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SOCORRO
Timerman (de avental) usou o método em Beviani.
Depois de um infarto, seu coração ficou 14 minutos sem bater

Bolsas de gelo, soro gelado na veia e roupas térmicas para baixar a temperatura do corpo em cerca de cinco graus centígrados são algumas das mais recentes e inusitadas armas da cardiologia para salvar vidas. Foram elas as escolhidas para evitar que o consultor paulista Afonso Beviani, 57 anos, tivesse sequelas graves depois de sofrer uma parada cardíaca, há dois meses. Em dezembro, depois de ter um infarto, ele foi levado ao Instituto do Coração (InCor). Lá, recebeu, na artéria que estava entupida, um stent – uma espécie de mola que impede um novo fechamento. Após o procedimento, ele foi se recuperar na UTI.

Mas de madrugada o ritmo do coração se alterou e ele teve uma parada cardíaca de 14 minutos. Socorrido com o que a medicina tem de mais avançado para fazer o órgão voltar a bater, Afonso resistiu. Porém, a grande preocupação dos médicos passou a ser o risco de lesões cerebrais. O problema é que, embora o coração já estivesse no ritmo certo, os médicos ficaram apreensivos porque os testes feitos quando Beviani acordou mostraram riscos de dano neurológico. Ou seja, ele poderia perder movimentos ou a fala, por exemplo. Foi nesse momento que o cardiologista Sérgio Timerman, diretor do Centro de Treinamento em Ressuscitação e Emergência do InCor, decidiu submetê-lo à chamada hipotermia terapêutica, um procedimento que está se tornando rotina nos EUA, mas ainda é novidade no Brasil. “Para proteger o cérebro dele de danos, reduzimos a sua temperatura para 33 graus com bolsas de gelo e soro gelado e o colocamos em estado de coma induzido”, descreve o médico. O consultor foi mantido nessas condições por 36 horas. Deu certo. Quando voltou a si, alguns dias depois, sentia-se bem e não apresentava sequelas. “Apenas perdi a memória do que aconteceu pouco antes do infarto”, conta. “Estou emocionado e grato. Sobrevivi graças à alta competência da equipe que cuidou de mim”, diz Beviani.

Por que o frio ajuda a evitar lesões neurológicas? Durante e após os acidentes cardiovasculares ou parada respiratória, o corpo é privado por segundos ou minutos do oxigênio que necessita para manter as células funcionando. “A resposta do organismo a essa agressão é a liberação de radicais livres, enzimas tóxicas e outras substâncias inflamatórias que aumentam ainda mais o dano”, explica Timerman. Em três minutos, as células do cérebro começam a morrer. E, a cada minuto que passa, a chance de a pessoa sobreviver cai 10% e o risco de lesões aumenta. Nessas circunstâncias, baixar a temperatura promove vários benefícios. Um deles é a redução do metabolismo. “Isso permite ao cérebro não consumir muito oxigênio para se manter trabalhando, como se fosse uma hibernação”, disse à ISTOÉ o médico Vinay Nadkarni, da Universidade da Pensilvânia. Ele é um dos mais renomados especialistas mundiais em atendimento de emergências pediátricas. “A redução do metabolismo ainda ajuda a manter a integridade das membranas das células, melhora a circulação e o controle da glicose, o que contribui para recuperar e poupar o cérebro”, completa Timerman, do InCor.

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OPÇÃO
Cristiane autorizou o tratamento em Giovana

Mais um mecanismo protetor é a redução da inflamação. Neste caso, o frio age de modo similar às bolsas de gelo colocadas sobre machucados, diminuindo o inchaço e a intensidade da resposta do sistema de defesa do organismo ao dano. “A terceira via de ação da hipotermia é que ela trabalha no nível genético e molecular, ligando e desligando enzimas e genes que previnem a morte celular e promovem seu reparo”, diz Nadkarni.

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Nos EUA, o método é aplicado há cinco anos em centros de excelência, como o Children’s Hospital, na Filadélfia, e nos hospitais das universidades da Pensilvânia e Pittsburg. No Arizona, a hipotermia é feita desde 2003, inclusive por ambulâncias nas ruas de Seattle. “A hipotermia terapêutica é atualmente a terapia mais potente disponível para evitar sequelas em quem teve parada cardíaca e pode ser feita fora do hospital”, disse à ISTOÉ Karl Kern, diretor do Laboratório de Cardiologia da Universidade do Arizona. “Nenhuma melhorou tanto os resultados da ressuscitação como esta.” De fato, estudos confirmam que combinar os tratamentos para restaurar o fluxo sanguíneo e a hipotermia nos primeiros momentos após a ressuscitação eleva as taxas de sobrevivência em até 50%. “As pesquisas também mostram que 80% dos pacientes que sobreviveram à parada e foram tratados com essa associação de técnicas não tiveram lesões neurológicas”, diz Kern.

No Hospital São Luiz, em São Paulo, o método começou a ser praticado há dois anos. Até agora, 19 bebês recém-nascidos que passaram por situações de falta de oxigenação no parto foram beneficiados. Nesses casos, o tratamento convencional baseia-se na sedação e na estabilização das condições clínicas e hemodinâmicas da criança, com o acompanhamento da evolução do quadro. “A hipotermia entra em cena para melhorar essa evolução, principalmente a neurológica”, explica a neonatologista Graziela Del Ben, do Hospital São Luiz. Uma das crianças que ela tratou com o método é Giovana, 4 meses. “Minha filha nasceu com sinais de fraqueza. Exames de sangue mostraram que era falta de oxigenação”, lembra a mãe, Cristiane Machado, que decidiu, com o marido, autorizar o tratamento. A menina ficou 72 horas com a temperatura corporal por volta de 33 graus centígrados – o bebê é colocado em um colchonete que reduz sua temperatura. Nessa fase, foi alimentada com leite materno por uma sonda. “Ela está bem, é uma menina alegre e atenta”, diz Cristiane. Nos EUA, onde o uso é mais disseminado, já existem capacetes e mantas térmicas de vários tamanhos com essa finalidade.

A técnica é referendada por sociedades médicas internacionais. E agora, no início do mês, 350 especialistas em ressuscitação e atendimento de emergências cardiovasculares reunidos em Dallas definiram que a hipotermia deve fazer parte do tratamento dos pacientes que voltam da parada cardíaca. A decisão deverá ser anunciada mundialmente em outubro.

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