Truman Capote (1924-1984) foi um menino elegante, bem penteado e, segundo contava sua melhor amiga de infância, a também escritora Harper Lee (1926-2016), perfumado como uma menina. Abandonado pelos pais numa cidadezinha do Alabama devastada pela Grande Depressão, o autor de “Bonequinha de Luxo” já escrevia aos 11 anos de idade, mas só começou a publicar aos 20. A produção da adolescência de Capote era desconhecida até bem pouco tempo. Há dois anos, os editores de sua obra procuravam os originais de “Answered Prayers”, seu romance inacabado, quando se depararam com uma caixa identificada com os dizeres “escritos da escola” na New York Public Library. Os textos que chegam agora ao Brasil como “Primeiros Contos de Truman Capote”, pela José Olímpio, estavam nessa leva. Escritos à mão ou datilografados, foram produzidos entre 1935 e 1943 – mais de vinte anos antes do lançamento de sua obra prima, “A Sangue Frio”, o livro-reportagem que estabeleceu um novo patamar para o jornalismo literário.

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COERÊNCIA
O reconhecimento maior de Capote só veio depois da publicação de “A Sangue Frio”,
em 1964. Mas a percepção para os danos morais gerados pelo apartheid racial,
social e econômico nos EUA está inteira em seus textos escritos na adolescência

Muito do que Capote desenvolveu na história do assassinato e dos assassinos de uma família no Kansas e que o fez entrar para a história do jornalismo já se encontrava nos em seus textos juvenis.

O estado servil em que era mantida a população negra sulista, a vergonha da pobreza e do abandono, o desespero escondido por diagnósticos de loucura, a morte, a traição, o medo. Capote já mostrava uma aguda sensibilidade para retratar tipos e, mais impressionante que isso, por sua idade, as condições sociais e contradições de caráter de seus personagens.

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INÉDITOS
Os textos inéditos do escritor estavam em uma caixa na New York Public Library

O jovem Truman não encontrava aceitação para seu gênio criativo e seus ares de dândi em Monroeville, onde foi deixado. O entorno, que ele observava assim, com distanciamento dos marginalizados, doía menos do que a rejeição da mãe, que desaprovava o seu homossexualismo. Harper Lee, autora do fundamental “O Sol é Para Todos”, também inspirado no racismo e cenografado pela depressão econômica, era sua única amiga. Foi o pai dela quem deu para os dois fãs de literatura policial a máquina de escrever na qual ele redigiria contos como “Louise”, história da menina expulsa da escola por ser descoberta negra, ou “Senhorita Belle Rankin”, sobre a ex-aristocrata que mesmo mendigando comida mantinha um escravo na mansão onde cultivava camélias.

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VIZINHA
Abandonado na infância pelos pais, Capote teve poucos amigos em Monroeville.
A escritora Harper Lee (acima) foi uma das poucas companhias do período

 

Mas há uma importante diferença entre o Capote de “Música para Camaleões” e o jovem contista ginasial. A habilidade narrativa, a compaixão pelos personagens, a ironia cortante se mantiveram e, claro, evoluíram. Mas existem nesses textos novatos uma marca que o jornalista deixou para trás para se tornar um dos mais ousados e precisos autores do seu tempo, a redenção.

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Fotos: Farabola/Leemage;