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HISTÓRIA
Collor e Zélia: hoje um pede desculpas ao povo pelo confisco e a outra nem gosta de comentar o seu próprio plano

Há 20 anos, um homem desconhecido, com um nome árabe e um sotaque inglês tão acentuado a ponto de prejudicar a compreensão de seu português, foi para a televisão explicar aos poupadores brasileiros o ato mais traumático do Plano Collor: o confisco da caderneta de poupança. Era Ibrahim Eris, turco de nascimento e então presidente do Banco Central. Sua imagem ao lado da ministra da Economia, à época Zélia Cardoso de Mello, jamais saiu da mente de quem assistiu àquelas imagens. Os erres escorregadios de Eris em rede nacional indignaram ainda mais os correntistas que acordaram no dia 16 de março de 1990, com apenas 50 mil cruzados novos nas contas – ou R$ 4.142 em valores corrigidos pelo INPC. Um dia após a posse de Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito depois de 29 anos de recesso democrático, o País viveu o que entrou para a história como o melhor exemplo de como a economia jamais deve ser conduzida por um governante. A escolha de Eris como um dos porta-vozes do plano econômico foi interpretada pela opinião pública como um descaso ao sentimento de milhões de brasileiros, que, do dia para a noite, ficaram sem dinheiro até para tratar de doenças, mesmo que suas economias estivessem em uma aplicação financeira intocável e garantida por lei, como a caderneta. Com a justificativa de debelar uma inflação de mais de 80% ao mês, a equipe de Zélia, nas palavras do ex-ministro Delfim Netto, transformou a economia do País em uma “experiência de laboratório e os brasileiros em ratinhos”. As consequências para muitas famílias foram irreparáveis com mortes, suicídios e desemprego – provocado por uma recessão aguda logo no primeiro ano do plano. Em 1990, o PIB caiu 4,5% e a economia permaneceu estagnada.

A inflação também despencou para 7,59%, mas resuscitou com força nos anos seguintes, encerrando o período Collor em mais de 25% (IPCA de dezembro de 1992). Foram os anos da chamada “estagflação” – uma anomalia econômica. Mais do que herança, o Plano Collor deixou um trauma, até hoje, entre os aplicadores da caderneta de poupança. Duas décadas depois, os brasileiros ainda se assustam – como ocorreu recentemente – com qualquer ameaça de alteração nas regras desta aplicação financeira. É difícil esquecer como o valor do confisco foi definido, de forma totalmente irresponsável, sem nenhuma fundamentação técnica. Pouco tempo depois de deixar o cargo, a própria ministra Zélia contou em sua biografia “Zélia, uma paixão” que os 50 mil cruzados novos foram resultado de um sorteio. Ou seja, poderia ser qualquer um dos valores que estavam escritos em pedaços de papel. Da mesma forma amadora, a equipe de Zélia conduziu os outros pontos de seu programa de combate à inflação, como o enxugamento da máquina do Estado (a ponto de eles mesmos chegarem para trabalhar e verificar que estavam sem funcionários nos gabinetes, que haviam sido demitidos ou transferidos, comprometendo o funcionamento da administração pública naquele momento crucial), as privatizações e a abertura da economia. Este, aliás, é o ponto sempre destacado por alguns economistas como o lado positivo do Plano Collor.

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No entanto, depois de duas décadas, é fácil constatar que a globalização da economia no fim do século XX empurraria o Brasil mais cedo ou mais tarde para este caminho. As reservas de mercado, sobretudo de informática, estavam com os dias contados, diante da inexorabilidade de incremento do comércio exterior. Ao contrário da avaliação de muitos economistas, a abertura de mercado promovida pelo governo Collor – a despeito de trazer mais competitividade e modernização à indústria brasileira – foi feita de forma atabalhoada, quase da mesma maneira que a equipe econômica escolheu o valor do confisco da poupança. Neste aniversário de 20 anos do Plano Collor, muitos economistas, principalmente os mais ortodoxos, costumam louvar o programa econômico de Zélia por seu caráter liberal – a ponto de defini-lo como “avô do Plano Real”. No entanto, o Plano Real foi muito mais uma consequência dos erros do programa de Collor e da oportunidade desperdiçada. Com sua imagem de debelar a inflação com um só golpe de judô, Collor acabou levando o empresário brasileiro a nocaute. O principal desafio do Plano Real para obter sucesso foi restabelecer a confiança quebrada pelo Plano Collor e devolver ao empresariado um ambiente de negócios favorável ao investimento.

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MENTORES
Assis, Zélia e Eris no anúncio do Plano Collor, em 1990

Depois de cumprir sua pena de oito anos de direitos políticos cassados, após o impeachment, o ex-presidente Fernando Collor de Mello  hoje é senador por Alagoas e apoia o governo Lula. Não só. Collor defende a ampliação do papel do Estado na economia e até a reestatização de empresas que foram privatizadas. Sobre o confisco, declarou ao jornal “O Globo”: “Já pedi desculpas. Se não quiserem aceitar, não aceitem. Eu não vou perder a minha noite de sono porque eles (os brasileiros) não aceitam meu pedido de desculpas.” Vivendo nos Estados Unidos com seus filhos, Rodrigo e Vitória, do casamento com o humorista Chico Anísio, a ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, 57 anos, trabalha como consultora da empresa Aquilas Associates. Em eventos públicos, Zélia recusa-se a falar sobre o passado e, principalmente, sobre confiscos de poupança. Ibrahim Eris é empresário e dono da Linvest Participações, gestora de recursos, cujo principal cliente é ele mesmo. Desde que deixou o governo, dedicase ao mercado financeiro, assim como quase todos os ex-integrantes da equipe econômica do governo Collor. O ex-diretor de política monetária do BC Luis Eduardo de Assis, que também participou do anúncio
do plano, é hoje diretor de banco. 


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