Como se não bastasse a crise política e econômica que tem asfixiado o Brasil nos últimos tempos, novas revelações de um escândalo global devem provocar estragos também em território brasileiro. Na semana passada, o vazamento de 11,5 milhões de documentos da consultoria panamenha Mossack Fonseca trouxe à tona informações sobre 214 mil empresas que operam em paraísos fiscais. Essas firmas, chamadas offshores, são normalmente utilizadas para pagar menos impostos, conceder anonimato aos clientes e, em alguns casos, promover atividades ilegais, como lavagem de dinheiro e corrupção. O Brasil aparece com certo destaque na lista. Na sexta-feira 8, novos documentos mostraram que a Petrobras pagou comissões milionárias em operações com petróleo a uma empresa sem sede própria, funcionários ou site. As comissões, diz a denúncia, foram pagas por meio de uma conta bancária na Suíça. Entre os brasileiros citados está o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, veterano de outros escândalos de corrupção (acusado, em denúncias anteriores, de pagamento de propina e ocultação de contas bancárias na Suíça). Desta vez, paira sobre ele a suspeita de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. De acordo com os documentos divulgados na semana passada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), Cunha mantém ligações com pelo menos uma offshore, a Penbur Holdings, que ele controlaria por meio de dois panamenhos. Manter valores no exterior não é crime, desde que o dono do dinheiro informe a atividade à Receita Federal e ao Banco Central. Nada disso teria sido feito pelo brasileiro, que nega as denúncias.

PAN-1-IE.jpg
CRIMES
Pesa sobre Cunha a suspeita de lavagem de dinheiro e evasão de divisas

O escritório brasileiro da Mossack Fonseca está sob a mira da Polícia Federal desde o início do ano. As investigações mostram que o endereço operou para seis grandes empresas citadas na Lava Jato e sete partidos políticos. Além disso, dados preliminares revelam que 57 pessoas investigadas na operação têm alguma conexão com a offshore panamenha. Entre os políticos citados, além de Cunha, estão o ex-deputado federal João Lyra e o ex-ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA). O impacto dos Panama Papers deve ser tão grande que novas regras podem ser criadas pelas autoridades internacionais. “É possível que o escândalo faça os países desenvolvidos desenvolverem acordos para diminuir o número de firmas abertas no Exterior”, diz Leonardo Pessoa, professor de direito empresarial e tributário do Ibmec-RJ. “As offshores escancaram a corrupção internacional.”

Ao contrário dos chamados paraísos fiscais, o Brasil e a maioria das nações desenvolvidas garantem a confidencialidade e não o anonimato aos investidores estrangeiros. A confidencialidade pode ser quebrada por decisão judicial, mas o anonimato dificulta – por vezes, impossibilita – a identificação do cidadão que faz aportes financeiros. “É difícil saber se a offshore pertence a determinada pessoa”, diz o professor do Ibmec. “O que se conseguiu foram documentos e procurações sigilosas de clientes que comprovam as movimentações e contratações do escritório.” A abertura de offshores muitas vezes se dá de forma legal. “A Vale, por exemplo, possui offshores lícitos no exterior para pagar clientes estrangeiros”, diz Pessoa. O problema é quando as atividades são instrumentos de crimes financeiros, como sonegação de impostos e ocultação de patrimônio.

O escândalo provocou danos em diversos países. Segundo os documentos divulgados na semana passada, mais de 70 chefes e ex-chefes de estados tiveram seus nomes citados em operações nebulosas. O nome do presidente da Rússia, Vladimir Putin, não aparece ligado a uma offshore, mas sim o de seu melhor amigo, o empresário Serguei Roldugin. Além disso, constam nos relatórios empresários russos beneficiados com contratos públicos avaliados em US$ 2 bilhões. O líder da China, Xi Jinping, que havia prometido combater a corrupção no País, também teve o seu nome e de familiares relacionado nos documentos. O país censurou as páginas de internet que fazem referência ao envolvimento da cúpula chinesa no escândalo. Quase dois terços das offshores expostas pelo Panamá Papers tem origem em Hong Kong e na China.

O presidente argentino, Mauricio Macri, seu pai e seu irmão mantiveram entre 1998 e 2009 uma empresa no paraíso fiscal das Bahamas sem que a conta aparecesse nas declarações de 2007 e 2008, quando ele era prefeito de Buenos Aires. Agora, será alvo de investigações. O pai do premiê britânico, David Cameron, também aparece como dono de offshores, complicando a posição do líder europeu que defendia o combate aos paraísos fiscais. Na Arábia Saudita, o rei Salmán Bin Abdulaziz foi apontado como dono de uma offshore com sede nas Ilhas Virgens.

Além de ter alcançado abrangência mundial e colocado autoridades financeiras no rastro de políticos, o escândalo já provoca abalos na economia do Panamá. O governo afirmou que apóia veementemente as investigações. No ano passado, o país atualizou sua legislação para regular setores financeiros. Como resultado, saiu da chamada lista cinza de países com deficiências na prevenção da lavagem de dinheiro e de financiamento ao terrorismo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Essas condutas típicas de paraísos fiscais mancham a imagem do nosso país”, afirmou à ISTOÉ Olmedo Estrada, professor da Universidade Latina do Panamá e presidente da ONG Colégio de Economistas do Panamá.

g1.jpg
OS ENVOLVIDOS
Xi Jinping, presidente da China, e Putin, da Rússia

Fundada pelo panamenho Ramón Fonseca e pelo alemão Jürgen Mossack, a Mossack Fonseca ajuda milionários a abrirem offshores para escapar de impostos há 39 anos. Os sócios afirmaram que não cometeram irregularidades. Eles alegam que apenas abrem as firmas e não se responsabilizam pela atividade fim de seus clientes. O fato de o vazamento ter sido batizado como “Panamá Papers”, explica Estrada, reforça o estigma de o país dar sinal verde para crimes financeiros. “Deveria chamar Mossack Fonseca Papers”, afirma o professor. “Qual nação vai querer investir em um país associado à corrupção?” Há quem acredite que documentos refletem um momento em que instituições de diversos países batalham por mais transparência. “O Brasil, por exemplo, tem assinado acordos bilaterais em troca de informação”, diz Hélcio Honda, presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados de São Paulo. O governo brasileiro aprovou em janeiro deste ano a lei 13.254 de regularização cambial e tributária, que permite às pessoas ou empresas que não haviam declarado patrimônio regularizar e renegociar o pagamento, desde que a origem do bem seja lícita. “Há um movimento rumo à troca de informações”, diz Honda. “Estamos caminhando para a transparência global.”

O exemplo da Islândia

Primeiro-ministro renuncia após ter seu nome citado no escândalo

PAN-5-IE.jpg

A divulgação dos documentos batizados de Panamá Papers teve efeitos imediatos num pequeno país que sempre esteve na lista dos mais honestos do mundo. Na terça-feira 5, o primeiro ministro islandês, Sigmundur David Gunnlaugsson (na foto abaixo) renunciou ao cargo após ter seu nome citado no escândalo. O vazamento de arquivos revelou que ele e sua mulher eram proprietários de uma empresa offshore criada em 2007 nas Ilhas Virgens britânicas. De acordo com os documentos publicados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, o primeiro ministro possuía 50% da offshore até o final de 2009. Quando foi eleito deputado pela primeira vez, em abril de 2009, ele omitiu a participação em sua declaração de patrimônio. Na segunda-feira 4, milhares de manifestantes (foto acima) haviam protestado em frente ao Parlamento da cidade de Reykjavík para exigir a renúncia do então primeiro-ministro. Pressionado, ele acatou a vontade popular. Se a moda pegasse no Brasil…

PAN-4-IE.jpg

Fotos: WILTON JUNIOR/ESTADãO CONTeúDO; Mark Schiefelbein, Sergei Chirikov – AP, Stigtryggur Johannsson/REUTERS; HALLDOR KOLBEINS/AFP