A imagem ao lado é o rosto do mais novo personagem da máfia dos sanguessugas. Trata-se do paulista Abel Pereira, 51 anos, um rico empresário da construção civil que, segundo Darci e Luiz Antônio Vedoin, os donos da Planam, era o operador do ex-ministro da Saúde Barjas Negri, braço direito de José Serra, na venda de ambulâncias superfaturadas para prefeituras de todo o País. Desconhecido da maioria dos brasileiros, Abel começou a ganhar notoriedade na última semana, depois que ISTOÉ divulgou algumas de suas operações a partir de uma entrevista concedida pelos Vedoin. Os chefes dos sanguessugas também mostraram uma série de cheques e depósitos bancários que, ao serem devidamente investigados pela Polícia Federal, poderão comprovar definitivamente suas denúncias. A relação de Abel com Barjas Negri é tão estreita quanto suspeita. Negri, o ex-secretário-executivo de Serra no Ministério da Saúde e seu sucessor, é o atual prefeito de Piracicaba, cidade com cerca de 350 mil habitantes no interior paulista. Abel parece ser seu empreiteiro predileto. A cidade é um canteiro de obras e as empresas da família de Abel são responsáveis pela maior parte delas. Nos últimos 18 meses, faturaram R$ 10,4 milhões, equivalente a 40% de tudo o que a Prefeitura gastou em obras. Fazem desde “restaurações de ponto de ônibus” até a construção de ginásio de esportes, passando por recapeamento e jardinagem. “Essa ação entre amigos é antiga e precisa ser apurada com rigor”, diz o presidente da Câmara Municipal, Gustavo Hermann, do PSB.

As ligações do empresário com o prefeito têm mais de 30 anos. Abel coordenou a arrecadação de recursos da campanha de Barjas e suas empresas aportaram, oficialmente, R$ 45 mil nas contas do tucano. Durante a administração de Barjas, o grupo da família de Abel conseguiu mais de 35 obras na cidade. Para ter tanto sucesso em suas apostas, Abel não costuma correr riscos. Segundo um antigo sócio localizado por ISTOÉ, o empresário trabalha com pesquisas eleitorais encomendadas por ele próprio e só aposta no favorito. Em Brasília, embora nunca tenha feito parte dos quadros do Ministério da Saúde, quando o amigo Barjas era secretário-executivo e posteriormente ministro, Abel transitava com a mesma desenvoltura com que hoje caminha nos corredores da Prefeitura de Piracicaba. Não precisava se identificar. Era atendido a qualquer hora e as secretárias tinham a instrução de jamais barrá-lo.

Comissão de 6,5%

Com os Vedoin, as relações de Abel antecedem as ambulâncias superfaturadas. Quando o velho Jaime afastou-se das propinas municipais, foi morar em uma fazenda da família no município de Jaciara, no interior mato-grossense. Mato Grosso é o Estado em que os Vedoin atuam com maior desenvoltura. Abel e Darci se conheceram e logo montaram uma sociedade para a produção de leite. O negócio não prosperou. Mais tarde, quando Barjas já estava no Ministério da Saúde, Abel e Darci voltaram a se encontrar. “Logo que o Barjas assumiu o Ministério, o esquema mudou. O que antes era feito com os parlamentares passou a ser operado pelo Abel. Ele liberava todos os recursos no Ministério e nós pagávamos a ele 6,5% do que recebíamos”, disse Darci a respeito da participação de Abel na máfia das ambulâncias. A Polícia Federal já tem em mãos as gravações de uma série de conversas entre Abel e os Vedoin. Além disso, também estão sendo investigadas as informações financeiras que comprovam as ligações entre eles.

Como o tesoureiro Delúbio Soares e o publicitário Marcos Valério, as pontas principais do escândalo do mensalão, Abel agia nas sombras em Brasília.
Um crachá permanente de terceirizado era o bastante para que o empresário superasse as catracas da entrada do prédio do Ministério da Saúde e fosse direto para o quinto andar. Era lá, segundo os Vedoin, no gabinete do então ministro
Barjas Negri, que aconteciam as liberações dos recursos destinados à Planam.
Para o público em geral, o acesso a Barjas nunca foi fácil. Com o amigo Abel era diferente. Apesar disso, suas incursões no prédio do Ministério da Saúde não eram freqüentes. Às vezes aparecia uma vez a cada dois meses. Só no final do governo tucano é que suas visitas ficaram mais rotineiras. “No final de 2002, depois de um breve encontro no aeroporto de São Paulo, o Abel passou a liberar tudo com muita rapidez”, lembra Darci.

Obras serão investigadas

Com a mesma rapidez com que liberava dinheiro para as ambulâncias, Abel conseguiu amealhar as obras de Piracicaba para suas empresas. E assim como em Brasília, também no interior paulista as atividades do empresário passarão a ser alvo de investigações. Na noite da quinta-feira 21, apesar da maioria governista, a Câmara Municipal resolveu criar um grupo para analisar as 35 licitações vencidas pelo grupo de Abel apenas nos últimos dois anos. “As vencedoras são as que oferecem os preços mais baixos”, reagiu Barjas em entrevista a ISTOÉ. Não é o que assegura o Tribunal de Contas do Estado. Segundo o processo 1742/010/03, os técnicos classificaram como irregular a licitação de uma obra pública, datada de 13 de outubro de 2003, ganha pela Concivi, de propriedade do irmão de Abel. A licitação exigia que as empresas que participassem do concorrência deveriam ter a fábrica de asfalto distante no máximo 20 quilômetros da sede da prefeitura. Claro, só existia a deles. “Os métodos das licitações são todos suspeitos”, acusa um empreiteiro concorrente. “Com certeza, Abel é o homem mais rico e poderoso da cidade”, afirma um vereador da base governista do prefeito Barjas, que pede anonimato.

O grupo de Abel controla 11 empresas que incluem uma pedreira, uma companhia de limpeza urbana e até uma empresa factoring. E é justamente na Ativare, antiga Moneicred factoring, hoje em nome da mulher de Abel, Raquel, que a Polícia Federal suspeita que o dinheiro vindo da Planam era lavado. “Já estamos próximos de descobrir onde foram parar os cheques”, confirma um dos policiais que investigam o caso sanguessuga. O trabalho dos policiais aponta em direção a Enéas de Melo, primo de Abel. Era ele, segundo a PF, o homem que buscava o dinheiro em Brasília. Na cidade, o primo de Abel é conhecido como um bon vivant. Mas não são todos os familiares que vivem sob o guarda-chuva de Abel, ou que participam das sessões de jogos de bilhar na mansão da chácara Nazaré. Um dos sete irmãos de Abel, Eduardo, é tido na cidade como inimigo do próprio irmão. Os amigos de Eduardo contam que, por causa da partilha dos bens, os dois romperam as relações.

Maior empresa foi fundada pelo pai

Discreto, o empresário mora em um casarão cercado por uma enorme muralha na chácara Nazaré, um dos bairros mais nobres de Piracicaba. Apesar de ter dinheiro, os que o conhecem garantem que Abel não tem gosto refinado. Separado da primeira mulher, ele vive com Raquel Barbosa, cerca de 20 anos mais nova, e tem três filhos. Não costuma ser visto publicamente, a não ser quando está ao lado do prefeito Barjas inaugurando obras. A última foi na sexta-feira 15, na inauguração de uma ponte próxima a uma avenida cujo nome é Abel Pereira. A festa foi ofuscada pelas denúncias dos Vedoin. Logo após a cerimônia, tanto Abel como o prefeito sumiram da cidade até a noite.

A principal empresa da família, a Cicat Construções Civis e Pavimentações Ltda.,
foi criada por seu pai, Jaime Pereira, um homem admirado pelos piracicabanos. Filho de um modesto imigrante português, começou a empresa fazendo pequenas obras de recuperação de guias e sarjetas. Diante das possibilidades de fazer o negócio crescer, Jaime resolveu suspender suas operações. “Ele dizia, resignado, que chegou a um ponto que para continuar a trabalhar seria necessário distribuir propinas ao prefeito e secretários de plantão. Então, achou melhor parar”, disse
a ISTOÉ o veterano jornalista Cecílio Elias Neto, um dos maiores conhecedores
da história recente do município. Já falecido, o velho Jaime é hoje nome de
uma fundação de amparo aos doentes de câncer. O filho Abel resolveu agir
por outra cartilha.

Cheques da Planam: os Vedoin afirmam que pagaram propinas a Abel na forma de 15 cheques ao portador