06/05/2016 - 20:00
A manhã da quinta-feira 5 trouxe alívio a políticos de diferentes matizes do País. Eles acordaram com a notícia de que o presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) fora afastado do mandato por uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Teori Zavascki acolheu os argumentos da Procuradoria-Geral da República de que o deputado não tinha condições de permanecer na Casa diante dos indícios de que usava o cargo para atrapalhar as investigações contra ele. A decisão foi referendada horas depois por unanimidade pela Corte. “Eu costumo dizer que o cargo é ocupado para servir ao semelhante. Não para que este ou aquele, se sentindo inalcançável, se beneficie”, afirmou o ministro Marco Aurélio Mello. Há tempos a situação de Cunha estava insustentável. Afinal, era um acinte alguém comandar a Câmara sendo réu de uma ação por corrupção e alvo de outras seis investigações. O parlamentar usava uma tropa de choque de aliados para controlar a Casa. Sem constrangimentos, recolocava em votação projetos de seu interesse e interpretava o regimento interno ao seu bel-prazer para protelar o andamento de sua cassação. O processo que pede a sua saída superou todos os recordes da Câmara: há mais de 150 dias tramita sem chegar a lugar algum. Mas até ser expulso pelo Plenário, Cunha mantém o foro privilegiado. Sabe que, se perder, corre o risco de parar na Superintendência Federal do Paraná. Motivos não faltam.
O temor de engrossar a lista de presos da Lava Jato tomou conta do parlamentar após a ordem de afastamento. Ele fez reuniões, com advogados e políticos, e trocou a frieza habitual por impropérios ao se referir ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Em outro momento, chegou a esboçar, segundo interlocutores, a frase típica dos políticos enrascados: “se cair, não caio sozinho”. Estima-se que Cunha tenha cerca de 200 apoiadores na Câmara. É neles que confia para manter o mandato e não cair nas garras de Sergio Moro. Mas fidelidade e política são palavras que não costumam andar juntas em momentos de crise. Ficar ao lado do deputado carioca representava ascensão a políticos do baixo clero até a quarta-feira 4. Depois da decisão do STF, se tornou risco de desgaste eleitoral. Prova disso é que aliados discutiam o seu espólio dentro da Casa poucas horas após o afastamento.
Caindo nas mãos de Moro ou não, a situação jurídica de Cunha é delicada. Ele se tornou réu no STF em março. Os ministros aceitaram por unanimidade as denúncias por corrupção e lavagem de dinheiro. Teria, segundo os delatores Júlio Camargo e Fernando Baiano, recebido mais de US$ 5 milhões para pressionar o estaleiro Samsung a pagar propinas atrasadas pelo arrendamento de dois navios sondas à Petrobras. Para garantir o recebimento do dinheiro, usou uma deputada para convocar os envolvidos a prestarem esclarecimentos sobre os contratos na Câmara. Pesa contra Cunha ainda outra denúncia à espera de ser aceita pelo STF. O Ministério Público Federal o acusa de manter contas irregulares na Suíça. Desconfiança confirmada por documentos enviados por autoridades do país europeu. Entre eles, há a cópia do passaporte usado pelo parlamentar para abrir uma conta bancária. O presidente afastado da Câmara enfrenta outros seis inquéritos.
A suspensão do mandato de Eduardo Cunha reforça a isenção dos procuradores do Petrolão. Desde que a Lava Jato chegou a políticos, o PT acusa a operação de existir para apear o partido do poder. Uma teoria que se mostra novamente falaciosa. O agora afastado Cunha é do PMDB de Michel Temer, desafeto do governo. A saída dele desmonta também argumentos que colocavam em dúvida a legalidade do processo de cassação de Dilma. A presidente tem afirmado que haveria um acordo em que o então presidente da Câmara ficaria impune das acusações em troca de aceitar a denúncia que deu origem ao impeachment. O ex-presidente da Câmara pode ser questionado por muitos aspectos, menos pela habilidade política. Não empenharia o seu capital numa jogada que se mostra tão equivocada. Por fim, a decisão do STF encerrou o discurso petista de que ele se tornaria vice de Temer. Poderia comandar o País, em um enredo ao estilo da série americana ‘House of Cards’. É verdade que o presidente da Câmara assume o cargo na vacância de poder. Mas a decisão do Supremo faz com que Cunha não possa mais exercer nem o seu mandato.
Cunha antecipou sua derrocada, dizem aliados, ao se superestimar. As vitórias acumuladas o fizeram errar os cálculos sobre seu verdadeiro cacife político. Quando seu nome surgiu no Petrolão, ele mexeu com o corporativismo do Ministério Público Federal e do Supremo com declarações de perseguição política. “O Renan estava mais enrascado, mas preferiu contemporizar. Cunha se expôs ao partir para o ataque”, afirma um correligionário. No Parlamento, cultivou desavenças com suas sucessivas manobras. Tornou-se uma espécie de malvado favorito do Planalto. Estabeleceu uma relação de bate e afaga que interessava Dilma até a hora em que aceitou o impeachment. Aí passou a exercer o mesmo papel do outro lado. Era cortejado por grupos pró-impeachment. Com a vontade popular concentrada em derrubar a presidente, os problemas de Cunha com a Justiça ficavam em segundo plano. Era o mal necessário. O fato é que, depois de tramitado o processo na Câmara, ele perdeu a serventia. Só permaneceu o malvado, com seus episódios de corrupção e chantagens políticas. Em nota, os partidos de oposição afirmaram que seu afastamento “indica o reencontro do País com princípios e valores como a transparência, a Justiça e o combate à impunidade.” Para o líder do PT na Câmara, Afonso Florence (BA), “é uma decisão esperada. Há muito tempo Eduardo Cunha vem golpeando a Constituição”. Joaquim Barbosa, ex-ministro do STF, classificou como “uma das mais extraordinárias e corajosas decisões da história político-judiciária do Brasil.”
Horas depois do afastamento, parlamentares tentavam entender como ficaria a direção da Casa. A presidência da Câmara será assumida temporariamente pelo deputado Waldir Maranhão (PP-MA), acusado no Petrolão. Na quinta-feira 5, ele deu os primeiros sinais de como será a sua gestão interina. Finalizou a sessão em andamento e ordenou a suspensão da transmissão do plenário pela TV Câmara. Deputados se revoltaram. Luiza Erundina (PSOL-SP) sentou na cadeira da presidência enquanto colegas se revezavam na tribuna entoando gritos de “Fora, Cunha”. A derrocada é incontornável. Até políticos fiéis a ele concordam com o presidente do Conselho de Ética na Câmara, deputado José Carlos Araújo (PR-BA), de que as manobras que seguraram o seu mandato chegaram ao fim. Em breve, ele acertará as contas com a Lava Jato. Vai seguir o caminho de Lula. O País começa a ser passado a limpo.