A direção do aplicativo WhatsApp, bloqueado nesta segunda-feira (2) por ordem judicial em todo o território nacional, afirmou que está "desapontada" e que cooperou "com toda a extensão de sua capacidade com os tribunais brasileiros".

"Depois de cooperar com toda a extensão da nossa capacidade com os tribunais brasileiros, estamos desapontados que um juiz de Sergipe decidiu mais uma vez ordenar o bloqueio de WhatsApp no Brasil", afirmou a companhia, pertencente ao Facebook, em nota.

De acordo com o WhatsApp, a decisão da Justiça de Sergipe "pune mais de 100 milhões de brasileiros que dependem do nosso serviço para se comunicar e administrar os seus negócios para nos forçar a entregar informações que afirmamos repetidamente que nós não temos".

A ordem de interrupção do serviço, tomada pelo juíz Marcelo Maia Montalvão, começou a valer às 14h desta segunda-feira e o aplicativo deverá voltar a funcionar apenas na quinta-feira, às 14h. Caso as operadoras não cumpram a decisão judicial, elas deverão pagar uma multa diária de R$ 500 mil.

Em nota, o Tribunal de Justiça de Sergipe informou que a decisão consta nos autos do processo 201655000183, que tramita em segredo de Justiça. "O magistrado atendeu a uma medida cautelar ingressada pela Polícia Federal com parecer favorável do Ministério Público, em virtude do não atendimento, mesmo após o pedido de prisão do representante do Facebook no Brasil, da determinação judicial de quebra do sigilo das mensagens do aplicativo para fins de investigação criminal sobre crime organizado de tráfico de drogas na cidade de Lagarto, Sergipe."

O juiz Montalvão é o mesmo que mandou prender preventivamente o vice-presidente do Facebook para a América Latina, Diego Dzodan, em março deste ano, alegando descumprimento de determinação de quebra do sigilo de mensagens no aplicativo. A Justiça precisava de informações no âmbito de um processo de tráfico de drogas interestadual, mas o Facebook, dono do WhatsApp, não teria liberado as conversas. Como, apesar da prisão, o WhatsApp não liberou o acesso aos dados, o juiz pediu o bloqueio do serviço nesta segunda-feira.

A empresa afirmou que não tem as informações solicitadas pela Justiça brasileira.

"Desproporcional"

O presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Rezende, afirmou hoje (02) que o bloqueio do aplicativo WhatsApp em todo o país é uma medida desproporcional porque acaba punindo os usuários do serviço. “O WhatsApp deve cumprir as determinações judiciais dentro das condições técnicas que ele tem. Mas, evidentemente o bloqueio não é a solução”, acrescentou.

Segundo Rezende, a Anatel não pode tomar nenhuma medida para restabelecer o serviço, porque não é parte da decisão judicial. O Ministério das Comunicações informou que não vai se posicionar neste momento sobre a decisão judicial que determinou o bloqueio do WhatsApp.

Bloqueio viola liberdades individuais, alertam especialistas

Fábio Martins Di Jorge, do Peixoto & Cury Advogados, diz que a sentença viola as liberdades individuais. "No momento em que vemos com satisfação o Judiciário se apresentando pelas redes sociais, no momento da implementação integral do processo judicial eletrônico, no momento em que juízes fazem acordo e intimações das partes pelo sistema do WhatsApp, enfim, quando sedimentado o princípio da publicidade entre nós, deparamos, infelizmente, com mais uma decisão que viola liberdades individuais e lutas sociais duramente conquistadas. São 100 milhões de usuários prejudicados e negócios e comunicação de todo o País poderão ser paralisados. Ainda que o feito esteja sob sigilo, tranquilo concluir que nosso sistema processual permite constranger o devedor a fazer ou deixar de fazer algo por outros meios menos violentos ao interesse público primário e, principalmente, com razoabilidade. De se imaginar o caos à sociedade se eventual descumprimento de decisão judicial gerasse a paralisação de serviços públicos, sejam eles quais forem."

"Nenhum juiz tem o poder de impedir a comunicação de milhares de pessoas que não estão sob sua jurisdição, já que não somos réus no processo que preside. O máximo que poderia era arbitrar multa financeira que pode ser revisada pelas instâncias judiciais. É mais um ato em que o judiciário brasileiro expõe a insegurança jurídica nacional, que é hostil ao empresariado, ao mercado e aos direitos individuais. O FBI moveu todos os esforços para a Apple quebrar a criptografia do iPhone e não se viu o CEO da empresa ser preso por causa disso", compara o criminalista Fernando Augusto Fernandes, sócio do Fernando Fernandes Advogados.

Para o criminalista Daniel Bialski, sócio do escritório Bialski Advogados Associados, "é incompreensível que um juiz, a quem caberia agir com parcimônia e plena isenção, não consiga tomar medidas menos radicais para fazer cumprir suas determinações".

"Inclusive, não se pode aceitar e conceber que tome decisão pela eventual desobediência de alguns, tornando possível o prejuízo de milhões de usuários", assinala Bialski. Ele complementa. "Atualmente, esses sistemas servem inclusive para comunicações quase que oficiais, já que a Justiça usa o WhatsApp para comunicar atos e audiências, e formalizar acordos."

O criminalista destaca que em São Paulo a 7.ª Vara Criminal Federal baixou a portaria 12/15 – do juiz federal Ali Mazloum – que possibilita e regulamenta a comunicação de atos processuais pelas vias digitais modernas. "Desta maneira, efetivamente, há flagrante ofensa ao direito líquido e certo de todos, e espero que as Cortes possam reverter essa arbitrariedade e se possa ser apurado, pelo órgão correcional próprio, a motivação, a correção e a coerência de nova decisão arbitrária, proferida pelo mesmo juiz que antes viu reformada similar decisão", declara Daniel Bialski.

"Obrigar o WhatsApp a manter o conteúdo de mensagens e gravações seria o mesmo que obrigar as empresas telefônicas a manter conversas gravadas o tempo todo. É inviável operacionalmente e, ao mesmo tempo, pode violar o direito de privacidade. Por outro lado, o Marco Civil da Internet obriga a guardar o relatório das entradas e momentos das conversas. Talvez a solução seja o meio termo", afirma Alexandre Zavaglia Coelho, diretor executivo do IDP São Paulo e especialista em tecnologia e inovação.

"Ordem judicial se cumpre, sob pena de se incorrer no crime de desobediência. Entretanto, não se pode deixar de avaliar que, na busca da tutela e proteção de determinado bem, a decisão judicial possa impactar e prejudicar bem coletivo muito maior. Entendo que a decisão deverá ser revista, com grandes chances de ser reformada", diz Fernando Castelo Branco, coordenador da pós-graduação em Direito Penal Econômico do Instituto de Direito Público de São Paulo.

"Entendo que a decisão é equivocada, pois prejudica principalmente a população do País inteiro que utiliza o aplicativo. Parece-me que a aplicação da multa seria mais adequada, pois atinge apenas o alvo", sugere o criminalista Filipe Fialdini, sócio do Fialdini Advogados.