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Os presidentes dos Estados Unidos em fim de mandato costumam ser tratados por seus concidadãos com grande indiferença. Aos políticos que se despedem da Casa Branca aplica-se uma expressão impiedosa: pato manco (“lame duck”). Cabisbaixos e trôpegos, eles deixam lentamente o poder. A imagem é antiga. Mas nunca teve um intérprete tão fiel quanto o presidente re pu blicano George W. Bush, cujo sucessor será eleito no dia 4 de novembro. Bush só dará adeus a Washington em 20 de janeiro, mas encerra seus últimos dias no Salão Oval em clima de decepção jamais visto no país. Não bastasse a frustração com os resultados desastrosos da guerra do Iraque, a economia americana vai muito mal e o mercado financeiro acaba de mergulhar numa das piores crises da história de Wall Street. O momento é tão grave que obrigou o governo Bush a abandonar os dogmas do livre mercado e tentar uma última cartada, com um plano de intervenção nos bancos.

A inflação anual já chegou a 5,4%, a taxa de desemprego bateu em 6,1% e a produção industrial caiu 1,1%. Responsável por esse desempenho desolador, Bush falou em rede nacional na quarta-feira 24, para explicar a origem da crise e pedir o apoio do Congresso ao pacote de socorro, no valor de US$ 700 bilhões, elaborado pelo Departamento do Tesouro. Descreveu o estouro da bolha imobiliária, destacando os bancos, como Bear Stearn e Lehman Brothers, que ficaram encilhados com ativos sem liquidez. Após o efeito dominó, a sobrevivência do sistema financeiro ficou ameaçada. Daí a decisão de intervir. “Em circunstâncias normais eu deixaria o mercado seguir seu curso, não estas não são circunstâncias normais”, ressaltou.

ALÉM DE BUSH, QUEM TAMBÉM CAIU EM DESGRAÇA COM OS CONTRIBUINTES FOI O CANDIDATO REPUBLICANO JOHN MCCAIN

Segundo Bush, mais bancos podem quebrar, as Bolsas podem cair ainda mais e o valor das aposentadorias e dos imóveis pode afundar. Resultado: “Nosso país pode enfrentar uma longa e dolorosa recessão.” Hora nenhuma ele assumiu responsabilidade pela crise. Mas só há uma saída, a seu ver: o governo remover o risco dos ativos podres, inclusive os títulos hipotecários. “Entendo a frustração dos americanos que pagam suas hipotecas em dia e dos que declaram sua renda todo dia 15 de abril, mas, diante da situação que enfrentamos, não aprovar a lei agora iria custar muito mais para os americanos mais à frente.” Garantiu que o dinheiro não será aplicado em vão e prometeu rever as regras do mercado, quando a crise acabar. “Juntos, mostraremos ao mundo, mais uma vez, o tipo de país que a América é”, afirmou.

O momento, porém, não é de apelos ufanistas. Após o discurso de Bush, vários protestos ocorreram pelo país. Em Nova York, corria a ameaça de cobrir de lixo a escultura do touro em bronze que simboliza a alta de Wall Street. No Congresso, parlamentares foram alvo de mensagens indignadas. A senadora Barbara Boxer, da Califórnia, recebeu quase 17 mil emails contra o pacote. “As pessoas dizem: proteja-nos, e não Wall Street”, concluiu Jim Mcdermott, representante democrata pelo Estado de Washington. Em artigo, o economista Paul Krugman lembrou que o governo perdeu um ano e meio dizendo que tudo estava sob controle. “E, agora, Bush diz que o céu está desabando e que para salvar o mundo temos que fazer exatamente o que ele diz”, ataca. Para ele, mais perto da verdade estão os céticos que chamam o pacote de “cash for trash” (dinheiro no lixo).

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Além de Bush, quem também caiu em desgraça foi o candidato republicano John McCain. Abriu-se um fosso de mais de dez pontos percentuais entre ele e o candidato democrata Barack Obama. Sem saída, McCain cancelou o primeiro debate com Obama, alegando que iria a Washington para pressionar o Congresso a aprovar o pacote. Chegou tarde. Na manhã da quinta-feira 25, a bancada democrata convenceu a Casa Branca a modificar o plano e incorporar quatro princípios básicos: a indulgência com os proprietários de imóveis insolventes, a transparência, a igualdade e critérios austeros na indenização e nos salários dos executivos de instituições financeiras beneficiadas. O democrata Christopher Dodd, que preside o Comitê de Bancos do Senado, destacou que o secretário do Tesouro, Henry Paulson, terá a autoridade e as verbas que pediu, mas sob supervisão do Legislativo. Quanto ao presidente Bush, ganhou um suspiro, mas nada que altere sua despedida melancólica da Casa Branca. O pato manco está de volta para casa.

 

 


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