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ESCOLHA
Na busca da cura, os doentes podem optar por experimentos sem fundamento científico

Diagnosticada com um câncer de colo uterino grave, a carioca Sandra Helena Brandão, 51 anos, viu sua esperança definhar na mesma proporção em que piorava fisicamente. Ela só começou a voltar quando Sandra recebeu a proposta de participar de uma pesquisa clínica no Instituto Nacional de Câncer para avaliar os efeitos de uma droga experimental. Durante um mês e meio, em 2008, ela tomou um comprimido diário de uma substância que impede a multiplicação das células doentes – mas não deixou de lado a quimioterapia e radio- terapia. “No começo, me senti uma cobaia”, lembra. A experiência valeu a pena: o câncer sumiu em seis meses. “Foi o que salvou a minha vida.” Assim como ela, milhares de brasileiros se submetem a tratamentos experimentais – terapias médicas, como remédios ou cirurgias, ainda em fase de comprovação científica. Portanto, sem terem definidas sua segurança e eficácia para o uso em humanos. Como os efeitos são desconhecidos – e os riscos, dessa forma, aumentados –, estão cercados de cuidados para garantir a proteção e os direitos dos pacientes. E uma dúvida adicional assusta os voluntários: como separar a pesquisa séria da aventureira? Esse questionamento ganhou destaque recentemente, quando a Justiça de Goiás proibiu a cirurgia para redução de estômago usada para o controle da diabetes. Aplicado pelo cirurgião Áureo Ludovico de Paula em mais de 700 pessoas, o procedimento não foi regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Por isso, poderia ser considerado experimental.

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 Sandra fez terapia bem-sucedida contra o câncer

Mas isso significa que sua utilização só seria permitida como parte de uma pesquisa formalmente submetida à aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), instituição vinculada ao Ministério da Saúde que regulamenta experimentos em humanos. “O médico não poderia sequer tê-la desenvolvido sem fazer antes uma pesquisa, com testes em animais, avaliações de segurança e proteção em humanos”, afirma Gyselle Tannous, coordenadora da Conep. “E nenhum projeto de pesquisa mencionando a técnica nos foi apresentado.” Áureo de Paula defende que o procedimento é uma evolução de outro já regulamentado – o que dispensaria a necessidade de regulamentação. Mas terá que explicar, na Justiça, os 11 casos  em que pacientes operados por ele teriam desenvolvido complicações após a cirurgia. O episódio reforçou a necessidade de os pacientes conhecerem o terreno onde irão pisar. “Antes de se submeter a um procedimento, a pessoa deve perguntar ao médico se a técnica é reconhecida”, diz Edevard Araújo, do CFM. Dependendo do caso, vale a pena consultar outro especialista. Um exemplo de terapia experimental considerada perigosa é o tratamento com células- tronco oferecido na China a pacientes com paralisia cerebral. “Não há documentação mostrando que é um procedimento seguro, e as pessoas correm o risco de viver uma ilusão”, alerta o médico Décio Mion, do Hospital das Clínicas de São Paulo. No Brasil, as pesquisas com seres humanos são regulamentadas pela Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde. Drogas, produtos ou cirurgias devem ser testados primeiramente em animais. Antes do teste em humanos, cientistas têm que submeter uma proposta de estudo a um dos 600 Comitês de Ética em Pesquisa, que funcionam nas principais  instituições científicas do País.

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ACERTO
Marília coordena estudos sérios

“As pessoas só devem aceitar participar de estudos previamente aprovados por esses comitês”, alerta a bióloga Greyce Lousana, presidente da Sociedade  Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica. Antes de começar, o paciente deve assinar um termo de consentimento declarando estar ciente dos procedimentos aos quais será submetido, assim como dos riscos envolvidos. As possíveis consequências devem ser avaliadas com cuidado. A legislação define que a terapia experimental será gratuita e a instituição que a coordena deve se responsabilizar pelos problemas que possam decorrer dela, incluindo os custos do tratamento. A lei impede que doentes recebam dinheiro ou outro benefício em troca da participação – a não ser o ressarcimento de gastos como transporte. Quando os aspectos éticos são observados, as pesquisas clínicas permitem avanços importantíssimos na medicina. Na Fiocruz, o Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas conduz atualmente 20 estudos, com 600 voluntários, para aprimorar o tratamento da Aids. A infectologista Marília Santini participa de todos, como pesquisadora. “As pessoas ficam entusiasmadas com a possibilidade de cura”, conta. 

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