Responda rápido: o que é trabalho em equipe? Para muita gente, é a possibilidade de colocar a culpa nos outros. Isso, claro, é uma piada. Mas ela tem um fundo de verdade. Quem está empregado, independentemente da empresa e do cargo, tem essa sensação ou vive outras situações que muitas vezes transformam o ambiente em uma linha de produção de pessoas estressadas, agressivas, impulsivas, apáticas e até de funcionários verdadeiramente deprimidos. Não é por menos que uma pesquisa da Isma-Br (braço brasileiro da Associação Internacional para o Gerenciamento do Stress) feita com 752 profissionais, no segundo semestre de 2004, revelou que nossa maior fonte de stress está relacionada às questões profissionais. Entre elas estão desde a falta de emprego até a sobrecarga de trabalho. O estudo será apresentado no congresso da entidade, em junho, em Porto Alegre.

Esse sofrimento tem razões claras. Nunca houve competição tão grande como hoje, tanto entre as corporações quanto entre os indivíduos. “Os ambientes de trabalho são muito hostis. Não há espaço para o pensar e o experimentar, sem correr o risco de ser criticado ou demitido”, afirma Mariah Giuliese, da consultoria Lens & Minarelli, especializada em recolocação profissional. Por conta da exigência de desempenho, tornaram-se comuns cenas de selvageria nas empresas. É o chefe que, pressionado pelo superior, berra ordens para serem cumpridas de preferência ontem. É o colega que, louco para pegar o seu lugar, comete pequenas – ou grandes – sabotagens. Segundo pesquisa da psicóloga Daniela Tavares, da Fundacentro, a opressão dos superiores, o acúmulo de tarefas e a falta de autonomia para executá-las também infernizam o profissional.

Auxílio – Viver sob tais condições é cada vez mais difícil. Só sendo de ferro para suportar, por exemplo, uma rotina de humilhações. “Pessoas nessas situações estão sujeitas à angústia, aos distúrbios de sono e à sensação de fracasso”, diz a médica Margarida Barreto, autora do livro Violência, saúde e trabalho – uma jornada de humilhações. Por sentir esse peso, muitos procuram ajuda para não adoecer física ou emocionalmente. No Instituto de Análise Aplicada de Comportamento, de Campinas (SP), nos últimos três anos houve um acréscimo de 70% na busca por tratamentos para diminuir essas aflições.

As doenças desencadeadas no trabalho, porém, são também determinadas pela história de vida. Isso quer dizer que a personalidade pode ser um agravante. Ou seja, além das circunstâncias externas, é possível que características pessoais se voltem contra o profissional (timidez ou mania de dar palpites, entre elas). Mas existem técnicas para administrar esses traços. Na terapia comportamental, o paciente descobre meios de superar as dificuldades a partir da análise de sua vida (se teve pais superprotetores, por exemplo, pode lidar mal com frustrações). Na terapia breve (12 sessões), podem-se encontrar caminhos contra o problema. “Se a questão é se expor, estimula-se a melhor comunicação”, explica o psiquiatra Marcelo Mello, da Universidade Federal de São Paulo.

Um funcionário que saiba contornar suas características negativas está mais apto a sobreviver às cobranças sem adoecer. “As pessoas devem orientar suas atitudes para produzir bem-estar no trabalho, como saber a hora em que é melhor calar. Assim, enfrentam os momentos críticos sem tantos desgastes”, afirma Patrícia Queiroz, diretora da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental. Recomenda-se ainda que se identifique se o problema que faz sofrer está relacionado ao indivíduo, ao meio ou a ambos. É você que não cumpre prazos, as exigências são exageradas ou as duas coisas? Responder a isso com honestidade pode tirar um pouco da culpa e insegurança ou obrigar mudanças no modo de trabalhar. Também é importante perceber que a razão da crise pode ser, de fato, a incapacidade de lidar com a tarefa. Autor de livros sobre carreira e sucesso pessoal, o psiquiatra Roberto Shinyashiki defende que o erro das corporações está em insistir no discurso motivacional quando deveria investir na competência. “Não adianta gritar para vender mais se a equipe não tem a habilidade necessária. Isso espalha a angústia”, sustenta.

Detectados esses fatores, parte-se para as saídas. Nem todo caso requer psicoterapia. Às vezes, a solução para não enlouquecer é aprimorar o conhecimento. Ou valorizar pequenos prazeres. “Recuperar hobbies, praticar exercícios e ter amigos com quem desabafar quebram a tensão”, diz a psicóloga Márcia Merchior, da clínica Vita Check-Up, do Rio de Janeiro.

Depressão – Há casos, porém, em que o empregado adoece gravemente. “O trabalho pode desencadear males da mente em pessoas predispostas”, garante o médico Elson de Moura, do Núcleo de Medicina do Comportamento, do Rio. No Brasil, poucas companhias fazem um perfil da saúde mental dos funcionários. “Mas isso é importante para descobrir como a depressão e a ansiedade interferem no clima corporativo ou vice-versa”, diz o psiquiatra Orestes Forlenza, do Hospital das Clínicas de São Paulo e da consultoria Health Company, que presta esse serviço. Em dois anos, Forlenza atendeu a três grandes firmas. “Em uma delas, 16% dos funcionários tinham sintomas de depressão”, conta. Para Ricardo de Marchi, diretor da Corporate & Personal Health, que desenvolve estratégias de promoção de saúde nas companhias, o ideal seria que as empresas oferecessem programas que ensinassem as pessoas a administrar melhor o tempo e a cuidar da saúde. A psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da Isma-Br, acredita nessas iniciativas, mas adverte que, se não forem precedidas de um bom diagnóstico, não funcionam. “E também precisam durar pelo menos um ano”, afirma.

No entanto, ainda há muita resistência em abordar, no mundo do trabalho, assuntos relacionados à sanidade da mente. “Os termos mental e psicossocial são alvos de preconceito”, diz Lennart Levi, consultor em stress da Organização Mundial da Saúde. É freqüente uma vítima de depressão que sai de licença, por exemplo, ser motivo de comentários jocosos. Esse comportamento mostra a ignorância reinante sobre a gravidade das doenças e o sofrimento que elas trazem. Revela também o apego a modelos de gerenciamento que continuam apostando na troca da mão-de-obra em vez de investir na recuperação dos funcionários.

Mas as coisas estão mudando. Nos Estados Unidos, algumas empresas já aplicam programas de diagnóstico de ansiedade e depressão. É preciso mais. “Devem-se estimular as boas condições de trabalho e intervir ao detectar os primeiros sinais de problemas”, recomenda Levi. A expressão do problema é também uma lição para todos. Como diz Caetano Veloso: “De perto, ninguém é normal.”