ROBERTO CASTRO AG ISTO E.

PETARDOS Mais de dez mil laudas de documentos foram mostradas por Denise Abreu na Comissão de Infra-Estrutura do Senado

No período de um ano e cinco meses em que ocupou o cargo de diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Denise Abreu guardou quatro malas de documentos. Na quarta-feira 11, ela desembarcou em Brasília com uma dessas malas e a abriu ao prestar depoimento na Comissão de Infra-Estrutura do Senado. O que se viu nas mais de dez mil laudas foi a comprovação documental do que Denise pediu várias vezes, mas não conseguiu: informações do próprio governo para tentar jogar luz no nebuloso processo de venda da Varig. Ela acusa a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e a secretária- executiva, Erenice Guerra, de fazerem pressão sobre a Anac para vender a Varig ao fundo americano Matlin Patterson sem checar a origem do capital dos três sócios brasileiros, que receberam o dinheiro emprestado do próprio fundo. Mas, no seu depoimento, Denise abriu uma nova frente de denúncia: o tráfico de influência que o compadre do presidente Lula, o advogado Roberto Teixeira, teria exercido sobre a Anac. "Sem dúvida nenhuma, as ingerências praticadas e a forma como o escritório Teixeira Martins atuou na Anac são imorais e podem gerar ilegalidades", disse Denise. "Éramos tratados pelos membros desse escritório de forma absolutamente desrespeitosa."

Em mais de cinco anos de governo, o presidente Lula, que morou numa casa emprestada por Teixeira por nove anos, sem pagar um tostão de aluguel, nunca tinha dado tantas demonstrações de incômodo com um depoimento de um ex-membro da administração federal. No momento em que Denise abria sua mala azul, o presidente reclamava que as críticas da ex-diretora eram uma resposta ao "favoritismo" da ministra Dilma em 2010. Na quintafeira 12, Lula voltou a atirar em Denise:

"Eu gostaria de saber o que aquela moça fez lá ontem, durante oito horas. Eu, sinceramente, não sei. Eu não assisti. Mas o que eu percebi é que o resultado é como se você espremesse uma laranja que não tivesse caldo", ironizou Lula. "Só Freud explica tudo aquilo lá." O ministro da Comunicação, Franklin Martins, também fez pouco caso: "O Executivo não tomou nenhuma decisão, elas foram do Judiciário. O resto é lero-lero". Na verdade, não há motivo nenhum para pilhéria, pois não falta conteúdo às acusações da ex-diretora e também saltam aos olhos as pressões exercidas pelo advogado Roberto Teixeira, que comemorou no gabinete do presidente da República o cheta, a autorização para a Varig voar.

ZECA CALDEIRA/AG. ISTOÉ

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Sem marcar audiência
Roberto Teixeira tinha encontros com o presidente
e agia "como um ministro"

Os documentos provam que Denise enviou ofícios até para o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o secretário da Receita, Jorge Rachid, sempre em busca da origem do dinheiro da compra da Varig. Em 28 de abril de 2006, Denise encaminhou pedido à VarigLog para que os sócios apresentassem documentos comprovando a idoneidade financeira da empresa. Em 5 de fevereiro de 2007, foram enviados outros dois ofícios: um para o BC e o outro para a Receita. Em ambos, Denise pede informações sobre a Volo Brasil e sobre a origem dos recursos da empresa.

Após o depoimento da ex-diretora, a base de sustentação do governo no Congresso se mobilizou para evitar a convocação de Teixeira. O presidente da Comissão, senador Marconi Perillo (PSDBGO), avisou que não abre mão da presença do compadre de Lula esta semana no Senado. O líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), quer aprovar requerimento para pedir aos ministérios registros de visitas de Teixeira. "Tem material para CPI", diz Virgílio. Os senadores aguardam ansiosos o depoimento do empresário paulista Marco Antônio Audi, que entrou na sociedade com o Matlin, um fundo tido como "abutre", que compra empresas em dificuldades e as revende com lucros. Audi contou à ISTOÉ detalhes sobre o poder de seu advogado Teixeira, que segundo ele ligava para os ministros e em seguida os visitava, sem pré-agenda, e sempre entrava pela porta privativa. "O Teixeira usa da amizade, usa o nome do presidente e o da ministra Dilma para abrir portas", diz Audi. "Era o Teixeira quem marcava e dizia que era importante ir naquele ministro. Fomos ao Waldir Pires (ex-ministro da Defesa), ao Marinho (ex-ministro da Previdência). Eu não pedi audiência nem com o Lula nem com a Dilma. Estive com a ministra Dilma duas vezes e foi o Teixeira quem marcou."

Audi diz que no dia 15 de dezembro de 2006 ele ficou impressionado com o poder de Teixeira, semelhante "ao de um ministro". No dia 14, a nova Varig tinha recebido da Anac o cheta, autorização para voar. Na manhã seguinte, Audi recebeu um telefonema do advogado. "O Teixeira me avisou no próprio dia, de manhã, que ele marcou, naquele mesmo dia, um encontro com o Lula. Tive de alugar um avião às pressas para ir a Brasília." O empresário confirma pressões sobre funcionários da Anac: "O Teixeira falava o seguinte: ‘Pode deixar que da Anac eu tomo conta’. Ele foi peça importante para que as autorizações saíssem. Como ele ameaçava, se ameaçava, não posso dizer." Em nota à imprensa, Teixeira rebate as acusações e afirma que Denise "tenta distorcer a cronologia e a verdade dos fatos de forma vergonhosa".

A versão do empresário é coerente com o depoimento de Denise. "A pressão era exercida sobre a segurança operacional da Anac para agilizar documentação do escritório do Teixeira", contou Denise. A partir de 2006, segundo ela, os diretores da Anac começaram a ser chamados à Casa Civil. Em uma das reuniões, foram oito horas de pressão de Erenice Guerra. Um dos motivos, diz a ex-diretora, eram as três exigências da Anac para fechar o negócio. Denise exigiu dos sócios brasileiros as declarações de renda, explicações sobre a entrada de capital externo na operação e eventual contrato mútuo. Havia denúncia do Sindicato Nacional das Empresas Aéreas de que o aporte de capital estrangeiro era maior que o autorizado. "Me foi dito que eu estava extrapolando", diz Denise. A Anac dava demonstrações públicas de que queria investigar a fundo o negócio, pois numa ata de maio de 2006 determinava a confecção de convênio com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, que investiga lavagem de dinheiro. Se o Coaf tivesse sido acionado, a venda da Varig ao fundo Matlin Patterson certamente não teria sido realizada.

AG. ISTOÉ

O ex-sócio do Matlin
Os senadores agora querem ouvir o que
Marco Antônio Audi tem a dizer

Para Denise, a maior pressão do governo e do escritório de Teixeira ocorreu em 23 de junho de 2006, para aprovar a venda da VarigLog para a Volo do Brasil, que permitiria posteriormente a compra da Varig. A ex-diretora da Anac avisou que não poderia votar porque havia contra si uma representação da VarigLog no Ministério da Defesa, feita pelo escritório de Teixeira. O então presidente da Anac, Milton Zuanazzi, havia convocado toda a diretoria e teria recebido telefonemas da Casa Civil para que o negócio fosse fechado. Zuanazzi então avisou o escritório de Teixeira sobre a impossibilidade de votação, enquanto permanecesse a representação contra a diretora. No mesmo dia, às 16h20, a representação foi retirada. Às 22 horas, a Anac redigiu a ata, aprovando o negócio. Zuanazzi negou a existência da representação, mas um ofício assinado pela advogada Adriana Marubayachi Angelozzi pede justamente o arquivamento dessa representação.

O procurador da Anac, João Ilídio, diz Denise, estava internado no hospital e foi convocado às pressas pela equipe de Dilma para redigir novo parecer, desta vez abrindo mão da apresentação dos documentos dos sócios brasileiros para comprovar origem do capital. O governo queria vender a Varig de qualquer forma.


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