sobre o dirigente que morreu no ano passado.

Família Ele se casou duas vezes. Acima, com os quatro filhos, Joana, Beto, Antônia e Rico. Ao lado, com os pais em Minas Gerais

Teixeira diz que saber perder é sua maior qualidade, mas o que salta aos olhos é sua habilidade para negociar. É isso que lhe garante longevidade na cobiçada presidência da CBF (deverá ser reeleito até 2014) e prestígio na Fifa. “Não sou rancoroso”, garante. A CBF e o São Paulo, por exemplo, viviam às turras. Em 2005, quando o time paulista ganhou o Mundial Interclubes no Japão, iniciou-se uma aproximação – integrante da comissão de arbitragem da Fifa, Teixeira sempre assiste à final em Tóquio e todos os meses vai a Zurique, na Suíça, onde fica a sede da entidade. “Ele e o então presidente do clube, Marcelo Portugal Gouvêa, tinham uma relação cordial. Com a vitória, o Ricardo Teixeira mostrou-se contente e esteve ao nosso lado”, conta Marco Aurélio Cunha, superintendente de futebol do time. Hoje o convívio é amistoso. Marco Aurélio diz que uma das maiores contribuições de Teixeira ao futebol brasileiro é a manutenção das regras, sem viradas de mesa, sobretudo o campeonato de pontos corridos. “Esta é uma vitória extraordinária dele porque as tevês eram contra.”

Teixeira trouxe para a CBF sua experiência de administrador, de quem atuou 20 anos no mercado financeiro no Rio de Janeiro. Quando assumiu a presidência, a entidade estava pendurada em dívidas com a Varig, os jogadores não haviam recebido o prêmio da Copa de 86 e a taça Jules Rimet, do tricampeonato no México, estava penhorada. “A CBF vivia de dinheiro do governo”, diz ele. Hoje, tudo é privado. Só o contrato de patrocínio da Nike com a Seleção Brasileira, que vai até 2018, rende US$ 12 milhões por ano. O contrato, assinado em 1996, gerou muita polêmica e até CPI no Congresso. Mas Teixeira nunca deu sinais de abatimento. “Ele não se encolhe. Por maior que seja o empecilho, ele se agiganta”, diz Fábio Koff, presidente do Clube dos 13.

Herança, talvez, do colégio interno. Ricardo Teixeira nasceu em Carlos Chagas, no Norte de Minas, e com um mês sua família mudou-se para Belo Horizonte. Cresceu batendo bola de meia recheada de panos velhos e disputando partidas de bente altas, antigo jogo de rua que lembra o beisebol. “Jogava na lateral direita, mas era ruim no futebol. Na bente altas eu era muito bom”, conta. Seu pai, funcionário do Banco do Brasil, era transferido com freqüência de cidades. Aos nove anos, foi interno no colégio durante um ano e meio. “Lá, a gente aprende de qualquer maneira a se virar”, diz Teixeira, que era o número 14. Aos 14 anos, seguiu com a família para o Rio de Janeiro. Três anos depois, quando seu pai foi transferido novamente, ele ficou. “Já namorava minha primeira mulher, estava engrenando na faculdade, não fazia sentido ir embora.”

As raízes mineiras sobrevivem na sua paixão por fazenda. Ele possui uma propriedade na pequena Piraí, no Estado do Rio, onde cria gado e cultiva um projeto ambicioso em genética. Montar a cavalo é outro hobby, mas por causa de um tombo anos atrás ele ficou com pinos na perna direita e alguns movimentos limitados. Lá é seu refúgio, para onde escapa nos fins de semana das pressões inerentes a quem está numa posição-chave, que inspira amor e ódio. Por isso, quando especula sobre seu futuro depois de 2014, Teixeira não fala da hipótese de seguir os passos de seu mentor e virar presidente da Fifa. “Vou ser prefeito de Piraí!” Com a experiência dos anos de CBF deve ser fácil conquistar eleitores. O difícil é achar quem acredite que Ricardo Teixeira vá encerrar sua carreira assim.