A presidente Dilma Rousseff é conhecida pela admiração às artes plásticas. Usa brechas em viagens para contemplar acervos, como fez recentemente ao ir ao Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMa. Um gosto que ficou claro durante exposição do artista italiano Michelangelo Merisi, o Caravaggio (1571-1610), no Palácio do Planalto. Um quadro, em especial, despertou a sua atenção: a pintura em óleo “Medusa Murtola”. A violência impressa na face da Medusa a torna uma obra-prima. Faz os espectadores reviverem o mito de que quem a olhasse ficaria petrificado com seu aspecto aterrador. Os discursos de Dilma estão longe de ter potencial para ingressar na história como a Medusa de Caravaggio. Mas o conteúdo é de uma violência contra a verdade digna de deixar os brasileiros paralisados. O primeiro dos factoídes da petista é se dizer vítima de um golpe. O impeachment está previsto na Constituição em caso de crime de responsabilidade. É justamente o que ela cometeu ao publicar decretos sem autorização do Legislativo e ao promover as pedaladas fiscais. Tampouco é crível desqualificar o processo ao afirmar que ele resulta de uma chantagem do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. O governo nunca esperou independência de Cunha, mas complacência. Ele era cortejado pelo núcleo político de Dilma antes de aceitar a ação. Se retardasse o processo, teria o status de aliado oferecido ao presidente do Senado, Renan Calheiros.

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A VIDA IMITA A ARTE?
A presidente Dilma contempla a pintura

Ao contrário do que Dilma propaga no exterior, não há golpe em curso no Brasil. O Congresso segue fielmente o rito definido pelo Supremo Tribunal Federal. O direito à defesa tem sido respeitado com concessões maiores até do que as permitidas a Fernando Collor. Atentar contra a democracia, aliás, é o que Dilma tem feito. Um chefe do Executivo não deve desqualificar os integrantes do Legislativo, como tem ocorrido. Tampouco pode levantar dúvidas sobre a isenção de integrantes do STF. Em discursos em tom de campanha, Dilma também tem frisado que um eventual governo Michel Temer não seria legítimo por supostamente não ter votos. É um entendimento de quem desconhece as leis brasileiras. As eleições distintas para presidente e vice ocorreram pela última vez em 1960. Desde a redemocratização, os brasileiros elegem uma chapa com os dois. Portanto, em 2014, Dilma e Temer venceram juntos e com o mesmo número de votos. Possuem a mesma legitimidade das urnas.

Os factóides foram repetidos como um mantra pela presidente em uma maratona de eventos no Palácio do Planalto – 30 em oito semanas – que mais parecem comícios eleitorais. Neles, Dilma insiste em negar os tropeços de sua gestão. Culpava a crise mundial pelos problemas da economia. Agora, responsabiliza a oposição. Esquece-se que foi a sua equipe econômica que levou o País ao quadro atual de desemprego, inflação, juros altos e recessão. Problemas que ela negou que ocorressem na campanha eleitoral. E continua ignorando. Na terça-feira 19, ela contrariou os dados do IBGE ao afirmar que o País teria 2,6 milhões de desempregados. Este número já chegou aos 11,1 milhões. A petista negligenciou dos eleitores também que em seu segundo mandato os programas sociais não iriam avançar. Pelo contrário. Promoveu cortes, por exemplo, no Minha Casa Minha Vida e no Ciência sem Fronteiras. Na época, usando a estratégia eleitoral petista do medo, acusou Aécio Neves e Marina Silva de querem cortar direitos trabalhistas e adotar um programa de austeridade fiscal. Bastou ganhar para tentar colocar o receituário denunciado em prática. Só não os tirou do papel pela incompetência política de sua equipe. 

A petista reproduz a mesma estratégia da difamação política. É fato de que a tática não produz os mesmos efeitos de 2010 e 2014, quando lhe garantiu a vitória. Diz que Temer acabará com os programas sociais. O primeiro erro de Dilma é achar que estas conquistas pertencem a uma gestão. Elas são fruto de programas aprimorados em sucessivas gestões, como o Bolsa Escola, criado no governo Fernando Henrique Cardoso. Estão institucionalmente incorporados. Seria bom ao País se a presidente admirasse a Constituição assim como faz com as artes plásticas. Assim, não pintaria um quadro tão fantasioso da realidade brasileira.

Foto: Eraldo Peres/AP Photo 

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