Em uma ponta, a esperança de que Joseph Ratzinger crie intimidade
com as massas e consolide o
caminho aberto pelo Concílio Vaticano II rumo à Igreja antenada ao mundo moderno. Na outra, o medo indisfarçável, muitas vezes assumido, de que Joseph Ratzinger, o cardeal de pulso de pedra, lidere um retrocesso rumo a parâmetros quase medievais de profissão de fé. As opiniões das personalidades ouvidas por ISTOÉ oscilam entre esses dois extremos.

Leonardo Boff (à dir.), teólogo e expoente da Teologia da Libertação – “Recebi com perplexidade. Uma Igreja conservadora chamou o guardião do conservadorismo para o papado. Com João Paulo II, muitos cristãos emigraram da Igreja porque não a sentiam mais como lar espiritual. Tememos que esse inverno eclesial continue, ainda mais rigoroso. Fui interrogado por Ratzinger em 1984, durante processo judicial na Congregação para a Doutrina da Fé, no Vaticano. Ele me puniu com o silêncio obsequioso, deposição da cátedra e proibição de escrever e falar. Antes, ele foi meu professor no doutorado de teologia na Europa. Ajudou-me a publicar minha tese de doutorado, arrumando editora e pagando a edição. Era extremamente gentil, fino, mas tem o defeito de não ter cordialidade do pensamento. Tem o pensamento duro, dissipador, um excesso de certeza e não se abre ao aprendizado. Sua consciência é dura, desprovida de misericórdia. Espero que, como papa, seja mais próximo do professor que tive do que do cardeal que conheci depois.”

Henry Sobel, presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista – “Dizem que ele é conservador. E daí? João Paulo II também era e marcou o mundo. As qualidades pessoais são mais importantes que rótulos.”

Anthony Garotinho, secretário de Governo do Rio de Janeiro e fiel da igreja presbiteriana Luz do Mundo – “Ele irá enfrentar o aborto e a questão da sexualidade. Espero que seja tolerante com as outras religiões, como foi o seu antecessor.”

Frei Betto, escritor e jornalista – “Tenho minhas dúvidas se Bento XVI tem o senso pastoral do papa Wojtyla, inclusive a defesa dos mais pobres. Ratzinger vem de um país onde a pobreza só existiu em tempos de guerra. É homem de gabinete, nunca teve experiência pastoral, nunca abraçou uma criança africana ou latino-americana pobre. Podemos esperar um retrocesso, como se o Concílio Vaticano II não tivesse existido e questões como homossexualismo, uso do preservativo, relações de gênero, papel da mulher na Igreja, biotecnologia e celibato obrigatório não fossem importantes. Peço a Deus que a escolha de um alemão não dificulte o diálogo com os judeus. Seria um gesto positivo o novo papa repetir João Paulo II e visitar a sinagoga de Roma.”

Ives Gandra Martins, jurista, católico ligado à Opus Dei – “Era uma espécie de alter ego de João Paulo II. Os cardeais, percebendo isso, elegeram-no. Ratzinger vai continuar intransigente em relação aos valores morais, que eu chamo de eternos, e preocupado com as causas sociais.”

Geraldo Alckmin, governador de São Paulo – “Bento XVI honrará a difícil missão de ser, ao mesmo tempo, pastor do rebanho católico e lutador pela harmonia entre os povos.”

Dom Pedro Casaldáliga, bispo da prelazia de São Félix do Araguaia, ligado à Teologia da Libertação – “Ele deverá manter a linha conservadora, mas sem o carisma midiático de João Paulo II. Anos atrás, Ratzinger escreveu um livro belíssimo, chamado O novo povo de Deus, que todos da Teologia da Libertação aplaudiriam de joelhos. Mas, depois que foi para a Cúria, mudou.”

Armando Hussein Saleh, xeque da Federação Islâmica do Brasil – “O importante é que ele vai dar continuidade ao trabalho que o papa João Paulo II vinha fazendo pela paz e pelo diálogo entre as diferentes religiões.”

Pastor Reinaldo, deputado federal (PTB-RS) e evangélico – “Como líder da Igreja do Evangelho Quadrangular, acho que a escolha do cardeal Ratzinger foi boa para as igrejas protestantes.”

Walter Altmann, presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana – “Esperamos que possa haver um impulso no ecumenismo. Que os católicos possam um dia acolher um sacerdote luterano e vice-versa, como já acontece entre a Igreja Anglicana e a Luterana.”

Dom Odilo Scherer, secretário-geral da CNBB – “A escolha surpreendeu pela rapidez do conclave, que mostra o consenso imediato entre os cardeais, e pela idade avançada de Ratzinger. Quem esperava um papa de algum país em desenvolvimento vai ter de continuar esperando.”

Regina Soares Jurkewicz, do grupo Católicas
pelo Direito de Decidir
– “Nos assusta ter de aceitar um
papa que esteve à frente das medidas punitivas. Após esse momento de luto, iremos pressionar a Igreja a ouvir as vozes
das mulheres e dos padres casados. As católicas usam preservativos, apesar dos dogmas.”

José Sarney (PMDB-AP), senador e ex-presidente da República – “Não devemos esquecer que as reformas liberais quase sempre foram feitas pelos conservadores. Tenho esperança.”