Sua Santidade, o papa Bento XVI, assume uma empresa com sérios problemas materiais. Economicamente falando, o Vaticano padece sob as leis de mercado. O número de católicos diminui nas principais nações industrializadas do mundo, trazendo menores receitas aos cofres da casa. A baixa cotação do dólar – principal moeda utilizada nas doações à Santa Sé –, uma folha de pagamento em que constam perto de 2.700 funcionários (metade deles laicos), extensa rede de representações diplomáticas em 174 países e, nos últimos cinco anos, o pagamento de US$ 840 milhões em indenizações às vítimas de pedofilia, principalmente nos Estados Unidos e na Irlanda, são apenas parte da hemorragia pecunária de uma cidade-Estado que já foi considerada potência econômica. Com isso, o slogan escolhido por Bento XVI bem que poderia ser: “Uma esmolinha, pelo amor de Deus!”

Em 2003, apesar do modo ainda sigiloso como conduz suas finanças, o Vaticano divulgou seu orçamento. Naquele ano, somaram-se três exercícios fiscais consecutivos de déficits. Na última folha consta entrada de US$ 250,2 milhões e gastos de US$ 262 milhões. Um prejuízo de US$ 12 milhões até que não é tão assustador para uma organização com tremendo potencial de faturamento (com mais de um bilhão de fiéis) e com propriedades simplesmente divinas. Em imóveis, a Santa Sé tem US$ 908 milhões. A Basílica de São Pedro, incluindo a Capela Sistina, não está nesta soma, tendo recebido valor nominal de apenas E, por este ser considerado inestimável. O mesmo ocorre com certos bens móveis, como a fabulosa coleção de arte do Vaticano. E para os incréus cínicos que sugerem a venda de uma ou outra obra-prima, como forma de fazer caixa, é bom que se diga que a Igreja considera as peças como “parte do patrimônio da Humanidade”. Desse modo, as notícias de que a Pietà, a escultura de Bernini, estaria à venda são desmentidas com veemência. A herança de dois milênios, ainda que substancial, é difícil de ser colocada no mercado sem ofender o rebanho de fiéis.

O cardeal Sergio Sebastini, da área de administração financeira, mostrou o balanço de 2003, em que se verifica que os EUA, seguidos pela Alemanha, são os maiores contribuintes da Igreja, com doações naquele ano de US$ 55,8 milhões – um aumento de 5,7%. Mas, por causa da desvalorização do dólar, as dioceses internacionais entregaram 79,6 milhões de euros em 2003, enquanto, no ano anterior, haviam despejado 85,4 milhões de euros nos cofres do Vaticano.

“Em 2005 é esperado que os fiéis americanos irão doar cerca de US$ 88
milhões à Santa Sé. Até porque a morte do papa João Paulo II incentivou donativos”, diz o financista da Igreja americana Dean Collins. Mesmo que esse aumento substancial se concretize, é de estranhar que num país onde 24% da população é católica as contribuições não sejam maiores. A comunidade judaica – com 1% de cidadãos – mandou para Israel US$ 1 bilhão em ajuda caritativa. O judaísmo ainda tem a vantagem de que seus rabinos dificilmente são levados a tribunal sob a acusação de pedofilia.

Conta-se que São Francisco de Assis foi ao Vaticano pedir ao papa que vendesse as riquezas da Igreja e as distribuísse aos pobres. Não teve sucesso. Ninguém espera que Bento XVI finalmente acate a idéia, mesmo que o destituído em questão seja a própria Santa Sé. Mas, se o novo pontífice não cuidar dos bens materiais de sua Igreja, o futuro talvez force um voto de pobreza ao trono de São Pedro.