São cinco horas da tarde de uma terça-feira desta campanha eleitoral. A equipe de propaganda do candidato do PDT à Presidência da República, Cristovam Buarque, corre para aproveitar o final de luz do dia. O candidato está num ambiente amistoso, em pleno jardim da Universidade de Brasília, da qual foi reitor em 1985 e de onde partiu para uma carreira política de sucesso. “Você já notou que tem médico que só receita aspirina?”, pergunta ele. “Você está morrendo e ele só receita aspirina”, continua. “Tem político que também é assim: o país está passando por uma grave crise, que requer uma intervenção profunda, e ele só receita aspirina”, conclui. Para Cristovam, seus adversários na corrida presidencial agem como o médico que busca curar doenças graves com aspirina: ficam na superfície do problema. Contra a grave crise da segurança pública, sugerem apenas cadeia. Se a economia não cresce e o país não se desenvolve, opinam que basta reduzir drasticamente as taxas de juros. Cristovam chama esse tipo de solução de “aspirinas”. Para contrapô-las, porém, o senador do PDT do Distrito Federal sugere um remédio milagroso, uma superfórmula capaz de curar todos os males do País: a educação.

Cristovam parece convicto de que este é realmente o remédio milagroso capaz de tirar o Brasil de sua condição indigente. A violência urbana, acredita, é fruto da falta de oportunidades iguais para os pobres e os ricos. E essa falta de oportunidade decorre da má educação que os mais pobres recebem. O que vale para a segurança, vale para qualquer outro dos problemas nacionais. O candidato pedetista tem respostas parecidas para diagnosticar os males do País, da corrupção pública à fome, passando pela economia. Tudo, na sua avaliação, soluciona-se pela educação.

As pesquisas, porém, demonstram que são poucos aqueles que acreditam no poder milagroso da pílula que o doutor Cristovam receita. Sua faixa de intenção de voto tem oscilado entre 1% e 1,5%. “O eleitor, de fato, não acha que a educação seja o problema mais urgente”, reconhece ele. “Mas o que eu estou propondo é uma revolução. E a necessidade de uma revolução nem sempre é fácil de se perceber”, diz ele. Assim, nunca passou muito pela cabeça de Cristovam a expectativa de que conseguiria se eleger agora presidente. Sua estratégia na campanha tem uma vertente principal: tornar-se um nome nacionalmente conhecido com uma bandeira clara para vôos posteriores, e tornar o seu PDT um repositário natural para políticos desiludidos com o PT.

O problema da bandeira defendida por Cristovam, para os mais pragmáticos, é que os efeitos da transformação que ele propõe não cabem nos quatro anos de um mandato. Ele mesmo admite que os efeitos de sua revolução educacional só serão sentidos, no mínimo, 15 anos após a sua deflagração. Esse foi um dos pontos que levaram Cristovam a ser demitido do Ministério da Educação, num telefonema, pelo presidente Lula, ao final do seu primeiro ano de governo. Para o presidente, o País tinha como necessidade urgente o combate à fome e, só depois, à melhoria em sua formação. Logo em janeiro de 2003, porém, menos de um mês após Lula ter anunciado o Fome Zero como sua prioridade, o então ministro Cristovam dizia que o Brasil “não precisava de Fome Zero, mas de escolas”. Estava dada a trombada, que o chefe não perdoaria.

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Segundo a deputada Maria José Maninha, hoje no PSOL, que foi secretária de Saúde de Cristovam no governo do Distrito Federal, uma cena repetia-se com freqüência nas reuniões do secretariado. “Tive uma idéia”, iluminava-se ele. “Calma, governador”, gritavam, em uníssono, os secretários. “Como todo intelectual, Cristovam sonha, teoriza. Mas há uma teoria dele que se viabilizou e deu certo: o Bolsa-Escola”, ressalva Maninha. O programa Bolsa-Escola de Cristovam é a base de todos os projetos sociais que se seguiram tanto no governo Fernando Henrique Cardoso como no governo Lula. Garante um pagamento mensal às famílias carentes em troca de uma contrapartida: a matrícula de suas crianças na escola. O que Cristovam critica é que, nas experiências posteriores nos governos federais, a exigência dessa contrapartida é frouxa.

A mulher de Cristovam, Gladys, com quem é casado há 36 anos e tem duas filhas, Paula e Júlia, associa a obsessão de Cristovam com a importância da educação ao choque sofrido por ele por causa de um drama familiar. Quando tinha dois anos e meio, Guilherme, um dos 11 irmãos do senador, subitamente, parou de falar e de se desenvolver. Por conta de algum mal que a família foi incapaz de identificar (mais tarde, julgou-se que ele deve ter sido vítima de uma meningite), a idade mental de Guilherme foi a zero. Hoje, aos 60 anos, ele vive no Recife na mesma casa que foi dos pais de Cristovam, totalmente dependente dos outros para as suas necessidades mais banais.

Cristovam Buarque é fruto de uma curiosa composição familiar. Ele é o filho mais velho da segunda união de seu pai, Durval. Quando ele se juntou à nova mulher, Benedita, já tinha cinco filhos de um primeiro casamento. Como não havia divórcio, Durval jamais se casou com Benedita. Em sua certidão de nascimento, Cristovam é apresentado como “filho ilegítimo”. Benedita trabalhava em uma fábrica de tecidos no Recife. Durval era caixeiro-viajante. Com esforço, o casal concedeu aos filhos o conforto de uma vida de classe média baixa. Que permitiu a Cristovam estudar no Colégio Marista do Recife. Anos depois, chegou ao curso de engenharia mecânica da Universidade Federal de Pernambuco. Pela via do movimento estudantil, descobriu a política. No final dos anos 60, militou na Ação Popular, o braço da Igreja Progressista de Esquerda. Perseguido pela ditadura, partiu para o auto-exílio, na França. Ali, fez doutorado em Economia na Sorbonne. Terminado o doutorado, tornou-se funcionário do Banco Mundial.

No início dos anos 80, com a abertura, retornou ao Brasil e foi lecionar economia na Universidade de Brasília (UnB). Em 1984, com o fim do governo militar, a UnB iniciou um movimento para eleger por via direta o seu reitor. E Cristovam acabou escolhido. Foi o primeiro passo da carreira que o levaria a governador do DF, a ministro da Educação e a senador.

Uma carreira, como se vê, marcada por polêmicas. Apesar da criação do
Bolsa-Escola, que todo mundo copiou, Cristovam não conseguiu se reeleger governador. Mesmo com as idéias ambiciosas no setor, foi demitido do Ministério
da Educação. “As pessoas, em geral, não entendem muito bem Cristovam”,
diz Antonio Vital, autor de um livro sobre as realizações do candidato do PDT publicado no ano passado pela Editora Record, É possível. “As opiniões dele
fogem tanto do senso comum que o interlocutor ou fica com cara de tacho ou mantém nos lábios aquele meio-sorriso de quem acha que entendeu.” Talvez seja por isso que a pílula de educação receitada pelo doutor Cristovam não lhe permita ultrapassar até agora os 2%.

 


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