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Confira o trailer do filme
 

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MUNDO ARTIFICIAL
A atriz Mia Wasikowska no papel de Alice e o Coelho Branco, sempre preocupado com as horas: cenas
filmadas em estúdio verde e preenchidas depois com cenários e personagens digitalizados

A era do blockbuster é relativamente recente: ganhou impulso no início dos anos 80, quando o aparecimento de “Guerra nas Estrelas” provocou uma mudança no marketing dos estúdios. Todos os 40 filmes mais vistos do cinema são produções americanas rodadas a partir dessa época e com uma orientação precisa: atingir espectadores com idade a partir dos 13 anos. Hoje em Hollywood o que se busca são histórias que atraiam todo tipo de público, a começar pelos pré-adolescentes – e, se possível, pelas crianças. O mais novo fenômeno do gênero é “Alice no País das Maravilhas”, que deveria se chamar “Alice de Tim Burton”, tamanha a força da assinatura imprimida pelo diretor americano em sua adaptação da obra do escritor inglês Lewis Carroll. Com apenas duas semanas de exibição nos EUA (e obviamente em primeiro lugar nas bilheterias), a superprodução em 3D soma rendimentos de US$ 270 milhões, ou seja, já saldou em casa o seu orçamento de US$ 250 milhões. Seu faturamento cresce em ritmo incrivelmente maior do que o visto em “Avatar”, que no mesmo período (a semana do Natal) ainda estava na casa dos US$ 200 milhões.

“Alice” custou US$ 250 milhões e faturou em duas semanas US$ 270 milhões nos EUA.
É mais que “Avatar”

Com estreia no Brasil antecipada para o feriado do dia 21 de abril, “Alice” gerou uma onda de consumo que já repercute por aqui. Aproveitando-se do sucesso, três editoras (CosacNaify, Zahar e Salamandra) lançaram recentemente edições atualizadas do livro, algumas delas trazendo também a continuação da aventura da personagem – “Através do Espelho e o que Alice Encontrou Lá”. Esses relançamentos de um clássico do século XIX vêm competindo com pesos-pesados como Dan Brown e Stephenie Meyer na lista dos mais vendidos das principais livrarias. A edição da Zahar, por exemplo, já está na segunda tiragem de 40 mil exemplares e a CosacNaify esgotou a primeira edição de dez mil livros. O problema de produções massivas como “Alice” é que, para satisfazer a uma audiência tão vasta, precisam se tornar mais acessíveis. No caso, a habitual inventividade de Burton não foi suficiente para manter viva a narrativa anárquica e bastante crítica da “lógica adulta” contida no original. Dizer que a “Alice de Tim Burton” é inofensiva não significa que ela seja inteiramente decepcionante. Está lá, com toda graça e extravagância visual, a completa galeria de personagens absurdos que a garotinha encontra ao visitar o mundo subterrâneo, depois de cair na toca de um coelho branco vestido a caráter: a rainha que vive pedindo a cabeça de seus súditos por motivos irrelevantes, o chapeleiro maluco às voltas com enigmas como “por que um corvo é igual a uma escrivaninha?” ou a arrogante lagarta azul que solta baforadas enquanto descansa em cima de cogumelos, fumando um narguilé. Cultuado pelos surrealistas como precursor da “arte do inconsciente”, esse enredo perdeu um pouco de sua vitalidade e subversão justamente por assumir, nas telas, uma linha muito explicativa.

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PSICODELIA
Depp como o Chapeleiro Maluco: passos de Michael Jackson

A primeira mudança que afeta em cheio o lado inconformista da história foi a decisão de recontá-la do ponto de vista de uma Alice adulta (Mia Wasikowska) que retorna ao “país das maravilhas” atraída pelo mesmo coelho de casaca. Essa é a saída que a jovem encontra para se livrar de um pedido de casamento de um lorde pelo qual não tinha a menor atração – e que somava ao seu perfil afetado um incontornável problema estomacal. Na nova adaptação, a disparatada sequência de acontecimentos do livro foi ordenada, perdendo assim o seu engraçado encadeamento de absurdos. De outro lado, existem qualidades que merecem ser ressaltadas e que não estariam ausentes de um trabalho de Burton, autor de obras ousadas como “A Fantástica Fábrica de Chocolate” e “O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet” . Na relação de atrativos que valem o ingresso, o primeiro a despontar é o delirante visual. Cerca de 90% do filme é resultado de computação gráfica, num total de 2.500 planos (pedaços de cena) de efeitos digitais. Tirando os personagens de carne e osso, como Alice, o Chapeleiro Maluco, o Valete de Copas, a Rainha Vermelha e sua irmã, a Rainha Branca, todos os bichos falantes foram criados em computador – e alguns deles são um grande avanço na técnica, a exemplo dos sapos da corte da Rainha Vermelha. Como esses personagens foram acrescentados posteriormente no filme, os atores tiveram que contracenar com objetos – ou, no máximo, diante de pessoas totalmente pintadas de verde.

Tão verdes que ficavam fluorescentes ao ser iluminadas com os potentes holofotes. Essa técnica de filmagem combina com o clima psicodélico do filme, mas não é proposital. Trata-se de um artifício comum em edição digital. Na pós-produção, tudo o que é pintado com essa cor (fundo, pessoas, objetos) é apagado e serve de receptáculo para sobreposições de imagens sintéticas, caso de bichos feitos em CGI (computer generated images) e paisagens artificiais. A produção abusou tanto da técnica que a exposição seguida do elenco e dos técnicos ao ambiente “cítrico” causou letargia e mal-estar. O diretor Tim Burton, por exemplo, recorreu a óculos cor de lavanda para reduzir esse efeito. Johnny Depp usou uma lente verde que realça o jeito extraterrestre de seu personagem, o Chapeleiro Maluco: “Não me incomodava falar meu diálogo andando sobre um trilho de câmera enquanto contracenava com uma fita-crepe. Mas o verde realmente incomoda. No final do dia eu me sentia confuso e desorientado.”

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Sempre dedicado aos seus papéis, Depp ficou intrigado com um recorrente comentário irônico do Chapeleiro, que volta e meia dizia: “Ando investigando coisas que começam com a letra M.” Ao pesquisar a expressão inglesa “maluco como um chapeleiro”, ele descobriu que os fabricantes de chapéus realmente tinham a mente perturbada pelo mercúrio existente na cola para feltros. Sofriam um tipo de envenenamento. Ator preferido de Tim Burton, com quem já trabalhou em sete filmes, Depp é outra das razões para conferir “Alice no País das Maravilhas”. Ao rodar “Piratas do Caribe”, ele disse que se inspirou no roqueiro Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, sobre quem está fazendo um documentário. A inspiração continua nesse novo personagem, que ganhou outra referência: o cantor Michael Jackson. Quase no final do filme, Depp dança um passo apelidado de “funderwhack”, que lembra o “moonwalk” do cantor americano. Não se trata de uma citação gratuita: pesa sobre Lewis Carroll a mesma suspeita de pedofilia que pesava sobre Michael Jackson.