Réu no Supremo Tribunal Federal, presença constantes em listas de propinas e dono de contas e empresas para lá de suspeitas na Suíça e no Panamá, o deputado Eduardo Cunha passou a última semana atuando como se fosse uma espécie de Luís XIV da Câmara dos Deputados. Assim como o monarca absolutista que comandou a França entre os séculos 17 e 18, Cunha fez o que quis no Congresso. Nomeou um aliado para a Comissão de Constituição e Justiça para lhe garantir imunidade em um eventual processo de cassação, mandou voltar uma votação que havia perdido até ter um resultado ao seu gosto e fez-se de desentendido quando um lobista afirmou em depoimento na própria Câmara ter-lhe entregue R$ 4 milhões. Tudo, claro, com a benevolência de uma bancada que pode ser chamada de sua, tamanho o medo e a fidelidade canina que desperta em algumas dezenas de deputados.

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IMPUNIDADE
Processo do deputado no Conselho de Ética já dura mais de seis meses

Cunha debocha do Parlamento e do Brasil com uma estranha sensação de que nada lhe acontecerá. Seu processo no Conselho de Ética se estende há 180 dias, sem que se tenha, sequer, idéia de quando terminará. O pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para que ele seja destituído do cargo aguarda decisão do STF desde 2015. Enquanto isso, o deputado age exatamente como Luís XIV, o rei que fazia questão de repetir “O Estado sou eu”.

Na quarta-feira 27, a Câmara assistiu mais artimanhas desavergonhadas para atingir seus objetivos. Na discussão no plenário para a criação de duas comissões parlamentares, a de Defesa do Direito da Mulher e a do Idoso, decidiu-se adiar a votação, para que o assunto fosse melhor debatido. Cunha, no entanto, não aceitou a decisão. Recolocou o tema em pauta e enviou emissários para “pressionar” os parlamentares. Com a votação refeita, atingiu o objetivo. Mulheres tomaram conta da mesa pedindo a saída de Cunha, mas nada adiantou.

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Dias antes a Câmara já passara pelo constrangimento de ver o lobista Fernando Baiano, condenado na Lava Jato, afirmar que dera pessoalmente a Cunha mais de R$ 4 milhões em subornos. Interrogado no Conselho de Ética, ele não titubeou: “Era propina mesmo”, disse ele. Na sexta-feira 29, veio à tona mais uma denúncia. Em acordo para delação, o ex-vice-presidente da Caixa Fábio Cleto disse que seu padrinho Cunha recebia propina em troca de liberação de recursos do FGTS.

Pressionado por uma miríade de partidos, Cunha fez nova manobra na quarta-feira 27. Numa composição para lá de estranha com o antigo adversário, o líder do PMDB, Leonardo Picciani, abriu mão de indicar o presidente da Comissão de Constituição e Justiça para que Cunha colocasse o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) . Se perder no Conselho de Ética, Cunha poderá recorrer na CCJ. Ao que tudo indica, se depender da Câmara, o deboche tende a aumentar.

Foto: Andressa Anholete/AFP