Os céus brasileiros acabam de ser considerados, por comandantes do mundo todo, um dos lugares mais perigosos do planeta para se voar. O veredicto veio da Federação Internacional de Pilotos Comerciais (Ifalpa, na sigla em inglês), que na sexta-feira 22 reclassificou os ares do País com uma estrela negra, que significa “criticamente deficiente”. Para se ter ideia, a avaliação é a mesma reservada a zonas de guerra. O motivo do rebaixamento é o aumento do risco de balões que atravessam o espaço aéreo nacional. Eles passam raspando nos aviões e podem causar sérios acidentes – até mesmo derrubar a aeronave. As consequências do novo juízo são potencialmente catastróficas: indo desde o aumento do preço das passagens até o fechamento de rotas ao Brasil. Tudo isso a menos de cem dias dos Jogos Olímpicos do Rio. “Quando a comunidade internacional recebe o aviso de que existe perigo iminente, as empresas aéreas podem restringir operações ou cancelar voos”, diz Adriano Castanho, presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas. “Todos os pilotos já tiveram problemas com balões. Convivem com isso diariamente, não é algo isolado.”

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CHOQUE
Pilotos relatam que balões já fizeram contato com aeronaves em
pleno voo, obstruindo sensores de velocidade e aceleração e
causando a perda de piloto automático

Um desses aviadores é Artur Lobo, 35 anos, funcionário de uma grande companhia aérea. Em junho passado, ele ia a Buenos Aires, na Argentina, partindo do aeroporto de Guarulhos (SP). Do solo, viu um balão sobrevoando os céus da cidade. Depois da decolagem, no entanto, o número se multiplicou. “Avistei pelo menos 10 ou 15, e precisei fazer cerca de cinco manobras evasivas”, afirma. Hoje, os pilotos não são treinados para esses encontros, e nem os equipamentos da aeronave são capazes de detectá-los. “Você desvia baseado no instinto. Fica com o coração na boca.” Outro complicador, relata Lobo, é que os ares mais movimentados, de São Paulo e Rio, são justamente onde aparecem mais balões. Conclusão, o comandante precisa sair do caminho desses artefatos sem se chocar com outros aviões. “Já passei pela mesma situação no mínimo dez vezes na vida”, diz o aeronauta. Diretor de segurança e de voo da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Ronaldo Jenkins afirma ainda que existe o aspecto cultural. “O piloto brasileiro sabe o que é, mas o estrangeiro não”, afirma. “O impacto emocional é muito maior.”

Órgão que representa mais de 100 mil pilotos em mais de 100 países, a Ifalpa afirma que enviou, em dezembro de 2015, uma carta à Secretaria de Aviação Civil alertando sobre o perigo dos balões e pedindo providências. O ministério diz nunca ter recebido a correspondência. De qualquer forma, o silêncio do governo fez com que, numa convenção realizada em abril, a federação resolvesse rebaixar a classificação do Brasil. Receber o alerta às vésperas da Olimpíada do Rio é ruim para a publicidade oficial, mas mostra também que os 500 mil estrangeiros esperados para o evento estarão sob ameaça (além, claro, dos milhões que voam os céus brasileiros no dia a dia). Apesar de não haver registro de acidentes sérios, a Ifalpa afirma que balões já fizeram contato com aeronaves em pleno voo, obstruindo sensores de velocidade e aceleração e causando a perda de piloto automático. No quesito econômico, a medida poderá fazer com que tarifas subam caso outros órgãos corroborem o entendimento da federação. “Se uma autoridade aeronáutica classificar  o Brasil como inseguro, pode acontecer de as pessoas deixarem de voar para cá e de o preço do seguro aumentar, o que impacta no valor das passagens”, diz Shailon Ian, presidente da consultoria Vinci Aeronáutica. “Usuários poderão sentir as consequências.”

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RISCO
Já foram avistados mais de dez balões na cabeceira da pista em Guarulhos

A reportagem procurou três baloeiros que atuam no estado de São Paulo para saber por que os céus dos aeroportos estão repletos de balões. Todos dizem que a maioria dos praticantes têm o cuidado de se afastar de áreas povoadas ou de rotas de avião, mas que, como a atividade é ilegal, fica impossível controlar aqueles que não seguem essas normas informais. Afirmam, ainda, que o risco representado pelos artefatos é bem menor do que aviadores e autoridades sugerem, e que o balão é destruído com o impacto ou afastado antes do choque pelo deslocamento de ar da aeronave – o que é refutado pelos demais estudiosos ouvidos por ISTOÉ. Argumentam, também, que a prática é considerada crime desde 1998, mas não dá sinais de arrefecimento. Sendo assim, a solução seria regulamentá-la. “Na visão dos baloeiros, é preciso definir regras, tamanhos, locais e dias adequados, com marcação de quem soltou”, afirma Dinho de Marcco, jornalista especializado em balões. “Não adianta proibir.” Entre os especialistas consultados, as opiniões se dividem entre regulamentação, punição e conscientização. “Se o avião está decolando, bate no balão e cai, a queda se dará em cima da própria comunidade que soltou o artefato ali perto. É preciso explicar isso para eles”, diz Ian, da consultoria Vinci.

Sobre o rebaixamento, a Secretaria de Aviação Civil informou que as restrições serão maiores durante a Olimpíada e que o controle do espaço aéreo brasileiro é um dos quatro mais seguros do mundo, segundo a Icao, uma organização internacional de aviação civil ligada à Organização das Nações Unidas (ONU). O ministério, no entanto, não soube confirmar onde estava esse dado. Procurada, a Aeronáutica informou que a informação consta de relatório preliminar da Icao que será disponibilizado no próximo mês. Já a Icao não respondeu até o fechamento desta edição.

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Fotos: DARIO OLIVEIRA/CÓDIGO19/ESTADÃO CONTEÚDO; Johnson Barros