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A repórter Rachel Costa, que esteve presente no Fórum de Santana durante os cinco dias do julgamento do casal Nardoni, comenta o caso

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A repórter Rachel Costa fala sobre as dificuldades enfrentadas pela imprensa na cobertura do julgamento do casal Nardoni

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Aos 29 minutos da madrugada do sábado 27, o juiz Maurício Fossen, que presidiu o júri do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Trota Jatobá, anunciou a decisão dos sete jurados que compuseram o conselho de sentença ao longo dos cinco dias de julgamento. Eles foram considerados “culpados” pelo brutal assassinato em São Paulo da garotinha Isabella, 5 anos, na noite de 29 de março de 2008 – ela era filha de Alexandre e enteada de Anna Carolina. Com voz firme e ritmada, olhando de frente para o casal, o juiz Fossen quantificou a pena: Alexandre foi condenado a 31 anos, um mês e dez dias de prisão e Anna Carolina, a 26 anos e oito meses. Eles terão ainda de cumprir oito meses de detenção, aí em regime semi-aberto, por fraude processual – ou seja, os jurados entenderam que, além de matar Isabella, o casal procurou dificultar as investigações alterando a cena desse crime que, por sua crueldade, mobilizou a opinião pública como jamais se vira.

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COMEMORAÇÃO
Na madrugada de sábado, em frente ao Fórum, multidão festeja a condenação do casal

Um silêncio sepulcral tomou conta da sala enquanto Fossen lia a sentença. Alexandre e Anna estavam algemados e, em alguns momentos, ele mordeu os lábios e levou as mãos aos olhos e nariz. Ela permaneceu impassível. Só choraram à 0h40 quando a sentença foi concluída, selando os seus destinos. Na primeira fileira de poltronas do plenário, os pais de Alexandre, Antonio e Aparecida Nardoni, mantiveram os olhos baixos enquanto ouviam o juiz. Atrás deles permaneceu o pai de Anna, Alexandre Jatobá. Na quarta fileira estavam os avós maternos de Isabella, José e Rosa Oliveira, ao lado da novelista Gloria Perez. Logo após a condenação, um policial advertiu a família para que contivesse a sua vontade de comemorar: “Aguenta mais um pouco”. A mãe, Ana Carolina Oliveira, que permaneceu em casa por causa de uma crise de stress aguda, soube do veredicto por meio de uma mensagem de celular enviada pela advogada Cristina Christo, assistente da acusação.

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VIGÍLIA
Atos para pedir Justiça reuniram pessoas de todas as idades

Na rua, diante do Fórum de Santana na zona norte de São Paulo, cerca de 300 pessoas comemoraram a decisão da Justiça com rojões e ao som do “Tema da Vitória”, música consagrada nas conquistas de Ayrton Senna. Quando as viaturas que transportavam o casal saíram do Fórum em direção à cidade paulista de Tremembé, onde eles cumprirão suas penas, a multidão investiu contra os carros aos gritos de “condenados, condenados”. Em seguida, passou a clamar por “Cembranelli, Cembranelli”, homenageando assim o promotor Francisco Cembranelli, que acusou o casal. “O júri não é uma ciência exata, mas o resultado mostrou que eu estava certo”, disse ele. A Polícia Militar teve de recorrer ao gás pimenta para conter os manifestantes.

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EMOÇÃO
Logo após a sentença, Ana Carolina, a mãe, aparece chorando

A condenação (contra a qual o advogado Roberto Podval já recorreu) atende à expectativa da maioria da população brasileira. Ainda assim, o caso Isabella deixa acesa uma inquietação. Alexandre e Anna personificam o espanto, a revolta, a perplexidade, o ódio e o desejo de fazer justiça com as próprias mãos de uma sociedade que há dois anos se põe a perguntar: como pode um pai, seja ele quem for, matar a própria filha? Tal perplexidade é um fato, mas é fato também que as pessoas e as circunstâncias não se dividem cartesianamente, segundo unanimidade da literatura psicológica e psiquiátrica, em “santas ou diabas, eternamente certas ou eternamente erradas” – ou, valendo-se aqui de uma informalidade bem brasileira, não se separam em “sangue bom e sangue ruim”. Alexandre e Anna Carolina não se submeteram a nenhuma avaliação psiquiátrica após a morte de Isabella (passaram apenas pelo exame toxicológico no Instituto Médico Legal de São Paulo), até porque os advogados de defesa jamais seguiram a linha de que os réus poderiam ser portadores de distúrbios mentais (doença) ou transtornos de personalidade (característica mais comportamental). A rigor, quando a população fica justificadamente indignada como se viu ao longo da semana, pontualmente na porta do Fórum de Santana, e de forma mais pulverizada, durante os últimos 24 meses em todo o Brasil, o que ela busca é uma explicação e uma motivação para o crime. “Eu até preferiria que eles fossem inocentes porque ninguém quer imaginar que um pai possa matar a filha”, dizia na noite da sexta-feira 26, diante do Fórum, a trabalhadora autônoma Desirrée Espin. “Meu Deus, qual o motivo desse crime?”

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Multidão protesta (acima) e ataca o carro dos condenados

Nada é mais revoltante, nada incomoda mais e, de acordo com especialistas, “deixa as pessoas mais inseguras” do que um crime bárbaro sem motivo. A ausência de razão, no entanto, é apenas aparente. Em casos como o dos algozes de Isabella, todos os motivos – ou a falta deles – têm de ser colhidos no campo da psicologia e da psiquiatria. “Tem de haver alguma loucura envolvida nesse episódio. Ninguém atira uma criança pela janela sem uma psicopatologia”, diz um dos mais conceituados psiquiatras forenses da América Latina, Guido Arturo Palomba. “Falando em tese, porque não examinei o casal, o homem e a mulher em questão podem ser portadores de déficit cognitivo (retardo na compreensão da realidade) e de disritmia cerebral que leva a um estreitamento de consciência, também conhecido como estado crepuscular.”

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Traduzindo as palavras do especialista, no “estado crepuscular” o indivíduo por ele acometido age de forma “robotizada” (as mulheres costumam dizer “parece que estou anestesiada” no chamado “crepúsculo do histerismo”) e nessas condições pode matar, apagando depois da memória o ato cometido ou lembrando dele apenas de modo fragmentado. Mas aí o estrago já está feito. Tal estado cai do céu? Não. É gerado por funcionamentos comprometidos de neurônios e neurotransmissores (impulsos elétricos e seus correspondentes químicos no cérebro). Hoje se sabe, de acordo com as mais modernas teorias dos EUA, Inglaterra, Finlândia e Canadá, que tais disfunções ainda estão presentes no “transtorno da personalidade antissocial” – também conhecido como “loucura sem delírio, “psicopatia” ou “epilepsia condutopática” (importante: não se está afirmando aqui que epilépticos são perigosos ou, necessariamente, eventuais ou potenciais agentes de violência).

Assim, na linha de raciocínio de Palomba, Anna Carolina e Alexandre teriam tais transtornos. A epilepsia é a enfermidade que se conhece há mais tempo no universo da psiquiatria, remontando aos tempos da Grécia Antiga, e é a única que não mudou de nome ao longo da história da medicina. A palavra significa “aquilo que abate por cima”, porque os povos primitivos acreditavam que era “o demônio que se apoderava da cabeça das pessoas e elas se tornavam possuídas”. Atualmente, é indiscutível que a epilepsia está ligada às ondas elétricas do cérebro e, no caso de um “curto-circuito”, o disjuntor, digamos assim, pode cair: trata-se aí da forma mais conhecida dessa doença neurológica, na qual o indivíduo cai e se contorce. Há, no entanto, a epilepsia que se manifesta de forma comportamental, que leva a um profundo estreitamento da consciência (como se um véu descesse sobre os olhos), com perda da capacidade de crítica e julgamento. Ou seja: devido a problemas neurológicos, a pessoa pode cometer um ato extremo.

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DUELO
Podval(abaixo), da defesa, já recorreu da sentença e Cembranelli diz que resultado provou que ele estava certo

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PARTE 2