PROFISSÃO REDESCOBERTA A parteira Vilma Nishi (no centro)
é enfermeira-obstetra e faz partos em casa desde 2002:
"São mulheres que acreditam na natureza e que, ao
passarem por esse processo, estarão vivendo a feminilidade
delas o mais intensamente possível"

"Coisa de doido!". Foi essa a primeira impressão da pediatra Ana Paula Caldas Machado, 39 anos, ao ler em um site relatos de mães que preferiram ter seus filhos em casa com a ajuda de uma parteira em vez de recorrer à segurança de um hospital. Dois anos e oito meses depois, em 2004, era Ana quem dava à luz em casa. Atualmente, grávida pela terceira vez, ela também quer que o bebê nasça bem longe de um hospital. "Fiquei maravilhada com o nascimento da Lis", diz Ana, que está no quinto mês de gestação de um menino.

Assim como Ana, cada vez mais mulheres com bom poder aquisitivo, seguro saúde e acesso aos melhores hospitais de São Paulo e Rio de Janeiro, estão preferindo parir como nossas avós. No Brasil, onde o índice de cesáreas é um dos mais altos do mundo – 80% dos nascimentos na rede hospitalar privada -, o parto com assistência de parteiras tem atraído mulheres com receio de enfrentar uma cirurgia desnecessariamente e que repudiam intervenções médicas como anestesia e episiotomia (corte na região do períneo para facilitar a saída do bebê). Nos últimos sete anos, o Rio de Janeiro sediou dois congressos internacionais sobre o assunto. E o interesse vem crescendo: "Em 2003, eu fiz cinco partos em casa, em 2006 foram 42", diz a parteira carioca Heloísa Lessa, 46 anos. Enfermeira obstetra, ela faz partos domiciliares há 18 anos, desde que voltou de uma viagem de dois meses na Amazônia, onde isso é comum – nesse caso, por falta de opção. Ela ajudou a trazer ao mundo 144 crianças e, hoje, realiza cinco partos em casa por mês.

"Não é uma coisa de bicho-grilo, de querer ser diferente e parir de uma maneira alternativa", diz a parteira Vilma Nishi, 53 anos. "São mulheres que acreditam na natureza e que, ao passarem por esse processo, estarão vivendo a feminilidade delas o mais intensamente possível." Também enfermeira-obstetra, formada há 30 anos, Vilma sempre trabalhou em hospital e, frustrada com o aumento de cesáreas nas salas de parto, quase abandonou a profissão. Em janeiro de 2002 começou a atender em domicílio, em São Paulo e Campinas, e desde então ajudou 108 crianças a virem ao mundo no aconchego do lar. Um parto em casa custa entre R$ 2 mil e R$ 4 mil.

CLAUDIO GATTI

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FAMÍLIA UNIDA Andréa Prado teve a primeira filha em hospital
e os dois mais novos em casa: "Poder estar com o bebê
nas primeiras horas de vida não tem preço"

No caso da pediatra Ana, a mudança de opinião foi um processo longo, que influenciou não apenas sua vida, mas também seu trabalho. Ela é médica intensivista neonatal, em Campinas (SP). Há sete anos, Ana deu à luz seu primeiro filho, Miguel. Seu desejo era ter parto normal, mas ele acabou nascendo de cesareana. Motivo: sofrimento fetal. "Fiquei muito mal psicologicamente, foram anos de frustração. Até então eu achava que para ter parto normal bastava querer e ter um médico que não te enganasse – e isso eu tinha, minha obstetra é minha amiga", diz ela.

Um ano depois da chegada de Miguel, Ana foi aconselhada pela própria obstetra a visitar o site Amigas do Parto e lá teve acesso aos depoimentos das mães. "Como trabalho dentro de uma sala de parto, eu via que a maioria dos bebês precisava de algum tipo de assistência ao nascer. Até que um dia tive a iluminação de constatar que, quanto mais cedo a mulher grávida chegava ao hospital, pior o bebê nascia. Era por causa de tanta intervenção", acredita Ana. "Foram necessárias 30 horas de trabalho de parto para eu desaprender tudo que me ensinaram na medicina." Ter um filho em casa e voltar para o trabalho foi muito difícil para ela. "Só estou aqui por necessidade financeira", desabafa.

O site Amigas do Parto foi criado por quatro mulheres que defendem o chamado parto humanizado. Uma de suas fundadoras, a psicóloga Andréa Almeida Prado também viveu uma experiência frustrante em hospital. Sua filha mais velha, Elisa, hoje com sete anos, nasceu de parto normal, mas as regras e rotinas do ambiente hospitalar a desagradaram. Seus outros dois filhos, Francisco, quatro anos, e Marina, quatro meses, nasceram em casa, com a assistência de Vilma. Na opinião dela, o grande mérito dessa escolha nem é o parto em si, mas o pós-parto. "Poder estar com o bebê nos braços durante as primeiras horas de vida não tem preço. A minha filha conheceu os irmãos dez minutos depois de nascer e a família esteve junta nesse momento tão importante. Acredito que o vínculo que foi criado ali se reflete na relação que hoje tenho com ela", diz Andréa. Nem mesmo a dor assusta: "Parecia que eu estava sendo partida ao meio, mas o que fica é uma sensação enorme de realização", diz ela.

ROBERTO CASTRO

AO NATURAL Pediatra neonatal, Ana Paula Machado
já fez uma cesareana e, grávida do terceiro filho, planeja
dar à luz em casa

Geralmente, ter filho longe do hospital significa comprar briga com a família. "É normal a mulher que opta por ter seu primeiro filho em casa esconder de um parente ou conhecido", diz a parteira Heloísa. A sommelier Alice Ramos de Oliveira, 32 anos, não teve a aprovação da mãe quando decidiu, por influência de um casal de amigos, ter seu primeiro filho, Gabriel, hoje com um ano, em casa. "Ela não me apoiou por falta de informação. Hoje reconhece que fiz o melhor", diz Alice. A grande preocupação dos familiares é com a segurança da mãe e do bebê. Nesse sentido, as parteiras se cercam de cuidados. Parto em casa somente se a saúde de ambos estiver em ordem, se o pré-natal não teve intercorrências e se a gravidez não for múltipla. Fora isso, Vilma e Heloísa agem, mas de maneira diferente. Além de fazer o pré-natal, Vilma gosta de ter na retaguarda obstetra e hospital definidos, caso haja necessidade. Heloísa carrega ainda oxigênio e equipamento básico para alguma emergência. "Não levo isso porque dá para prever algum problema com o bebê com tempo hábil de remover para um hospital", diz Vilma.

O professor titular de obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Marcelo Zugaib, discorda. Para ele, todos esses cuidados não são suficientes no caso de a mãe ter um sangramento significativo ou de o bebê entrar em sofrimento fetal, por exemplo. "Quem garante que em uma cidade como São Paulo e Rio esses pacientes poderão ser removidos para um hospital a tempo? Além disso, a obstetrícia é um processo dinâmico e nem mesmo o melhor profissional do mundo consegue dizer se durante o trabalho de parto uma gravidez de baixo risco pode virar de alto", diz ele. Zugaib admite, porém, que intervenções médicas desnecessárias realmente são rotina em hospitais no Brasil. "Mas acredito que o caminho não seja parir em casa. Os riscos de uma anestesia ou os males de uma cesárea são reversíveis, mas a morte de uma mãe ou um dano cerebral em uma criança não", defende.

Heloísa concorda que na rotina médica tradicional é complicado prever alguma emergência, mas diz que seu trabalho é diferente. "O médico não acompanha a mulher o tempo todo. Ele aparece, examina e vai embora. A gente (parteiras) fica com ela e percebe os sinais de seu corpo. Antes de qualquer emergência, acontece uma febre, um pequeno mal-estar", explica. Ela afirma ainda que sangramento significativo da mãe pode estar ligado à condição psicológica dela. "O principal motivo de hemorragia materna é o útero da mãe não contrair depois do parto. Para que ele contraia é necessário ocitocina. Quer melhor maneira de a mulher produzir esse hormônio que deixá- la junto de seu bebê logo depois de ele nascer? No hospital, eles são separados", explica ela, que precisou remover grávidas para o hospital sete vezes. "Todas chegaram a tempo e seus filhos nasceram muito bem."

EXPERIÊNCIA Parteira há 18 anos, Heloísa trouxe ao mundo
144 crianças e só precisou transferir mães para o
hospital sete vezes


Zugaib afirma que uma alternativa seria levar a casa para o ambiente hospitalar, a exemplo do que ocorre há cerca de 20 anos nos Estados Unidos. O Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, é uma das instituições brasileiras que perceberam a demanda pelo parto humanizado. Lá, é possível a mulher dar à luz num quarto que reproduz o ambiente caseiro, com local até para acomodar a família. "Apesar da evolução da medicina, não podemos esquecer que o parto é um processo natural em nossa espécie", diz Mariano Tamura, obstetra da Maternidade do Albert Einstein.


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