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REVERSO
Obra de Fatorelli revisita manicômio

Quando se encontrava preso em um manicômio na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, o escritor Lima Barreto anotou em seu “Diário do Hospício” (1919- 20) ser impossível criar tipografias da loucura. Segundo ele, cada louco era um caso à parte. “Não há ou não se percebe entre eles uma relação de parentesco muito forte. Não há espécies, não há raças de loucos; há loucos, só”, escreveu. Da mesma forma pode-se observar os trabalhos expostos em “O Que Se Vê/O Que É Visto”: cada obra corresponde a uma loucura. A mostra reúne trabalhos em vídeo e fotografia de Katia Maciel e Antonio Fatorelli, que exploram os sentimentos descritos na obra de Lima Barreto. Parte dos trabalhos foi realizada no antigo Hospício Pedro II, onde o escritor foi internado e atualmente funciona a Escola de Comunicação da UFRJ, local onde os artistas lecionam. Ao guardar certa distância daquilo que é visto – a mesma que o escritor manteve em relação ao contexto que o cercava –, o espectador desta exposição observa manifestações que, para os artistas, podem ser interpretadas como desvarios ou reversos. O obscurecimento dos sentidos e a cegueira da razão são os dois estados evocados por “Três Mulheres”, de Fatorelli. A obra é formada por duas projeções de fotografias apropriadas do arquivo do manicômio e manipuladas digitalmente. Em uma delas, três mulheres deambulam em um pátio ensolarado e são, pouco a pouco, “engolidas” por uma imensa sombra que invade a imagem.

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DESVARIO
Performance de Katia Macie

Na outra, internos vagam por um corredor, que é paulatinamente consumido pela implacável luminosidade da luz do sol. A invasão, tanto da luz quanto da sombra, se dá de forma quase imperceptível, o que acentua o caráter fantasmagórico das cenas. Mudez e ensimesmamento dão o tom da videoperformance “Colar”, de Katia, em que a artista, em uma espécie de autoencantamento, coloca-se diante do espelho e assume o gesto automático de vestir-se com dezenas de colares. Repetição, desmedida e transbordamento também são assumidos por Katia, em vídeos como “O Livro Aberto”, que por mais que seja folheado sempre volta à capa; “Meio Cheio, Meio Vazio”, que mostra um copo que nunca termina de ser preenchido de água; e “Ver de”, em que os galhos de uma árvore invadem um corredor do edifício histórico ocupado pela UFRJ. Em meio a casos diversos de loucura, pode-se dizer que os artistas colocam um mesmo enigma a ser decifrado: de como a mobilidade do vídeo e a fixidez da fotografia são condições relativas. O que se vê aqui são aproximações e sobreposições dos extremos.