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Parte02

Parte03

 

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HEROÍNA
Dorothy dedicou sua vida a lutar contra a grilagem e proteger a floresta no Pará

Ao fim de longas viagens por estradas quase impenetráveis da Amazônia, a pé, no fusca da prelazia ou na garupa da moto de algum colono, a missionária Dorothy Stang costumava redigir cartas de próprio punho. Nos documentos, aos quais ISTOÉ teve acesso, Dorothy fala sobre a grilagem e a pistolagem na região. O acervo da freira é explosivo para os criminosos locais e revela o perfil de uma missionária determinada no enfrentamento ao crime organizado em um Estado ausente. Destacam-se as denúncias contra um dos apontados como mandante de seu assassinato, o fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, conhecido na região como “Taradão”, que está solto à espera de julgamento. Uma das cartas, em tom de dossiê, foi redigida no dia 25 de janeiro de 2005, um mês antes de sua morte. O documento denuncia a invasão da casa de um posseiro da região, Luis Morais de Brito, na gleba 55 de Bacajá, em Anapu. Nele, o fazendeiro Regivaldo é acusado de envolvimento com a grilagem local. “O seu gerente Dominguinho declarou que Zé Roberto comprou de Taradão. Desde 4 de novembro ele aterroriza com homens armados, queimando as casas dos posseiros”, escreveu Dorothy na carta que, hoje, está em poder da Corregedoria-Geral de Polícia do Pará.

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A missionária redigiu mais de 300 cartas, quase sempre anexando a elas as ocorrências policiais registradas por ela nos anos que antecederam sua morte. Parte dos documentos foi responsável por prejuízos milionários ao grupo que daria fim à vida da freira. O enfrentamento mais duro de Dorothy ao grupo de Regivaldo iniciou-se em 2004. Um manuscrito, de novembro daquele ano, detalha de maneira concisa as ameaças dos pistoleiros: “Quinta-feira, 4 de novembro, o gerente Dominguinho, armado de revólver 38 com dois homens de espingarda 20 ameaçaram 7 posseiros de sair imediatamente do lote 57 da gleba Bacajá de Anapu”, escreveu ela. Em seguida, a missionária lembra que Regivaldo esteve envolvido na derrubada clandestina de madeira na área. O material foi enviado à Procuradoria da República e serve de subsídio para investigações sobre sua morte. Em outra carta, hoje em poder do Incra e Ibama, a freira explica outras ações de Regivaldo, como a invasão da área na qual ela seria assassinada: “Lote 55: Invadida por Taradão trabalho escravo multado 6/2004 vendeu para ‘Bida’ Vitalmiro Bastos de Moura derrubou e queimou 1.000 hectares (3 milhões de multa)”, diz o documento. Na quinta-feira 4, o STJ julgou habeas corpus e mandou Bida de volta à prisão. Ele está condenado a 30 anos de cadeia pelo envolvimento no assassinato da freira. Na terça-feira 9, a Justiça do Pará decidiu que Regivaldo será julgado em Belém e não em Bacajá, mas não marcou data.

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LIVRE
Acusado de ser o mandante do crime,“Taradão” aguarda
em liberdade seu julgamento, ainda sem data

Segundo as ocorrências policiais, obtidas por ISTOÉ, em junho de 2004, Dorothy compareceu à Divisão de Investigação e Operações Especiais da Polícia Civil do Pará e denunciou, além de Regivaldo, mais dez pessoas, entre fazendeiros e capangas. “Regivaldo Pereira Galvão, conhecido como Taradão, contrata homens que utilizam máquinas para derrubar a floresta e incendeia e mata, expulsando os colonos da área”, narrou Dorothy ao delegado Aurélio Rodrigues de Paiva. O delegado perguntou se a missionária tinha sido ameaçada. “Alguns moradores da cidade de Anapu (PA) têm comentado que madeireiros e fazendeiros da região irão lhe liquidar”, registra a ocorrência feita pela missionária Dorothy Stang. Como resultado das denúncias da freira, em outubro daquele ano uma operação do Ibama apreendeu maquinário e madeiras de Regivaldo. O fazendeiro havia ­destruído 500 hectares de mata.

Dorothy pedia segurança ao governo do Pará desde 2003. Requisitava investigações sobre empresas de fachada que, segundo ela, funcionam como milícias, como a empresa Marca, que teria provocado três tiroteios com os posseiros. “Agora essa firma vem criando terror”, denunciou a freira. Em 2004, ela escreveu ao Incra. Na carta, um pedido para agilizar os projetos de desenvolvimento sustentável na região. “Se não agir urgentemente com rapidez, a grilagem toma e os inescrupulosos fazendeiros derrubam rapidamente as matas.” Em abril de 2004, Dorothy chegou a enviar ao então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, uma carta intitulada “Lavradores de Anapu pedem socorro urgente”. A carta é assinada também pela Fetagri e pela Fundação Viver.

DENÚNCIA
Em suas cartas Dorothy relata derrubada ilegal
de madeira, pistolagem e trabalho escravo

Após o Carnaval, todo este material, organizado pela ONG Público Interesse, será entregue ao Ministério da Justiça e à Secretaria Especial de Direitos Humanos. Para a Congregação das Irmãs de Notre Dame de Namur, os crimes que vinham sendo denunciados por Dorothy continuam ocorrendo e seguem impunes, inclusive a morte da missionária. O relatório da ONG vai dizer que as fraudes documentais e o uso da violência dos capangas de Regivaldo no lote 55 são apenas um exemplo do que ocorre em toda a região. Regivaldo enganou a Justiça Federal e deu sete versões sobre a posse do lote 55 da gleba Bacajá, onde morreu a freira, o que causa revolta entre as pessoas que dão continuidade ao trabalho de Dorothy. “O crime organizado está destruindo a Amazônia”, lamenta a irmã Rebecca Spires, que trabalhou com a missionária. “A irmã Dorothy foi grande heroína, que estava perto de desmascarar o crime organizado e por isso foi eliminada.”