Um telefonema dias atrás, às cinco da madrugada, acordou o empresário Gilberto Scarpa em sua casa em Campinas, no interior paulista. Pelo horário, ele sentiu a espinha gelar e pensou: deve ser notícia ruim. Em termos. Era seu filho Gilbertinho, de uma boate em São Paulo. Gilbertinho tinha ao lado uma personagem notória da sociedade brasileira que exigia falar com ele. Era o playboy Francisco Scarpa Filho, figurinha carimbada de colunas sociais e conhecido como Chiquinho. “Primo, no dia em que eu receber minha herança, metade será sua”, falou para Gilberto, o pai. O playboy não estava exatamente sóbrio. Logo após desligar o celular e deixar o “primo” dormir, deu de presente a Gilbertinho um isqueiro de ouro da marca Cartier com o brasão da família Scarpa.

O episódio não é confirmado por Chiquinho. Mas Gilberto, o pai, garante que houve o telefonema e até diz que o interpretou como uma aprovação do primo ao fato de ter feito uma revelação a ISTOÉ na edição 1922. Naquela ocasião, o playboy procurou Gilberto para contar que o pai, o conde Francisco Scarpa, o tinha colocado para fora da mansão, no Jardim América, nobre bairro paulistano. Ele ainda queixou-se que um quadro de Portinari teria sido vendido pelas irmãs Renata e Fátima. A história indignou os Scarpa da capital paulista. E gerou uma carta do advogado da família, publicada na edição 1928, que contesta a versão de Gilberto. A carta ainda nega o grau de parentesco entre eles. A resposta oficial de Chiquinho mexeu com os brios de Gilberto pai e provocou uma briga nos bastidores. Agora em nova entrevista a ISTOÉ, Gilberto crava: “Sou parente, sim”, dando novos matizes a uma pendenga centenária nascida em 1900, quando o patriarca Francesco Antonio se juntou à brasileira Maria Angélica Pires, avó de Gilberto.

“Ele se sentiu ofendido pela carta dizer que não é parente?”, perguntou ironicamente o advogado Marco Antonio Fanucchi, também procurador de Chiquinho. Por intermédio do advogado, Chiquinho alega desconhecer a existência de Maria Angélica. Nesse ponto reside a encrenca. Se for tomada como certa a árvore genealógica pesquisada por Gilberto, o empresário é, de fato, parente. O problema está na união de Francesco com a brasileira Maria Angélica. O patriarca, quando desembarcou no porto de Santos, em 1888, trazia consigo Nicola (ou Nicolau), filho de seu casamento legítimo com a primeira mulher, Rosa, que ficou na Itália. No Brasil, segundo a versão do empresário, Francesco caiu de amores por Maria Angélica, que vivia em Sorocaba (SP).

Chiquinho descende de Nicola, que ainda jovem aumentou a fortuna do pai, construída inicialmente no comércio. Rico, Nicola mudou-se para São Paulo. Os Scarpa da capital paulista se dão com os parentes nascidos nesse ramo chamado de “italiano” – isto é, vindo de Nicola, filho de Rosa. Os do lado brasileiro não tiveram a mesma sorte. “Nicola ficou com a herança. Ele tinha mais projeção do que minha avó, uma viúva com quatro crianças”, dispara Gilberto. Os Scarpa do interior paulista não conseguiram enriquecer até que Gilberto passou a juntar dinheiro. Ele abriu a indústria de plásticos Scarpa e chegou a ser o rei das garrafas PETs no Brasil. Na década de 90, milionário, o empresário promoveu festas memoráveis que tiveram como convidados estrelados os Scarpa “italianos”. Tempos depois, Gilberto Scarpa foi enquadrado pelo INSS, com uma dívida astronômica. Apenas recentemente ele conseguiu reequilibrar sua vida financeira. Diz que atualmente não tem nenhuma pendenga em cartório. Mas agora surgiu esta com os primos – ou não-primos. “Fui até Gioi atrás de documentos. Tenho certidões comigo e até tirei passaporte italiano, comprovando a ligação com o patriarca Francesco Antonio”, assegura Gilberto.

Outra questão que irritou os Scarpa do Jardim América foi a suposta venda de um quadro de Portinari. A razão seria quitar as dívidas excessivas de Chiquinho, filho do atual chefe do clã, o conde Francisco Scarpa, que está com 96 anos. Em resposta à carta de Fanucchi, Gilberto sugere uma visita à mansão para verificar se a tela ainda está lá. Mas Patsy Scarpa, mãe de Chiquinho, é categórica: “Não há quadro. O que temos é um desenho de Portinari que não vale nada.” E emenda: “Gilberto não é parente próximo. Não temos relações com ele. Nós o visitamos uma vez, há 15 anos, em Punta del Este. Tinha uma casa linda”, recorda-se.

Uma pessoa íntima de Chiquinho garante que ele não tinha idéia da existência de algum trabalho do artista na mansão. “Nem sabia. Perguntei para minha mãe onde ele estava e soube que fica na biblioteca”, diz ele. A mesma fonte ouviu de
sua boca que ele pode, sim, ter dado algum presente a Gilbertinho, que, ao contrário do que dizem os “primos”, ele admite conhecer apenas vagamente. Dependendo das circunstâncias, deve ser mesmo difícil lembrar dias depois do que se fez às cinco da madrugada. “Mas um isqueiro fica difícil dar”, faz questão de ressaltar o playboy. “Eu não fumo. Por que teria, então, um isqueiro com brasão?!”, estranhou. ISTOÉ procurou Chiquinho para dar sua versão da história. Um e-mail encaminhado à reportagem encerrou o assunto. “Por ordens expressas do meu advogado e procurador não posso fazer nenhuma declaração. Lamento”. Assina o conde Francisco Scarpa Filho.